Você é apaixonado por quadrinhos, heróis, cinema e afins. Então, após muitos anos de trabalho, se vê à frente de um dos maiores sites e do principal evento de cultura pop do país.
Aí, o que você faz? Recomeça tudo, claro. E várias vezes, até encontrar aquilo que, no início, fazia o seu coração bater mais forte — mesmo que, para isso, precise lutar contra os incansáveis algoritmos das redes sociais.
O paulistano Érico Borgo, 48, cofundou gigantes da cultura geek, como o site Omelete e a CCXP, que reúne quase 300 mil nerds em São Paulo todos os anos.
No auge de audiência, porém, ele deixou tudo pra trás e se reinventou algumas vezes: com uma agência, escrevendo livros, criando cursos e, agora, fazendo filmes e o que mais der na telha.
Há alguns anos, a palavra “nerd” carregava em muitos círculos uma forte conotação negativa. Se hoje isso mudou, é muito por conta de um movimento de valorização da cultura geek/nerd da qual Borgo, Omelete e CCXP fizeram parte.
No caso dele, esse momento pertence ao passado. Hoje, Borgo não está mais preocupado em levantar a bandeira de centenas de milhares de pessoas:
“Quero cada vez menos. Quero menos pessoas e interações. Estou mais preocupado com a qualidade”
A nova fase de vida é visível ao longo da entrevista ao Draft: Érico surge na chamada de vídeo em um chalé no seu sítio, entre alguns quadros com referências geek e na companhia de seu cachorro. É para esse sítio, no interior de São Paulo, que ele está de mudança.
No início do ano 2000, Harry Potter ganhava os cinemas, Gladiador estreava no Brasil e o Napster causava disrupção na indústria fonográfica e polêmicas numa internet na qual Facebook, Twitter e Instagram nem sequer existiam.
Naquele ano, Érico Borgo se juntava a Marcelo Forlani, Marcelo Hessel e Pierre Mantovani para desenvolver o Omelete. Duas décadas depois, quando ele se desligou do negócio, deixava uma empresa com 160 colaboradores.
“Meu caminho e o do Omelete não eram mais os mesmos, estávamos divergindo”
Borgo sentia falta de pôr a mão na massa, trabalhando principalmente com eventos. “Quando está no nível executivo, parece que você acaba preso. Fica em ciclos de estudar números e tal. O que realmente me faz feliz é estar na operação, no backstage, com as pessoas.”
Chegou uma hora em que ele já nem sabia identificar todo mundo que fazia parte do time:
“Não era nem bem visto que eu chegasse em determinados espaços da empresa para colaborar, porque eu iria mudar o foco, minha palavra teria um peso diferente… Eu quero fazer parte da equipe, não quero ficar no alto do Olimpo controlando as coisas”
O incômodo de não poder pôr a mão na massa se tornou mais agudo quando Borgo percebeu que estava trabalhando com o que amava — mas não da forma que sonhara.
Designer de formação, ele começou a carreira fazendo materiais para empresas de todos os segmentos, desenhando “catálogo de parafusos, coisas de fábrica”:
“Trabalhei a vida inteira com o sonho de criar produtos para Marvel, Star Wars, Senhor dos Anéis… Quando eu finalmente podia trabalhar com isso, eu precisava delegar para outro, precisava viver meu sonho por funcionários. Pra que então a gente trabalha tanto?”
Nessa saída, Borgo até fundou uma nova agência, a Huuro, para produzir eventos, mas pretendia ficar longe da internet. Entretanto, veio a pandemia, os eventos pararam e logo ele precisou rever os seus planos.
Entre 2020 e 2021, enquanto o cinema ainda sofria para se recuperar das salas fechadas, o Cinemark apareceu com uma proposta para que ele voltasse a criar conteúdo.
“Na hora, eu neguei. Não estava disposto a voltar a produzir conteúdo e receber documentos ditando o que eu podia e não podia falar. Eu não fazia um merchan desde 2013”
No entanto, a proposta era diferente. “Eles me disseram que eu poderia fazer o que eu bem entendesse, poderia falar mal dos filmes, criticar o Cinemark, falar o que bem entendesse. Só precisava lembrar que a experiência do cinema é única.”
Com essa liberdade, ele aceitou voltar ao conteúdo pelo canal da Huuro, sua agência. Além do conteúdo patrocinado pela Cinemark, logo a Huuro começou a produzir conteúdo para empresas como Netflix e Disney.
O negócio passou a crescer novamente e, mais uma vez, veio a sensação de que ele já havia visto esse filme…
“Estávamos com 15 pessoas e já estava ficando com medo. No Omelete demoramos dez anos para chegar a uma equipe desse tamanho”
Mas ele ainda seguiu em frente, produzindo o que queria para o canal da Huuro com o Cinemark. Muitos dos vídeos eram longos e mais se pareciam com aulas, com direito a slides cuidadosamente desenhados por Borgo.
Esse tipo de conteúdo, no entanto, não fazia o mesmo sucesso do que as críticas rápidas de filmes da semana. Um segundo incômodo ganhava espaço: a necessidade de jogar o jogo seguindo as regras dos algoritmos das redes sociais.
“Eu passava dias trabalhando naquele vídeo, colocava um monte de conhecimento, muita informação no meu canal para o meu público e aquele vídeo era indesejado pelo YouTube. E a palavra é ‘indesejado’ mesmo, porque a plataforma não quer aquele conteúdo.”
Além de definir o que “devemos” ver, os algoritmos perturbaram a forma como a gente consome conteúdo:
“Nós também fomos deseducados. Não conseguimos mais assistir a um filme sem pegar o celular. E nosso cérebro foi treinado com pequenas doses de dopamina para ficarmos inquietos”
Foi pensando nessas questões que Borgo percebeu que voltou a ser parte do problema. “Passei a reduzir meus conteúdos, fazer apenas o que dava mais resultado, a entrar nos mecanismos de vícios que aumentam as curtidas e visualizações…”
Ele se viu indo assistir a filmes como um rabugento, a comentar os conteúdos sem paixão e a sofrer para produzir aquilo que ele havia começado a fazer por prazer. Era hora de mudar.
Borgo conversou com o Cinemark, encerrou o projeto do canal e decidiu se jogar novamente. “Soltei minha tábua de salvação para ver se eu ainda sabia nadar.”
Era hora de voltar à prancheta e ver quais ideias ainda faltava realizar. A primeira delas foi a realização de um livro, o Nerd. A obra é uma autobiografia, que utiliza a cultura pop, com a vida do autor, para trazer reflexões.
“Eu já havia lançado o Almanaque do Cinema antes e odiei a experiência de trabalhar com uma editora convencional gigante, na qual eu era só mais um livro a ser lançado pelo mês”
Além do livro, veio mais um projeto: o curso Odisseia Criativa, que Borgo cita como um exemplo de projeto que não saiu como ele gostaria. Um dia após a entrevista ao Draft, o curso ganhou sua última edição e foi encerrado. Agora ele só será ofertado em empresas.
O Odisseia Criativa buscava reunir o conhecimento de Borgo com a cultura pop para ajudar as pessoas a encontrarem as formas de organizar o conhecimento e praticar a criatividade. Mas, mais uma vez, o criador percebeu que para o produto fazer sucesso, ele deveria jogar o mesmo jogo que ele odeia.
“Para o curso acontecer de verdade, eu precisava ir para um lugar que eu não quero, que é o de vendas, de promessas, de ficar dizendo que mudarei sua vida e você será uma pessoa melhor… Não tenho dúvidas de que isso acontecerá, mas eu me recuso a ficar batendo tambor com esse discurso”
Ele até contratou uma agência para vender mais, mas não adiantou. “Deve ser muito frustrante para os caras, porque eles pedem para eu gravar um vídeo e eu não quero. Mas no final do dia tenho que usar as técnicas e gatilhos para vender algo que criticará justamente essas coisas.”
Nesse processo, ele aceitou que também não iria mais fazer aquilo e qualquer outra coisa que o fizesse chegar no fim do dia e se sentir mal.
Uma das atividades que o faz se sentir bem, hoje, é um documentário que está fazendo sobre o processo criativo de J.R.R. Tolkien (1892-1973), o autor de O Senhor dos Anéis.
O projeto nasceu a partir de um convite da Audible, plataforma de audiobooks da Amazon, para ajudar a criar uma celebração dos 70 anos de Sociedade do Anel, o primeiro livro da saga.
“Assim que chegou o convite, eu pensei: ‘É isso! Quero estudar Tolkien’. Passei três meses estudando sobre ele e, no meio do processo, surgiu a ideia de estudar a mente dele, mas criando um documentário”
Olhando para a trajetória de Borgo, é seguro apostar que outros projetos virão depois desse. E outros experimentos também. Citando Mestre Yoda, ele garante: “O futuro em movimento está”.
Bruna Ferreira trilhava uma carreira no setor financeiro, mas decidiu seguir sua inquietação e se juntou a uma amiga para administrar um salão de beleza. Numa nova guinada, ela se descobriu como consultora e hoje ajuda empresas a crescer.
Movida pelo lema “siga sua paixão”, Letícia Schwartz foi viver nos EUA e fez sucesso com livros sobre gastronomia. Até que se apaixonou pela educação e fundou uma consultoria que ajuda alunos a ingressar em faculdades americanas.
Frustrados com a carreira, Wesley Klimpel e Patricia Pamplona resolveram cair na estrada e abraçar a vida de viajantes em tempo integral. Hoje, por meio do blog Sem Chaves, eles dividem dicas e histórias de suas andanças pelo mundo.