Em 2016, quando a Associação Brasileira dos Mentores de Negócios (ABMEN) foi fundada, havia cerca de 8 mil profissionais que se apresentavam como mentores na plataforma.
Três anos depois, em junho de 2019, a entidade fez um levantamento pelo termo “mentor” no LinkedIn. E descobriu que esse universo já havia mais do que quadruplicado: foram 35 mil perfis identificados em todo o país.
O número mostra a evolução desse mercado no Brasil. É nesse contexto que João Marcelo Furlan e Renato Fontana fundaram, em novembro de 2020, a Rocket Mentoring School, escola com programas online de formação de mentores profissionais, que atua como comunidade e hub de serviços tecnológicos e matchmaking com clientes.
“Um dado da Association for Talent Development mostra o impacto de mentoring: 71% das empresas da lista Fortune 500 já têm programas de mentoria”, afirma João, 39. “E uma pesquisa da Harvard Business Review aponta que 84% das pessoas dizem ter tomado decisões melhores a partir de mentoria.”
Com mestrado em Vendas e Marketing, além de 15 especializações no currículo — de liderança, design thinking, Scrum, coaching, futurismo… –, João é também o autor de FLAPS! Liderança AdaptÁgil — 6 passos para acelerar resultados e decolar sua carreira, lançado em 2015 (um novo livro, com o título provisório de Rocket Mentoring, deve sair ainda neste ano).
Ele atua no mercado de RH e treinamentos desde 2007, quando fundou (também com Renato) a Enora Leaders, que nasceu organizando eventos e workshops sobre finanças, gestão, negociação e vendas, pivotou e hoje se define como uma escola de desenvolvimento de habilidades de liderança.
João e Renato agora dividem seu tempo entre os dois negócios. Em nove meses, a Rocket já formou mais de 500 mentores — sete deles passaram por um ciclo mais longo e hoje atuam como associados da empresa.
A escola já opera também em espanhol e inglês, com clientes nos Estados Unidos e Europa. O objetivo é impactar, no futuro próximo, 3 mil alunos em grade aberta e outros 2 mil através de programas de mentoria interna para a aceleração empresarial.
A seguir, João fala ao Draft sobre sua trajetória, metodologia e como atua a Rocket Mentoring School.
Como você se tornou mentor? E como decidiu empreender um negócio para formar outros mentores?
Comecei a ser mentor na Ace em 2019, mas conheci a mentoria sendo mentee [mentorado] do diretor de vendas da Whirlpool, na época de trainee [em 2003]. Quando eu fui para as Filipinas [em 2005] com a AIESEC, o meu chefe de lá, o Mike, tinha sido VP de Vendas da IBM, e foi a pessoa que apostou em mim, me desenvolveu e me ajudou muito. Ele é meu mentor até hoje, temos um relacionamento muito estreito.
Em 2017, o próprio Pedro Waengertner, da Ace, fez uma mentoria expressa comigo, em que contei tudo o que estava fazendo. Ele me disse, usando uma expressão em inglês, que eu estava “spreading myself too thin”. Quer dizer, eu era uma “massa” que estava se abrindo muito sobre a mesa — e ficando muito fina em cada iniciativa que fazia. Então, eu precisava focar.
O Pedro me sugeriu que eu focasse no livro FLAPS!, em liderança. Foi o que eu fiz. Saí de lá e fui buscar um mentor pra me ajudar nessa transformação. Achei o Eduardo Casarini, que tinha acabado de voltar do MIT e tinha vendido o Flores Online.
Eu queria transformar digitalmente a Enora, ganhar escala, sair do negócio de consultoria para virar uma escola digital. Comecei com ele sozinho, durante três meses. Daí, chamei meu sócio Renato e começamos a fazer mentoria em dupla. Ficamos um ano e meio. Quando terminou, sabíamos que deveríamos fazer uma escola de liderança.
Em 2019, prototipamos a escola, fazendo cursos abertos de liderança, para os change makers. Veio o primeiro curso totalmente gravado – assíncrono. Em 2020, veio a evolução… De tanta atenção e estudo para fazer essa escola de liderança, comecei a me apaixonar pelo tema de mentoria!
Mas por que decidiram ter duas escolas, uma de liderança (Enora) e outra de mentoria (Rocket)? Não poderia ser um negócio só?
Liderança é para um grupo de pessoas que realmente almejam ter cargo e fazer um tipo de atividade corporativa. E a gente começou a ver que a mentoria é algo muito mais amplo. Independente de a pessoa querer ser líder ou não, ela pode ser mentora dentro da sua área técnica.
Você tem a sua caixa de ferramentas que você desenvolveu ao longo da vida, com suas vivências… São muitas horas de voo que você pode transmitir.
Esse ambiente de mentoring não precisa estar ligado à liderança. Temos advogados, arquitetos e médicos lá, além de líderes executivos. Um público-alvo forte nosso são ex-presidentes de empresas e conselheiros, que hoje são investidores e mentores
Já a escola de liderança é para formar, principalmente, quem ainda não tem ferramentas de liderança, para aprender esse rol todo de inteligência emocional, empatia, como motivar, feedback, as ferramentas do método FLAPS!.
O método da Rocket também foi desenvolvido por você, certo?
O que aconteceu foi que eu comecei a fazer a investigação para o segundo livro que é a continuação do FLAPS!. Comecei a pesquisar OKR [do inglês Objectives and Key Results, os objetivos principais de uma empresa], que eu traduzi para metas, depois sobre como alocar quem vai cumprir a meta.
Percebi que a questão de mentoria estava muito forte fora do Brasil e que se usava muito uma técnica chamada one-on-one, de check-in um a um.
Em 2020, eu já tinha criado três métodos: um para os líderes fazerem coaching com a equipe, que eu chamei de V.O.A.R. [acrônimo para Visão, Obstáculos, Alternativas e Realidade]; um de feedback chamado R.O.B.I.N. [do inglês “Rapport”, “Occasion”, “Behavior”, “Impact” e “Next Steps” — ou seja, Conexão, Ocasião, Comportamento, Impacto e Próximos Passos], que eu criei quando fui dar aula para o presidente da Hyundai e outros 40 coreanos; e um método de mentoria chamado ORIENTE porque não tinha encontrado nada no mercado, mesmo sendo tendência.
Comecei a colocar esses três métodos nos programas que a gente rodava com um banco brasileiro e com uma farmacêutica alemã, além do Nós por Elas, uma mentoria colaborativa que a gente apoia.
A diretora de RH dessa farmacêutica, Mariana Fonseca, veio me dizer que as pessoas estavam adorando o método, mas que estava muito confuso, que no corporativo as coisas têm de ser dinâmicas, “pá-pum”. Não tem esse negócio de ficar pensando no que usar, Aí, fiz uma reflexão sobre como ajudar os alunos e [assim] surgiu a Rocket
Nos passos da mentoria, o que é preciso fazer? Tem contexto, que é essa parte de realidade, de conectar, gerar rapport, confiança etc. Depois, desenhar os objetivos e checar como a pessoa está frente a esses objetivos e aplicar o seu know-how e conhecimentos, fazer os exercícios – que é a parte da aprendizagem prática – de simulação com o mentee. Você não precisa só ficar falando.
Mentores sem técnica acham que só é preciso falar — “turbinar”, aumentar a energia. Modelamos essa forma de interação, chegando ao ponto de ter as perguntas que o mentor deve fazer a cada sessão, a cada momento. Quantos minutos vai investir em cada momento etc. Isso é ter método. Comecei a investir tempo em desenvolver um bê-a-bá para que qualquer um possa ser mentor, acelerar e ser mais eficiente.
Os cursos da Rocket parecem seguir o modelo em voga no mercado que usa técnicas de Inbound MKT para se vender, gerando um “buzz” por meio da oferta de conteúdo gratuito. Como esses cursos se dividem?
O Fly é o nosso programa gratuito, que qualquer um pode fazer. Fazemos uma introdução ao método e explicamos o que é. O Fundamentals, com aulas pré-gravadas [custa 490 reais, por 4 horas de aulas], já é o programa inteiro, assíncrono, que as pessoas podem fazer a qualquer momento, on demand.
Depois tem o Practitioner [3 900 reais por 8 horas de aula gravadas e 12 horas ao vivo, online], que capacita e referencia as pessoas para elas praticarem o método dentro de uma empresa, por exemplo.
O PRO é a certificação profissional: é aquele que chancela a pessoa não só para dar mentoria, mas também já treina a pessoa para ser associada da gente — porque [depois] contratamos essas pessoas para dar mentorias pela Rocket. Tem um processo de seleção para fazer o PRO e virar um associado. Não é todo mundo que tem as habilidades e a experiência de pelo menos 10 anos na sua área de atuação.
Temos os primeiros sete [mentores associados da Rocket]. Como Tatiana Godoi, que é VP de RH da Kerry Latam: além de ter responsabilidade sobre 3 mil colaboradores, hoje ela é uma mentora profissional associada à Rocket. Lembrando que estamos [apenas] no nono mês de operação!
O PRO tem preço cheio de 9 840 reais. Temos cerca de 60 pessoas formadas por esse programa. Nem todos são professores [da Rocket], porque precisam passar de 3 a 4 meses em atividade e ainda passar por um treinamento comigo e Renato para ser um facilitador das técnicas. Esse processo é um pouco longo.
Quando a pessoa busca um curso para se tornar mentor, ela também está procurando autoconhecimento?
Muita gente chega sem ter isso em mente, porque está querendo se instrumentalizar para transferir o que ela sabe para outras pessoas. Só que o ponto é: o que você sabe?
Às vezes, as pessoas sabem mais de uma coisa e passam por um processo absurdo de autoconhecimento e vão montar o que chamamos de base de conhecimento, o knowledge base; na Rocket, temos muitos termos em inglês porque já começamos dando aulas fora do país.
Qual é o passo a passo, como você vai ensinar o que sabe? A gente ensina os mentores a organizarem o que farão em cada sessão. Alunos dizem pra mim que depois que começaram o curso, nunca mais pararam… É que a gente põe e tira artefatos de aprendizagens para ensinar.
Por exemplo, você faz uma sessão com uma pessoa e surge algo legal para você indicar a outra. É como se você tivesse montando uma ementa de curso — mas como é mentoria, você não vai ficar ensinando tudo para todo mundo. Você vai ganhar eficiência, vai ensinar aquilo que é dosado para aquela pessoa
E é assim que realmente a pessoa aprende muito sobre si mesma. É uma reflexão para a vida toda. Muitos estão fazendo a reflexão do que farão na segunda metade da vida, fora do ambiente corporativo.
A Rocket também tem um programa de mentoria interna para a aceleração empresarial. Como funciona?
Esse programa é voltado para organizações que querem estabelecer seus programas de mentoria. A gente apoia as empresas na seleção para o programa e fazemos uma etapa de matchmaking, cruzando mentor com mentorado — temos um software para isso. E fazemos a formação dos mentores e o acompanhamento dos mentores e mentees [mentorados], se estão chegando ao objetivo.
Inicialmente não iríamos atuar em B2B; [essa frente] surgiu por uma demanda forte de nossos clientes da Enora. Aí, começamos a fazer aos poucos. A primeira [cliente] foi uma startup chamada e-Construmarket, depois teve Sodexo, Einstein [a cliente é a instituição de ensino ligada ao hospital], e estamos crescendo. Ajudamos a estruturar, formar e entregar os programas de mentoria e fazer a gestão ao longo do tempo.
Como fazer um curso de mentoria — ou se dedicar a mentorar alguém — ajuda a se relacionar melhor no ambiente corporativo?
Segundo uma pesquisa da Harvard Business Review, 84% das pessoas dizem que tomaram decisões melhores a partir de mentoria. E, segundo o Gartner, projetos de mentoria reduziram o turnover [rotatividade de pessoal], tanto de líderes quanto da equipe, em mais de 20%.
Pelo que vejo, essa é uma super solução. Ela é limitada, sim, porque você não consegue colocar todo mundo para fazer one-on-one uns com os outros — e é muito diferente ter uma experiência 1:1, porque ela cria vínculo. Se as pessoas são treinadas para isso, elas aprendem a escutar o outro — e isso, por si só, já ajuda a aliviar [a tensão].
Muitas vezes, gestores fazem as áreas “brigarem” entre si por conta da meta que ele tem para o seu bônus. Quando se coloca os times para conversar, passa a se ter uma agenda a ser seguida — que não é a do mentor, mas do mentee. Como eu, enquanto mentor, posso te ajudar? Qual é seu objetivo?
Esse é um serviço que você faz à pessoa. Então, nessa humildade, de trabalhar engajado para o desenvolvimento dela, surgem os vínculos de respeito e confiança. E isso tem um impacto absurdo para a organização.
Uma coisa que ensinamos na Rocket é como aumentar a energia das pessoas. A energia não é “zen”, não. A gente fala em CHAMA – [acrônimo para] Conhecimentos, Habilidades, Auto-responsabilidade, Motivação e Autoconfiança. Assim, a pessoa tem engajamento e vontade de fazer com as próprias pernas.
Se você aprende isso, a chance de virar o clima da sessão é grande. Em uma sessão de mentoria, ao contrário de uma sessão de terapia, a gente não fica na causa raiz — a gente foca na solução. Às vezes, a pessoa chega abatida e sai sorrindo, motivada
Essa é uma grande transformação pela qual as organizações estão passando. Google, Facebook, Microsoft etc. já faziam isso; 71% das empresas da lista Fortune 500 já têm programas de mentoria, esse é um dado da Association for Talent Development.
Você tem previsão de prover, via Rocket, mentorias 1:1? De ter um portfólio de mentores e atuar como um marketplace?
A nossa ambição é prover para as empresas, justamente, prover essas relações de transferência de gestão e conhecimento, que as pessoas se aproximem para aprender juntas – como hrtech. Agora, como edtech, temos múltiplas plataformas, que estão sendo gamificadas, a partir de programação.
Queremos prover formação, método, ferramentas de acompanhamento a partir de tecnologia, comunidade de mentores – onde possam trocar, em um ambiente da escola– e por fim, as ferramentas de marketing e conexão que eles precisam para se lançarem como mentores.
Queremos ser o grande centro de negócios dos mentores que estão para uma carreira plano B – na empresa, fora do horário do expediente ou fim de semana — ou plano A. Já estamos modelando esse marketplace; a previsão é lançar até o final do ano. Estamos formando os mentores chancelados pela escola, levando-os ao mercado. Vai ter uma plataforma só para mostrá-los e os estamos direcionando para programas de mentoria in company
E queremos estar próximos a outros hubs de mentores, para levar os nossos e dar oportunidades nesses outros ambientes também. Já começamos a fazer isso com a FRST, da consultoria Falconi. Está sendo muito legal criar essa comunidade e aproximá-la ao ecossistema, em prol dos profissionais de conhecimento que querem viver do desenvolvimento de pessoas.
A perspectiva branca e europeia molda desde cedo nossa visão de mundo. Recém-lançada no Web Summit, a edtech Biografia Preta quer chacoalhar esse paradigma aplicando uma “IA afro referenciada” ao ensino de História (e demais disciplinas).
Uma palavra errada ou um slide malfeito podem custar caro no mundo corporativo. À frente da Pitching, Roberta Simões ajuda empresas e profissionais a lapidar suas apresentações e cativar potenciais clientes e investidores.
A neurociência pode ajudar a destravar o potencial dos alunos. Virgínia Chaves conta como a startup Athention usa aparelhos portáteis de eletroencefalograma (entre outros recursos) para incorporar a tecnologia de dados na educação.