O Lilo.zone é um maker space focado em arte tecnológica e, também, um manifesto da economia compartilhada

Marina Audi - 6 set 2017Lina Lopes conta como é estar à frente de um espaço criativo e de experimentação tecnológica, não necessariamente lucrativo, e que se sustenta pela colaboração e venda (esporádica) de projetos.
Lina Lopes conta como é estar à frente de um espaço criativo e de experimentação tecnológica, não necessariamente lucrativo, e que se sustenta pela colaboração e venda (esporádica) de projetos.
Marina Audi - 6 set 2017
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O Lilo.zone é um estabelecimento, de certa forma, bem típico do bairro da Vila Madalena, em São Paulo. Perto dele encontra-se um pouco de tudo: boemia, lojas, restaurantes, galerias de arte, residências, agências de publicidade e consultórios médicos. Por estar perto disso tudo, muita gente pensa que ali funciona uma loja de objetos de design. Mas não é bem isso…. Lina Lopes, 32, idealizadora e diretora criativa do empreendimento, é uma artista apaixonada por tecnologia.

Um tanto desconfortável por ter que reduzir em palavras um conceito que é tão amplo (veremos a seguir), ela colocou uma placa na porta de entrada uma lousa para explicitar que o Lilo.zone não é uma loja de objetos de design. Também não é uma escola criativa, nem um coworking, nem uma agência.No Facebook o Lilo.zone está descrito como “um ateliê compartilhado para uso criativo de tecnologia”. Na tentativa de explicar o que se faz naquele espaço, ela colocou na lousa palavras-chave como makerspace e inovação. Mesmo assim, não está tão satisfeita:

“Tenho a sensação de que todo mundo fala de inovação como se existisse um combinado de que todo mundo sabe exatamente o que isso significa. Mas, para mim, não é muito claro”

Os caminhos da inovação não são iguais, nem previsíveis. Vale, portanto, revisitar a história dela e do local, e eu prometo que tudo vai fazer sentido. O Lilo.zone surgiu em 2015, como um instinto de sobrevivência aflorado em Lina quando ela terminava um casamento e precisava reestruturar sua vida e sua rotina. Ela intuiu que no pós-revolução digital chegara o momento das pessoas se reencontrarem e voltarem ao “mundo real” para fazerem as coisas.

Daí, uma conjunção de acasos a levou a “herdar” de uma amiga um contrato de aluguel bastante vantajoso, em um local muito valorizado da cidade. Com isso, Lina e o amigo Luis Leão transformaram a antiga galeria de reúso de cenografia para eventos em um (aí está a definição que foi para o Facebook) ateliê compartilhado, para uso criativo de tecnologia. Nesta fase, o investimento realizado foi de 50 mil reais. Ali são gestadas instalações, consultorias em tecnologia criativa, palestras, projetos interativos, protótipos cortados a laser e experimentações. Tudo em modelo colaborativo e sem cobrança de taxas dos artistas envolvidos.

ECONOMIA CRIATIVA E COMPARTILHADA NA PRÁTICA — E SEUS DESAFIOS

Pouco tempo depois de abrir, Leão voltou ao mercado corporativo (ele continua parceiro esporádico na área de IoT). Agora, é Lina quem toca tudo sozinha. Mas bastam 10 minutos de conversa e um pouco de observação para entender que isso é só pro forma. As pessoas que entram no Lilo.zone e têm ressonância com a proposta passam a ter mais responsabilidade sobre o espaço e ganham a chave. “Quando você gerencia um local é só dor de cabeça porque terão vazamentos, falha na instalação elétrica… Se eu locasse baias de trabalho, as pessoas esperariam que eu limpasse e resolvesse tudo e não criariam autonomia. Eu ficaria presa à administração ordinária. Aqui é responsabilidade compartilhada e autogerenciamento”, diz.

Até o momento, funciona tudo muito bem entre os 12 artistas “fixos” do espaço. Um exemplo real de como é essa dinâmica: durante o tempo em que estive no Lilo.zone para entrevistar a Lina, o almoço foi feito por eles, a mesa foi montada e, em seguida, limpa, desmontada e guardada.

A história dessa amazonense inquieta explica essa postura altiva. Quando tinha 4 anos, Lina mudou-se com os pais, ambos comerciantes, para o interior do Maranhão. Aos 10 anos, os acompanhou até Goiânia, onde fez escola técnica em eletrônica, iniciou e não terminou a faculdade de Engenharia. Apaixonada por dança e teatro, trabalhou na área e tentou cursar Artes Cênicas na UnB, mas não se adaptou a Brasília. Quando chegou em São Paulo, em 2005, Lina fez faculdade de Cinema e embrenhou-se no mercado audiovisual. Foi produtora e assistente de direção, mas isso era insuficiente para abarcar tudo pelo que Lina se interessava. Passados alguns anos, visitou o FILE – Festival Internacional de Linguagem Eletrônica e se descobriu: “Eu queria chegar ao limite da linguagem audiovisual e a arte-tecnologia me proporciona o experimental, um deslumbramento semelhante ao que eu vivia no teatro”.

Desde então, Lina morou um ano em Barcelona. Depois, ocupou o cargo de diretora técnica da fachada da Fiesp (que, por ser diagonal, é um dos marcos arquitetônicos da Avenida Paulista) e terminou um mestrado em Design. Atreveu-se em biohacking (prática ciborgue de hackear o próprio organismo com o objetivo de melhorar a performance) e implantou chips em si mesma, desenvolveu tintas condutivas para tatuagens temporárias e está em pleno processo de produção de couro vegano com grafeno e bactérias geneticamente modificadas (veja fotos aqui). Ela fala dessa trajetória:

“Sou uma mulher que veio das artes, trabalha com tecnologia e abriu um ateliê. Meu pai ficou muito frustrado porque não terminei Engenharia. É engraçado… já dei palestra no Google Campus exatamente por essas razões!”

Como bem pontuou Washie Pichinin, designer de interação que ouviu parte da conversa de Lina com o Draft, ela acaba por fazer mentoria aos amigos e artistas residentes do espaço. O Lilo.zone possibilita conexões e agrega pessoas que têm condição e conhecimentos para colaborarem entre si. Lina acredita que a tecnologia não é definida por objetos e técnicas. Para ela, tecnologia é conhecimento aplicado — e o conhecimento está com as pessoas. “O que tem de mais valioso aqui é a rede e a comunidade que criamos em torno do ateliê”, diz.

COMO GANHAR DINHEIRO EM UM MERCADO INVISÍVEL

Até o momento, o Lilo.zone já esteve à frente (ou no bastidor criativo e tecnológico) de mais de quarenta projetos. Nem todos têm a participação direta de Lina, como por exemplo o Lilo Kids (coletivo voltado para educação maker), mas a artista afirma que sua rede pessoal de contatos é responsável por grande parte do trabalho que sai dali.

A Instalação Ilumini, em que lâmpadas interagem comandadas por um software, foi criada para um evento do Google por quatro artistas do Lilo.zone.

A Instalação Ilumini, em que lâmpadas interagem comandadas por um software, foi criada por quatro artistas do Lilo.zone para um evento do Google.

Em termos de vendas, no sentido tradicional, o grupo de artistas do Lilo.zone está inserido em um mercado de certa forma invisível, ela diz. Não se compra arte-tecnologia como se compra arte contemporânea. Até pouco tempo atrás existiam os fomentos de editais que, infelizmente, desapareceram.

Então, Lina passou a ter duas linhas de trabalho: as experimentações individuais livres, com tecnologia disruptiva, em que pouca gente consegue enxergar aplicações imediatas (caso do couro vegano e da tinta condutiva); e a cocriação de obras que usam tecnologias pouco conhecidas do público em geral, mas que já não são desafios técnicos para ela (como a instalação Ilumini, que custou 50 mil reais no total, em desenvolvimento, material e montagem).

O Lilo.zone tem contabilizado pelo menos um projeto vendido por mês. Em arte, isso é bastante. E há meses que fizeram quatro ao mesmo tempo. As duas linhas rodam paralelas “até que o mercado esteja maduro o suficiente para entender”, ver valor e pagar para a tecnologia pesquisada ser usada em uma obra ou projeto encomendado. Os projetos geradores de fluxo de caixa são, invariavelmente, produzidos com tecnologia testada anteriormente.

O gap entre os cruzamentos das linhas pode ser de anos. A mais recente obra vendida pelo Lilo.zone a um cliente corporativo ilustra bem isso. Trata-se de um video mapping (efeitos visuais utilizados na abertura das Olimpíadas no Rio que já existe há pelo menos sete anos) sobre uma curva em forma de S, com mais de 8 metros de comprimento. O valor arrecadado com a venda servirá para bancar os custos fixos do Lilo.zone e financiar o mais recente projeto de Lina: a “ginecologia open source”, uma proposta de possibilitar que cada mulher realize o próprio exame de Papanicolau, criando um novo espaço de autonomia feminina. Quem disse que há limites para a arte?

As experiências do Lilo.zone mostram que inovação com processo experimental não tem nada a ver com dinheiro. Um investidor sempre precisará calcular o tempo de pesquisa para conseguir colocar “um produto” em escala no mercado, digamos, em dois anos. “Só que não dá para prever ou garantir que ele terá retorno com data marcada. Para mim, dá mais trabalho convencer o investidor de que vale a pena experimentar do que bater à porta de um laboratório e me colocar como pesquisadora independente e pedir para testar coisas”, diz Lina. E assim, vivendo na prática um manifesto a favor do estilo de trabalho que acredita, ela e o seu Lilo.zone seguem fabricando pequenas, grandes, obras de arte. Ainda bem.

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Lilo.zone
  • O que faz: Ateliê compartilhado para uso de tecnologia com criatividade
  • Sócio(s): Lina Lopes
  • Funcionários: 1 (a fundadora), além de 14 artistas usuários do local
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: 2015
  • Investimento inicial: R$ 50.000
  • Faturamento: NI
  • Contato: [email protected] e (11) 94899-7972
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