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O Grupo Hortifruti Natural da Terra transformou um prédio subutilizado em um “laboratório-ocupação”

Marina Audi - 12 set 2019 Marina Audi - 12 set 2019
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Avenida das Corujas, 456, Zona Oeste de São Paulo. Desde 2013, o endereço abriga uma loja do Grupo Hortifruti Natural da Terra, maior rede varejista de hortifrutigranjeiros do Brasil e maior vendedor de orgânicos do país. Até julho, porém, o prédio de três pavimentos era subutilizado, com estacionamento no térreo, o mercado no andar intermediário — e o piso superior fechado.

O espaço ocioso não era a única questão. Felipe Feldens, 43, diretor de Estratégia e Inovação do grupo, explica:

“Era um prédio que não se conectava com o entorno. Uma caixa de concreto hermética, encravada numa região cheia de verde, de aclives e de natureza”

O “elefante branco” passou por uma transformação. Em agosto, foi inaugurada ali a Vila da Terra, um laboratório de inovação do grupo com coworking, horta e escola de plantio orgânico, feirinha de pequenos produtores, ponto limpo educador com separação de oito tipos de resíduos, atividades infantis, ioga, lazer, cinema ao ar livre e gastronomia (há negociações para instalar ali um restaurante plant-based).

Cada iniciativa ou “ocupação”, como prefere Felipe, é tocada por um parceiro diferente, numa composição com curadoria do Allma Hub Criativo. “O método é unir quem pode fazer a inovação livre – o pessoal do Allma Hub, free thinkers e espíritos livres que conseguem pensar sem barreiras – à inovação corporativa, que tem uma série de limites.”

ENQUANTO INOVA, O GRUPO TENTA MANTER O “ESPÍRITO DE FEIRANTE”

O propósito da Vila da Terra é promover saúde e sustentabilidade e ao mesmo tempo desenvolver um modelo para o varejo de alimentos frescos que vá além do formato de locação de espaço ocioso e possa ser multiplicado para a rede.

Com mais de 6 mil colaboradores e 2 milhões de clientes ao mês, o Grupo Hortifruti Natural da Terra soma 58 lojas nos quatro estados do Sudeste. A bandeira Hortifruti (cuja primeira unidade foi aberta em Colatina, no interior capixaba, em 1989) está presente no Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Fundada em 2001, a Natural da Terra é a marca paulista.

A união das empresas foi sacramentada em 2015. Um traço em comum é que ambas foram criadas por ex-feirantes. Segundo Felipe:

“Essa é uma diferença para outros varejos de alimento fresco. O ‘espírito de feirante’, de fazer as coisas de jeito simples, com orgulho de ser ‘da terra’, sempre existiu dentro da companhia”

No fim de 2017, o grupo foi vendido para o Partners Group, fundo de private equity suíço. E um dos primeiros reports que os novos donos receberam foi sobre a existência dessa “herança maldita” fincada na região nobre de São Paulo. Um imóvel grande, custoso e meio que rejeitado pela comunidade.

PARA PENSAR O PRÉDIO, ERA PRECISO ENGAJAR A COMUNIDADE (E AS CRIANÇAS)

O setor varejista de alimentos vinha sendo chacoalhado por tecnologias de desintermediação da cadeia (a exemplo do que a Amazon Fresh-Grocery fez nos Estados Unidos). Abraçar a inovação era urgente.

Um flagrante da fase de cocriação da Vila da Terra, antes do começo da obra.

No segundo semestre de 2018, entrou em cena Ana Paula Dugaich, 45, fundadora do Allma Hub Criativo. A tarefa era ajudar o Hortifruti Natural da Terra na travessia de marca, com o resgate do “espírito da feira” — e, de quebra, dando uma solução para aquele “elefante branco”. Ela afirma:

“No Allma, acreditamos que os atores de mudança devem ser corpos afetados. A noção do que o prédio e o negócio instalado ali poderiam ‘dizer’ a quem está no entorno precisava ser composta por pessoas da região”

O arquiteto e vizinho Marko Brajovic e a paisagista Daniela Ruiz foram convidados para fazer um projeto de um lugar mais poroso, que dialogasse melhor com o bairro.

“O projeto ficou lindo, mas pensamos em pedir licença à comunidade”, conta Ana Paula. “Então, o Marko chamou as crianças do bairro e pediu que elas se pensassem ali dentro. Perguntou o que o espaço seria para elas, daqui a dez anos? E as crianças fizeram a primeira elaboração do que poderia ser este lugar, sob o ponto de vista delas.”

O PEDIDO: “MAIS VERDADE, MENOS ROOFTOP E VARANDA GOURMET”

Já em janeiro de 2019, uma segunda imersão reuniu vizinhos, a diretoria do Grupo HortiFruti Natural da Terra e profissionais para uma prototipação ao longo de dois dias, agora com o projeto arquitetônico na mesa.

Segundo Ana Paula, além de aproveitar o encontro para queixas (a respeito, por exemplo, do uso de embalagens plásticas no mercado), a comunidade queria, conhecer as intenções da empresa para saber se podia “abraçar” a proposta.

“O insight bonito dali foi que as pessoas pediam menos investimento e mais verdade nas ações. Diziam: ‘não venham com clichês tipo varanda gourmet ou rooftop!’”

A diretoria topou tocar o projeto em cocriação com a vizinhança. E a Vila da Terra foi aos poucos tomando corpo, com uma pegada despretensiosa. Não houve quebra-quebra extenso; a reforma em si se resumiu principalmente a envidraçar a cobertura (por segurança) e a instalar o ar condicionado.

“A ideia era ter ‘cara de ocupação’. Não refizemos o piso, por exemplo. Você vai ao banheiro, vê que é limpo, mas é simples. E isso está no core do negócio, conecta muito com nosso público. Quando vêm pessoas de outros lugares, elas olham e perguntam: mas esse chão é assim mesmo?”, diz Felipe, rindo.

A HORTA-ESCOLA, NA COBERTURA,TEM OFICINAS PAGAS NO FIM DE SEMANA

O investimento foi de R$ 3 milhões para cobrir a operação nos primeiros seis meses, mantendo-se todos os parceiros engajados no projeto.

Algumas iniciativas estão sob a responsabilidade e gestão exclusiva do Grupo Hortifruti Natural da Terra. É o caso do novo espaço kids (com brinquedos de madeira sustentável do Erê Lab), o Ponto Limpo e a cafeteria da cobertura – onde são vendidas receitas de suco prensado a frio desenvolvidas pelo Monge Dada Shivananda, com parte da receita revertida para a ONG Amurt-Amurtel.

A horta-escola ensina sobre plantio e compostagem, e tem oficina paga nos fins de semana sobre sustentabilidade e o ciclo dos alimentos (foto: Victor Affaro).

A Escola da Terra e a lojinha de utensílios anexa também são um investimento do grupo. Sob a batuta de Roberta Mourão e Carol Hanashiro, a horta-escola, na cobertura, ensina sobre plantio e compostagem. Nos fins de semana, uma oficina (R$ 45, com lanche) aborda o ciclo dos alimentos e os impactos de práticas sustentáveis para a cidade e o planeta.

Há uma feirinha de negócios locais. Nas bancas, veem-se os brinquedos da Coisas de Manu, os cosméticos orgânicos da Bee Balm e os produtos de limpeza naturais YVY, por exemplo. Não há cobrança de aluguel pelo espaço, mas o grupo fica com 18% das vendas; para os microempreendedores, uma das vantagens é se beneficiar do fluxo de fregueses do Natural da Terra.

COZINHA SOB DEMANDA: O CLIENTE ESCOLHE (E COMPRA) OS INGREDIENTES

A Vila da Terra acolhe ainda aulas de yoga com Claudia Taddei e a consultora de Ayurveda Fernanda Vasconcelos (R$ 60) e eventos idealizados pelo Allma, que também são pagos. Há desde uma oficina em que as crianças capturam abelhas sem ferrão até expedições de duas horas para conhecer nascentes dos riachos da região.

Na segunda quinzena de agosto, por exemplo, rolou uma palestra da líder indígena Watatakalu Yawalapiti e da chef Bel Coelho, que criou um cardápio para harmonizar com o bate-papo. Outra atração é o cinema ao ar livre, que estreou no último dia do mês com o filme Comer o quê, de Leonardo Brant.

O plano é ir testando a programação das atividades. Ana Paula explica:

“A Vila da Terra é totalmente ‘beta’. Tudo que acontece aqui é no conceito: vem, ocupa, experimenta, fala como foi. Assim, vamos percebendo se esta é a vocação, como as pessoas reagem e ‘dão conta’ de um espaço como este”

Em breve, o local vai abrigar o Lab do Fechado, nova sede fixa do projeto Fechado para Jantar, do chef Raphael Despirite (no começo de setembro, a cozinha estava em obras). A proposta é funcionar sob demanda, com ingredientes comprados pelo próprio cliente, que poderá descer no mercado, escolher o que quer e pedir para o chef preparar na hora.

DESDE A INAUGURAÇÃO, O FLUXO DE CLIENTES NA LOJA SUBIU 20%

Por enquanto, a Vila da Terra está em fase de MVP. Seus objetivos incluem não apenas estabelecer relação bacana com os consumidores, mas pensar como o próprio Grupo Hortifruti Natural da Terra pode ser mais sustentável.

Um mapeamento de substratos e SKUs (Stock Keeping Unit, ou Unidade de Manutenção de Estoque) já foi feito com ajuda da Parangolé para identificar produtos e materiais passíveis de troca. Está em andamento uma solução para aquela queixa da comunidade: dar um fim às embalagens plásticas. Uma alternativa, de mandioca, está em teste no momento.

Felipe e seu enxuto time (por ora, dois analistas) lidam com o “conflito positivo” de levar a inovação para dentro da companhia. “Temos reuniões todas as quintas e o que conseguimos colocar em prática de uma semana para outra, em relação ao que as demais áreas da companhia conseguem fazer no mesmo período, é absurdo”, comemora.

O Grupo Hortifruti Natural da Terra já pode festejar pelo menos um benefício: o aumento da clientela. Desde a inauguração da Vila da Terra, o fluxo de clientes que circulam pela loja no mesmo endereço cresceu 20%.

A ideia agora é entender o que pode ser replicado em outras unidades, o que é indissociável da estrutura física e da demanda local, e como fazer desse laboratório-ocupação na Zona Oeste paulistana uma base para alavancar boas práticas no varejo de alimentos frescos.

 

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