Basta caminhar por qualquer cidade para se deparar com edifícios em obras. De maneira geral, essas obras levam anos para serem concluídas e incluem sujeira, poeira, caminhões de entulho e gasto de muita água e energia. Isso sem contar o desperdício de material, que fatalmente acontece.
Mudar esse cenário e contribuir com cidades mais sustentáveis é uma das missões da Noah, construtech que surgiu em 2019 para trabalhar a incorporação e construção de edifícios feitos com madeira engenheirada.
“Estamos desenvolvendo produtos imobiliários que trazem não só sustentabilidade mas também um bem-estar maior pro usuário. Fazemos isso por meio do uso de madeira engenheirada, que é um material mais sustentável, e da industrialização do processo construtivo”, explica Nicolaos Theodorakis, fundador e CEO da Noah.
Os produtos engenheirados com os quais a Noah trabalha são o CLT (cross-laminated-Timber) e o Glulam, feitos com madeira de pinus colada. No caso do CLT, são intercaladas camadas coladas longitudinalmente e transversalmente, formando uma placa de madeira que assume o papel de laje e parede em uma construção. Por causa da leveza, permite usar até 30% menos concreto na fundação, o que já é um ganho em sustentabilidade. Já o Glulam é feito com madeira colada na mesma direção para ser usado como pilar de uma obra.
A Noah não é fabricante desses materiais, mas desenvolve e faz a incorporação de projetos que usam as madeiras engenheiradas como base. A startup também pretende beneficiar essa madeira, comprando as placas de fabricantes e preparando as peças que serão enviadas ao canteiro de obras.
No mercado desde 2019, a startup ainda não entregou nenhum prédio. Segundo Nicolaos, existem cinco projetos corporativos em andamento em São Paulo – tanto na capital como no interior. “Estamos na fase de aprovação de projeto em órgãos públicos e prefeituras. Minha expectativa é que no segundo semestre a gente chegue à etapa de construção”, calcula.
A madeira engenheirada surgiu há 20 anos, na Áustria. No Brasil, os projetos existentes se concentram em residenciais de alto padrão. A loja de chocolates da marca Dengo, inaugurada em 2020, em São Paulo, tem 4 pavimentos e é considerada o primeiro edifício multipiso com esse tipo de tecnologia no país. No mundo, já existem exemplos de prédios mais altos desenvolvidos com a tecnologia, como o T3, em Minneapolis, com 7 andares.
Em entrevista a NetZero, Nico fala sobre como a madeira engenheirada e a industrialização do canteiro de obras podem ser o futuro verde da construção civil e contribuir para a agenda ESG das empresas e das cidades.
NETZERO: A Noah se propõe a trabalhar na industrialização do canteiro de obras. O que é essa industrialização?
NICOLAOS THEODORAKIS: É passar algumas etapas que são feitas no canteiro de obras para uma unidade fabril. Levamos a laje pronta para o canteiro de obras em vez de construí-la lá, por exemplo. Ao fazer isso, criamos processos em paralelo e conseguimos fazer várias etapas ao mesmo tempo, o que dá dinamismo de cronograma e velocidade ao processo construtivo. Nos nossos empreendimentos, temos a meta de diminuir o tempo de construção em 50%. Para os projetos que estão em desenvolvimento, o cronograma prevê 25% a menos de tempo, o que já é um grande ganho.
Quais são as vantagens ambientais, tanto da madeira engenheirada quanto da industrialização do canteiro?
A madeira engenheirada é feita com pinus de reflorestamento, ou seja, é uma madeira plantada. Quando falamos de madeira de reflorestamento, falamos de madeira com certificação de origem, vinda de uma indústria circular positiva, em que você planta, colhe, planta, colhe.
Isso é um benefício para a indústria de construção civil porque, hoje, os materiais de construção são um dos grandes poluidores do mercado. Sozinhos, aço e concreto representam 11% das emissões de gás carbônico no mundo. O setor de construção como um todo, entre construção e operação dos prédios, representa 39% das emissões globais.
Então, estamos trazendo a opção de um material que é resistente, muito eficiente do ponto de vista estrutural, além de flexível, porque pode ser moldado para várias situações.
Você já afirmou anteriormente que quer construir prédios carbono negativo. O que isso significa?
Quando falamos que podemos ter um empreendimento carbono negativo estamos olhando para um produto que tem um estoque de carbono em toda a sua cadeia. Essa substituição de um produto que é emissor de carbono, como aço e concreto, por um produto estocador de carbono, que é a madeira, traz uma vantagem positiva em termos de emissões.
No Brasil, a madeira engenheirada é utilizada principalmente no mercado residencial de alto padrão. Essa tecnologia terá entrada em construções mais populares e públicas?
A nossa estratégia é colocar o produto em empreendimentos corporativos e residenciais de alto padrão por alguns aspectos. Um deles é a receptividade do mercado. A gente já vê empresas e o consumidor de mais alta renda buscando alternativas mais sustentáveis, com essa consciência mais latente nas suas decisões de consumo.
Isso já está acontecendo com outros produtos disponíveis no mercado de consumo e estamos trazendo essa perspectiva para o mercado imobiliário. E tem, naturalmente, a estratégia de implementação de um novo produto, de criar algo que é objeto de desejo para depois democratizá-lo. Primeiro você trabalha o produto no varejo para depois ir para o atacado e ganhar escala, o que vai ajudar a reduzir custos.
A tecnologia existe há 20 anos e a Noah está há dois no mercado. Em que momento essa tecnologia pode ganhar tração por aqui?
Eu estive recentemente na International Mass Timber Conference, em Portland (EUA), e percebi que estamos no caminho certo. Estados Unidos, Europa e Canadá estão na nossa frente porque, nesses lugares, o mercado é mais desenvolvido e já existem mais obras feitas. Mas deu pra perceber que, em termos de desenvolvimento de produto, não estamos atrás. Muito pelo contrário, estamos juntos.
O que vamos ter nos próximos anos por aqui é um ganho de expertise nas execuções. O amadurecimento do mercado e do consumidor vai acontecer conforme os empreendimentos forem entregues. E aí vamos ter que ter maturidade para lidar com esse ritmo de crescer junto com o desenvolvimento dos projetos.
E por que o mercado brasileiro está atrasado?
Tem uma questão cultural em termos de usos de materiais da construção civil e uma adoção tardia de inovação. Nestes dois anos de operação da Noah, estivemos trabalhando em aculturamento de mercado para que esse produto seja aceito. Hoje, ele é muito mais aceito do que era quando começamos. As empresas querem ir para estes espaços porque vão ajudá-las na institucionalização de ser uma empresa inovadora e sustentável.
A agenda ESG está contribuindo para que as empresas queiram isso?
Muito. A agenda ESG ajudou muito na introdução e aceitação do produto.
Os objetivos ESG vão além da cadeia produtiva de cada empresa e também passam pelo espaço de trabalho que ela ocupa. E não só pela questão climática, mas também pela questão social, de atribuir um espaço mais agradável e mais saudável para as pessoas trabalharem.
Em 2021, a Noah recebeu um investimento de 15 milhões de reais da Dexco [antiga Duratex, dona das marcas Deca, Hydra, Durafloor, entre outras] mesmo antes de erguer o primeiro edifício. Por que grandes empresas estão olhando para essa tecnologia?
Primeiro, estamos falando de empresas que trabalham com matéria-prima florestal, e a madeira engenheirada agrega muito valor à floresta. Segundo ponto: estamos falando de construção civil, um setor extremamente forte, produtivo e com uma demanda reprimida até constante. A junção dessas duas coisas, naturalmente cria um ambiente fértil para se investir. O que faltavam eram empresas responsáveis para atuar e impulsionar esse mercado, que é onde a Noah atua.
Como vocês usaram esse recurso?
É um recurso que nos ajudou a desenvolver vários aspectos ligados ao desenvolvimento de produto e técnicas construtivas, desenvolvimento da nossa cadeia construtiva e preparação da Noah para o próximo estágio, quando vislumbramos implementar um processo de verticalização para a preparação das peças que vão para o canteiro de obras.
Nós vamos comprar essas peças de fornecedores, mas também vamos prepará-las. Ainda estamos decidindo qual será o nível de profundidade dessa verticalização. Aquilo que tiver disponível no mercado muito provavelmente a gente vai tomar a decisão de não verticalizar.
Como está a cadeia construtiva da madeira engenheirada no Brasil? Se você fosse construir hoje, teria que importar muita coisa?
Está se formando. Tem um número pequeno de players para uma indústria grande como o Brasil. Temos cerca de cinco produtores nacionais de CLT. Isso significa que o mercado tem muito a se desenvolver. Lá fora, nos Estados Unidos e Canadá, tem 30 produtores no mínimo.
Como você descobriu a madeira engenheirada e por que resolveu investir neste mercado?
Eu atuo no mercado imobiliário como incorporador há 11 anos. Antes disso, trabalhei em banco de investimento com abertura de capital de algumas empresas do setor imobiliário. Quando fui para o mercado imobiliário, vi que era uma indústria muito forte e rica em termos de investimento. Mas com processos obsoletos. Como sempre fui um entusiasta da tecnologia, comecei o processo de idealização da Noah pensando em como industrializar o processo.
Nesse momento, eu conheci a madeira engenheirada e foi um estalo. Porque é um produto que tem sustentabilidade, flexibilidade para as obras, é estruturalmente eficiente e tem um apelo arquitetônico fantástico. Se você analisar as grandes tendências de arquitetura hoje no mundo, elas vão passar por madeira, por elementos naturais dentro dos espaços de trabalho e moradia e por prover essa conexão do ser humano com a natureza dentro da cidade. E a madeira engenheirada proporciona ambientes que são bonitos, mais saudáveis e com um bem estar maior.
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