Malena e Orion estão 24 horas por dia, sete dias por semana, na startup que ajudaram a criar em 2016 e trabalham sem folgas, sem adicional por hora extra, nem bonificações. Mas — é óbvio — não são gente: trata-se servidores dedicados. Eles têm o propósito único de estar a postos para viabilizar a Kunumi, startup que tem um pé na academia e atua no ramo de inteligência artificial utilizando algoritmos proprietários para resolver problemas complexos de ponta a ponta em grandes organizações (especialmente, na área de saúde, onde tem seu maior cliente até o momento). A expectativa da Kunumi é faturar 15 milhões de reais, ainda este ano.
As duas máquinas ficam no Centro Tecnológico de Belo Horizonte (BH-Tec) e, sem ganhar nenhum tostão, demandam apenas manutenção e atualização. Alberto Colares, 50, formado em Design, é CEO e sócio-fundador da Kunumi — que tem mais de 60 funcionários, esses sim humanos e tratados como tal. Alberto fala sobre o momento vivido na área de atuação de seu business: “É muito especial e vai além do que imaginamos que é possível fazer nesse campo. E isso vale para todas as áreas: medicina, advocacia etc. É um momento muito interessante de se acompanhar”.
Nascido no mesmo ano da criação da internet, Alberto acumula experiência em empreendimentos tecnológicos e voltou a morar na capital mineira depois de 15 anos em outras capitais do país. Foi co-fundador de empresas como Coodart, Zunnit e Neemu, sua última cartada, antes de assumir a Kunumi. Ele fala a respeito:
“O que fazemos é entender o estado da arte da ciência da computação e, com um olhar de negócios, buscar problemas práticos, do dia a dia, para resolver”
E prossegue: “Há um universo de problemas que nunca foram abordados por essa ótica, pelo simples fato de que essa ótica não existia cinco ou seis anos atrás”. Empolgado com os desdobramentos que deverão surgir nos próximos anos neste mercado, Alberto conta que vende soluções para qualquer setor da economia.
Ele tem ao seu lado a companhia de um cérebro ainda mais experimentado para tal empreitada. É o professor Nivio Ziviani, de 71 anos que, entre outros títulos, é membro da Academia Brasileira de Ciências e engrossa o caldo de inteligências naturais que estão ajudando a posicionar a Kunumi também internacionalmente. Acostumado a acompanhar, quase em tempo real, conquistas e descobertas das ciências da computação, inteligência artificial e, mais recentemente, do aprendizado de máquinas, Nivio, em entrevista concedida por Skype, resumiu em 35 minutos os 50 anos de acontecimentos que possibilitaram o estado da arte atual do setor.
Da criação da Internet, na Universidade da Califórnia, nos EUA, passando pelo começo da world wide web, pelos mecanismos de busca, pela “bolha” do início dos anos 2000, pela consagração das redes sociais e do big data, até chegar ao sistema que pode ajudar a prever a evolução de pacientes do hospital paulistano Sírio-Libanês — solução implantada desde 2016, pela Kunumi —, muitos são os marcos testemunhados de perto pelo professor.
COMO É SER PROFESSOR E EMPREENDEDOR AO MESMO TEMPO
Emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) há 12 anos, engenheiro mecânico, de raízes italianas, ele fez doutorado em Ciências da Computação na Universidade de Waterloo, Canadá. Lá, foi orientado por Gaston Gonnet, um “professor-empreendedor”, como ele diz, que o inspirou a também unir pesquisa acadêmica e negócios tecnológicos no Brasil.
“Em 1996, um dos meus alunos de mestrado desenvolveu um mecanismo de busca para localizar livros em livrarias, um dos primeiros setores a adotar o meio digital”, conta, comparando a invenção da época a sistemas atuais como Trivago e Decolar. “Em 1998, o negócio explodiu, porque a gente mandou emails para webmasters, e o número de usuários dobrava a cada 30 dias. Estourou a máquina, tivemos que sair correndo comprar uma maior; estourou a rede da universidade, tivemos que ir para o UOL, que tinha uma máquina grande, banda larga”, conta o professor, que a essa altura também já empreendia: era sócio da empresa de buscadores da família Miner, o “Google brasileiro” de sua época. Até que, como é comum a tantas startups, chegou a hora de vender a cria, para o UOL:
“Quando o UOL comprou a família Miner, fez um arrastão no laboratório e levou todo mundo. Essa é a maravilha disso: a criação de empregos!”
Com a venda, Nivio destinou 100 mil reais para a criação de uma bolsa de estudos permanente para alunos da UFMG. Até se tornar co-fundador da Kunumi, ele ainda participaria da criação de duas startups. Uma delas, a Akwan, de 1999, foi depois adquirida pelo Google, motivando o estabelecimento, em 2005, em Belo Horizonte, do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da multinacional na América Latina.
A pegada de pesquisa aplicada ao negócio é um diferencial dos criadores da Kunumi. Para permitir o engajamento de pesquisadores da UFMG nas atividades da startup, assim como remunerar as pessoas e recompensar a própria instituição, eles distribuem ações — 5% delas, por exemplo, são de posse e usufruto da federal mineira. Assim, enquanto a Kunumi areja a universidade com dados do mundo real, a instituição de pesquisa permite o acesso a laboratórios e mão-de-obra qualificada.
Esse modelo jurídico que viabiliza ter a UFMG como sócia, fomentando a sinergia entre academia e iniciativa privada, é o resultado de 17 anos de esforços do professor Nivio, que apelidou o modelo de “paper to PIB”. A saber: usar estudos produzidos internamente (publicados no formato de papers, do jargão em inglês usado na academia) para gerar riqueza é um dos principais recursos de instituições como o Massachusetts Institute of Technology (MIT) e a Universidade de Stanford, ambas nos EUA, com milhares de empreendimentos incubados e associados.
GRANDES CLIENTES, AMBIÇÃO AINDA MAIOR, E CONFIDENCIALIDADE GERAL
Com 10 sócios, mais de 60 colaboradores, um Conselho de Administração e um Conselho Tecnológico, presidido por Nivio, a Kunumi tem, além da sede em Belo Horizonte, escritórios em São Paulo, Rio de Janeiro e Roterdã, na Holanda, onde fica uma das sócias. Com 20 meses de operação, possui clientes como o Itaú, a MRV Engenharia, o banco Inter, a Unimed-BH, a Fiat e o já citado hospital Sírio-Libanês. O foco da startup é a expansão internacional, a partir de 2018.
A maior parte das soluções que a Kunumi desenvolveu até agora é resguardada por termos de confidencialidade, o que torna menos evidente a aplicação dos produtos e serviços que gera. Por isso mesmo, a equipe optou por não colocar no ar um website completo sobre a empresa, pois não pode revelar todos os clientes nem todos os problemas que está buscando solucionar.
SALVANDO VIDAS DESDE JÁ
Sigilos à parte, o case mais divulgado da startup é a parceria com o Sírio-Libanês. Adotada em unidades de terapia intensiva (UTI), a plataforma da Kunumi ajuda na previsão da evolução clínica de pacientes, com 25% mais precisão que a alcançada pelo software utilizado até então. Dados como pressão arterial, temperatura corporal, idade e outras variáveis clínicas de mais de 6 000 pacientes internados nos últimos anos foram utilizados para desenvolvimento da ferramenta. Com as previsões do sistema, os médicos têm mais subsídio para decidir qual o tratamento mais indicado em cada novo caso.
O maior case da Kunumi, até agora, sinaliza o caráter compartilhador que seus sócios pretendem atribuir à startup, que desenvolveu uma área específica de Saúde e tem profissionais de medicina entre seus colaboradores. Especializado em gestão em saúde, Guilherme Salgado, 35, é COO da Kunumi e fala: “Vim para a Kunumi porque ela consegue usar pesquisa aplicada para gerar riqueza. Transformar isso em realidade e ajudar a mudar esse ecossistema já é um propósito muito grande”. Ele também fala sobre como transferir tecnologia e conhecimento para o maior número de pessoas é um dos propósitos da Kunumi:
“Quando temos, por exemplo, um modelo de predição de mortalidade de UTI e conseguimos replicar isso, estamos pegando o conhecimento de uma unidade de alto nível e multiplicando, sem ter que levar todos os profissionais ou toda estrutura”
Nivio e Alberto afirmam que, por conta própria, estão desenvolvendo pesquisas sobre como prever o desenvolvimento da doença de Alzheimer, por exemplo. Em breve, dizem, querem passar a publicar conteúdo próprio sobre o aprendizado de máquinas, fomentando discussões relevantes sobre o futuro humano.
O hibridismo que mescla gente e máquina, academia e iniciativa privada, também resulta na busca do que os sócios chamam de “lucro com responsabilidade” nas operações da Kunumi. A ideia é cobrar pelos serviços, mas não fazer disso um impeditivo para a disseminação das soluções ainda nascentes. Kunumi, por sinal, significa “menino”, em tupi-guarani. É a origem da palavra aportuguesada curumim. A inteligência artificial, como vemos, é ainda uma criança.
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