Na infância, a brincadeira predileta dos irmãos Henrique e Natalia Castan, paulistanos criados em Camanducaia (no sul de Minas, às margens da Rodovia Fernão Dias), já indicava o futuro empreendedor dos dois. “Em vez de brincar de carrinho ou de casinha, a gente fingia que tinha comércio”, diz Henrique.
Juntos, os irmãos empreenderam o call center Grupo Unite, em 2012, e o sistema de gestão Blox, em 2014 — ambos são dirigidos a clientes da área de educação e continuam operando.
Em setembro de 2018, Henrique, 38, e Natália, 37, arriscaram empreender no setor de alimentação saudável e fundaram a Nutriens, com o objetivo de vender cestas de produtos orgânicos em São Paulo.
A ideia nasceu há pouco mais de cinco anos, quando a mulher de Henrique, Juliana, engravidou pela primeira vez. Esportista, praticante de surfe, tênis, natação e ciclismo, ele sempre se alimentou bem — mas foi durante a gestação de sua esposa que passou a olhar o segmento com olhos de empreendedor.
“Passamos a comprar orgânicos e notei como o mercado era elitista. O Brasil tem áreas cultiváveis gigantes, mas 54% da população está acima do peso porque os alimentos mais saudáveis não chegam à maioria dos consumidores. A partir dessa constatação, fui tentar entender onde estava o gargalo”
A resposta da Nutriens para esse gargalo passa — também — pela venda direta, modelo que faz sucesso na indústria de cosméticos (a Natura é o grande case nacional, com mais de 1 milhão de consultoras encarregadas de revender seus produtos).
O CALL CENTER FEZ UMA PESQUISA SOBRE HÁBITOS ALIMENTARES
O primeiro formato que Henrique imaginou para a Nutriens era um “mercado vivo”, com hortaliças plantadas em canteiros dentro dos supermercados, para que fossem colhidas na hora da compra.
Ao traçar o plano de negócios, porém, ele entendeu que o modelo não seria viável. “Durante um curso de design thinking, apresentei a ideia e ninguém demonstrou interesse. O formato não resolvia um problema real, só eu achava legal.”
Aproveitando que já tinha uma empresa de call center, ele botou o time para ouvir a opinião dos consumidores. Por telefone, ao longo de quatro meses, a equipe entrevistou 600 paulistanos a respeito de seus hábitos alimentares.
Cerca de 99% dos entrevistados sabiam o que significa uma alimentação saudável, mas a maioria alegava não comprar orgânicos com frequência por três razões: além de mais caros e difíceis de encontrar, não apresentavam grande sortimento de produtos.
“Os orgânicos chegam ao mercado por valores multiplicados por quatro porque há muitos atores pelo caminho, sem falar na pressão dos grandes varejistas, que jogam a remuneração dos agricultores para baixo. A solução para todos esses argumentos foi encurtar o trajeto entre o campo e a mesa do consumidor”
Henrique mapeou cerca de 40 produtores rurais e cooperativas (todos certificados pelo IBD ou pelo Ecocert) na Grande São Paulo e em municípios, como Ibiúna e Cotia, num raio de até 100 km da capital.
A VENDA DIRETA FOI A ALTERNATIVA PARA GERAR RENDA NAS COMUNIDADES
Ele investiu R$ 300 mil, de recursos próprios, em um e-commerce flexível, que permitisse ao cliente comprar da maneira que achasse mais conveniente, escolhendo livremente os produtos e a frequência das entregas.
Definido o formato de vendas, porém, Henrique ainda não estava satisfeito. Sentia que algo ainda faltava para democratizar, de fato, o acesso aos orgânicos. Mais uma vez, a solução foi sair da zona de conforto e ouvir o que a população tinha a dizer.
Durante um ano, o empreendedor organizou eventos em comunidades como Grajaú, Parelheiros, Brasilândia e Campo Limpo, onde falava aos moradores sobre a importância da alimentação saudável.
“Não raro, a resposta das pessoas era ‘vou falar do senhor para o meu patrão’. Ou seja, os moradores de bairros populares achavam que aquilo não era para eles, sobretudo por causa do preço. Aí surgiu a ideia de investir em venda direta, para que a comercialização dos orgânicos também gerasse renda”
O plano de negócios, dessa vez, foi chancelado pela Artemisia, que confirmou o impacto social que a empresa proporcionaria. Durante a aceleração de três meses, ao longo de 2018, Henrique fez os ajustes finais no protótipo do site e conseguiu fechar sua primeira venda.
HOJE, SÃO 220 ASSINANTES E MAIS 300 CESTAS AVULSAS POR MÊS
Pouco mais de um ano após a inauguração, a Nutriens tem hoje 220 assinantes e vende ainda mais 300 cestas avulsas por mês. O empreendedor pontua o que seriam, na sua visão, alguns dos diferenciais para concorrentes como Raizs e Leve Bem Orgânicos.
Não é preciso, por exemplo, fazer assinaturas das cestas às cegas, sem saber que itens serão entregues, como é praxe nesse nicho. Os produtores indicam previamente quais legumes, verduras e frutas estarão disponíveis – caso haja algum imprevisto, o que é corriqueiro na produção orgânica, o usuário indica que produtos aceita como substituição.
Também é possível fazer compras avulsas ou interromper temporariamente as entregas. Cada cesta, que pode ser entregue semanal ou quinzenalmente, custa de R$ 52,81 (oito itens) a R$ 145,74 (22 itens). Os produtos chegam, no máximo, em 48 horas. Em alguns bairros de São Paulo, não há cobrança de frete.
Cerca de 40% do faturamento são provenientes da venda direta, realizada por 230 vendedores. Mas Henrique não gosta do nome – prefere chamá-los de empreendedores.
Eles têm liberdade para oferecer o produto de porta em porta, organizar reuniões ou feiras em condomínios, atender pelo WhatsApp ou vender pela internet, em loja própria hospedada dentro do site da marca.
JÁ TEVE EMPREENDEDOR QUE MONTOU ESTANDE EM EVENTO DE CROSSFIT
A Nutriens fornece camisa, folhetos, talão de pedidos e cartão de visita e não cobra qualquer taxa para começar a trabalhar – cerca de 70% são mulheres. A logística de entrega fica inteiramente a cargo da empresa.
O cliente que adquire a cesta por meio de um empreendedor paga o mesmo preço, mas 30% do valor refere-se à comissão.
“Tenho empreendedores que começaram a vender para complementar a renda e já formaram equipes próprias. Um deles até montou estande em um evento de crossfit para vender assinaturas”
A crise brasileira e algumas mudanças de rota necessárias ao longo desse primeiro ano impuseram alterações no plano de negócios. O break-even, previsto inicialmente para fevereiro de 2019, foi adiado para março de 2020. “Fizemos investimentos adicionais significativos nas plataformas tecnológicas, na logística e no relacionamento com a base de consumidores”, explica.
A despeito disso, Henrique garante que se sente cada vez mais próximo da missão de democratizar o acesso à comida de qualidade.
“A Nutriens remunera justamente os produtores, presta um serviço de qualidade ao consumidor e está mudando a vida dos empreendedores. Já tenho assinantes até em São Mateus, na Zona Leste, o que mostra que estamos no caminho certo.”
Desconstruir mitos e fórmulas prontas, falando a língua de quem vive na periferia: a Escola de desNegócio aposta nessa pegada para alavancar pequenos empreendedores de São Miguel Paulista, na zona leste de São Paulo.
Aromática, sensível e difícil de polinizar, a baunilha é cobiçada por chefs de cozinha, mas o quilo pode custar até 6 mil reais. Com capacitação e repasse de parte do lucro aos produtores, a Bauni quer promover o comércio justo da especiaria.
O chef Edson Leite e a educadora Adélia Rodrigues tocam o Da Quebrada, um restaurante-escola na Vila Madalena que serve receitas veganas com orgânicos de pequenos produtores e capacita mulheres da periferia para trabalhar na gastronomia.