Em meio às restrições da devastadora segunda onda da pandemia no Brasil, uma manchete curiosa chamava a atenção em um portal de conteúdo: Com comércio fechado, lojas de construção viram opção de lazer em SP.
Por trás da notícia, uma constatação desconcertante: sem opções de lazer, por conta do fechamento de atividades consideradas não essenciais pelo governo, “hordas” de consumidores lotaram mega-centers de material de construção para… passear.
Impensável até pouco tempo atrás, esse bizarro comportamento de massas não deixa de ser revelador.
AS PISTAS PARA O FUTURO
O futuro até pode ser imprevisível, mas ele sempre insiste em nos dar pistas importantes. Essa é uma delas — debatida sob a ótica de diferentes mercados e em diferentes países no #SXSW2021.
Traduzindo no óbvio: o consumo já é, há algum tempo, um processo muito mais social do que logístico. Não se compra apenas porque se precisa: compra-se para se aproveitar o processo de compra, para se conectar com pessoas e tecnologias, para passar tempo — e, sobretudo, para curtir as tantas micro-jornadas que populam o cotidiano
Não que isso tudo seja exatamente uma novidade, claro: há décadas que o varejo tradicional investe em experiências sensoriais e inusitadas, a ponto de captar os imaginários coletivos e catapultar para dentro de quatro paredes exércitos de consumidores ávidos pelo que podemos chamar de interações “diferenciadas”, enriquecidas.
Mas o que acontece quando essas quatro paredes subitamente desaparecem? Como propor experiências diferentes de consumo em uma realidade de pandemia, quarentenas e restrições?
E mais: que tipo de relação com o consumidor sairá desse novo paradigma que está surgindo a partir do caos efetivamente parido no biênio 2020-2021?
FOI-SE O TEMPO EM QUE A EFICIÊNCIA ERA RAINHA
Desde que o primeiro cartão de crédito trafegou pela internet e viabilizou o comércio eletrônico, bilhões de dólares foram investidos na criação de experiências eficientes para o consumidor.
A regra era simples: ganhava a marca que conseguisse fechar uma venda no menor tempo possível — incluindo aí todo o processo de busca, parametrização de produto e fluxo de check-out.
O online, afinal, era tido como uma espécie de alternativa prática ao offline, onde se poderia conseguir o mesmo produto ou serviço por um “esforço” infinitamente menor.
(E sim: essa foi, e talvez até continue sendo, ainda que por apenas um punhado a mais de anos, a principal vantagem do varejo online.)
O problema é que — e isso ficou cristalinamente claro com a pandemia — o entretenimento contido no processo de compra pode ser tão ou até mais importante do que a compra em si
Ou, colocando em outros termos: quanto maior a eficiência, menor a experiência.
A EXPERIÊNCIA COMO NOVO PARADIGMA DO VAREJO ONLINE
Se a experiência é tão importante ao ponto de levar milhares de pessoas para passear em lojas de materiais de construção por prazer, será que o foco do comércio eletrônico como um todo também não deveria mudar para comportar mais entretenimento do que logística?
É nisso que o varejo eletrônico está apostando.
Exemplos práticos?
A Amazon Live transforma toda a loja online em uma espécie de Netflix com amostras de produto ao estilo Shoptime, abrindo espaço para demonstrações reais e para interações entre consumidores por meio de bate-papos.
A Taobao Live, do Alibaba, permite que consumidores escolham e adquiram os mais diversos produtos enquanto eles são demonstrados, ao vivo, por vendedores que podem variar de apresentadores comuns a mega celebridades.
A Mimo, um marketplace de live shopping focado em moda, permite que marcas latino-americanas apresentem seus produtos como se estivessem em um evento e, assim, conquistem os clientes por meio de um nível de engajamento e interação poucas vezes visto no comércio eletrônico tradicional.
Esses exemplos — e um mar de iniciativas semelhantes — são estruturados em cima de três paradigmas radicalmente diferentes do mercado tradicional:
1. A transparência reina: com lives utilizadas para demonstrar produtos que, muitas vezes, respondem perguntas diretas e ao vivo de consumidores, a honestidade comercial ganha mais espaço.
2. A venda é um teatro: mais do que simples demonstrações, a teatralidade e mesmo o grau de influência dos apresentadores escolhidos transforma uma oferta em um verdadeiro reality show.
3. Mais tempo garante mais conversão: quanto mais envolvido com o canal, mais tempo o consumidor passa assistindo às lives e contribuindo com as vendas, seja fazendo perguntas diretas ou respondendo a questões de outros consumidores. No final, um tempo grande de entretenimento impulsiona o consumo de maneira incrivelmente natural.
Esses exemplos convergem para um único raciocínio: foi-se a era em que o comércio eletrônico tinha como grande trunfo a eficiência logística do processo de compra.
Não que isso não seja importante: prazos exíguos e meios de pagamento diversificados são e continuarão sendo essenciais para o sucesso de qualquer loja, online ou não.
Mas, para um consumidor que está rapidamente compreendendo que o seu bem mais precioso não é o tempo que dispõe, mas sim a forma que prefere aproveitá-lo, a eficiência por si só já não basta
O essencial — e é aí que mora o futuro do varejo online — está em criar experiências de compra que, muito além da mera eficiência, mesclem entretenimento a convencimento, oferta a ensinamento, influência a empoderamento.
Um desafio por si só divertido para o mundo pós-pandemia.
Ricardo Almeida é Key Account Director da BriviaDez.
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