“Limpar sem sujar.” É esta a equação perseguida por Bruno Magalhães, 39, e Sidney Amaral, 42, fundadores do Mundo Irys, startup de produtos de limpeza doméstica, que utiliza um princípio ativo gerado pela indústria da laranja para formular detergentes, desinfetantes, desengordurantes, limpa-vidros e limpa-limo.
Com um modelo de venda direta, o negócio conseguiu trazer ao mercado um kit de limpeza que, segundo os sócios, pode ser, em média, 25% mais barato que os mesmos itens em um supermercado. Adquiridos em conjunto, os produtos naturais solúveis da startup, sediada em Barueri (SP), também evitam o uso de toneladas de embalagens plásticas, em um sistema de refil e logística reversa.
No entanto, a sustentabilidade é um conceito com muitas facetas, e não basta resolver os pilares ambiental e econômico, se o social não acompanhar. Nesse caso, o componente social é a conscientização da própria clientela, como fala Bruno, diretor de planejamento, produção e marketing:
“Estamos vivendo as vantagens e desvantagens de trazer uma solução inovadora para um mercado tradicional e consolidado”
Criada em março de 2015, o Mundo Irys começou a operar no modelo de venda direta, ou seja, com cerca de 500 distribuidores pelo Brasil oferecendo kits de porta em porta (os com seis produtos custam 69 reais e os com nove itens, 119 reais). Na época, conseguia faturar até 200 mil reais, nos melhores meses de 2016. A empresa contava com um galpão de 800 m² no distrito industrial de Alphaville, na Grande São Paulo, onde recebia distribuidores de diversos estados para treinamentos, palestras, premiações e capacitações conduzidas duas vezes por semana, além de atividades online e outras ações de engajamento e motivação de vendas.
ESTAVA TUDO INDO BEM, ATÉ QUE COMEÇOU A DAR RUIM
Para operar uma complexa estrutura de logística, finanças, treinamento, pedidos, clientes, distribuidores e fornecedores, o negócio adquiriu uma plataforma desenvolvida sob medida para o Mundo Irys. Era uma solução completa, conectada, em constante melhoria, mas que se mostraria relativamente dispendiosa para uma startup.
Com a mesma velocidade com que viram seus produtos chegarem a lares de norte a sul do Brasil, os sócios vivenciaram uma retração que viria a ameaçar os planos de expansão e até a estabilidade da sociedade. Mês a mês, enquanto manejavam uma gigantesca equipe de distribuidores e um pesado aparato tecnológico, viram o faturamento mensal cair, até chegar a cerca de 30 mil reais mensais, em meados de 2017.
“O que estaria dando errado?”, questionavam-se os fundadores. Afinal, seus produtos atendiam a demandas crescentes da sociedade por redução da pegada ecológica de materiais sintéticos, eram mais em conta do que os dos concorrentes e com entrega em domicílio. Ao mesmo tempo, reduziam consideravelmente o volume de resíduos plásticos, rebatendo outra das preocupações que incomodam as mentes mais conscientes. Os kits vendidos também eram flexíveis e podiam ser ajustados e modificados a cada mês, conforme as necessidades sazonais dos clientes, que se mostravam contentes com as aquisições.
“Recebíamos contatos de pessoas dizendo que, com o uso do produto, tinham desaparecido alergias que nem sabiam de onde vinham”, diz Bruno. Ele conta que os próprios dermatologistas dos clientes creditavam a melhora ao uso dos produtos mais naturais em casa. Enquanto isso, outros compradores também relatavam que a experiência de preencher os refis estava ajudando a educar os filhos para a sustentabilidade, em uma atividade familiar “divertida”, já outros agradeciam pela remissão das dermatites de que sofriam seus animais domésticos. “A gente tem no Brasil, todo ano, mais de 100 mil casos de internações por intoxicação por produtos de limpeza convencionais”, diz Sidney, reforçando que seus produtos não oferecem esses riscos a pessoas ou animais.
QUANDO O PRODUTO É BOM, MAS A FORMA DE DISTRIBUIÇÃO NÃO FUNCIONA
Foi por meio de uma pesquisa de satisfação que os dois sócios conseguiram identificar os motivos da queda nas vendas. Entre os aspectos principais, estava o modelo de venda direta, inspirado no de empresas de cosméticos, como Natura e Avon, cuja adequação, perceberam, não encontrava paralelo para produtos de limpeza. Bruno diz:
“Parecia natural que as mesmas pessoas que vendem cosméticos de porta em porta pudessem oferecer também detergentes e desinfetantes, mas não funcionou”
Ele continua: “O cliente pode ter quatro embalagens de cremes ou batons para que não falte o seu preferido, mas ninguém quer fazer estoque de produtos de limpeza”. De uso praticamente diário, os fundadores perceberam que os sanitizantes são procurados com uma regularidade maior que os cosméticos, além de serem gêneros de primeira necessidade disponíveis em qualquer mercearia de bairro. “Se o cliente precisava de um desinfetante e o distribuidor não pudesse levar na mesma hora, ele ia na esquina e, em 20 minutos, tinha um substituto para aquela necessidade.”
Além disso, identificaram que pessoas que ofereciam o serviço de venda direta costumam desempenhar múltiplas atividades e não conseguem atender os clientes com a urgência demandada. A demora acabava frustrando as expectativas desses consumidores, enfraquecendo o modelo de venda direta dos produtos.
A pesquisa de satisfação que realizaram também apontou outros aspectos que poderiam fazer com que os clientes abrissem mão da recompra dos itens da Mundo Irys. Entre eles está, por exemplo, a resistência de diaristas e empregados domésticos de adotar um produto de uma marca que não conheciam e no qual tinham que misturar água para obter a formulação final, antes de usar. Até mesmo uma leve diferença na quantidade de espuma gerada pelo detergente ao lavar louças podia afetar a percepção e adesão do usuário, levando-o a recusá-lo.
Isso, sem falar na questão da crise econômica, que levou as pessoas a cancelarem todo tipo de compromisso dispensável, como a aquisição recorrente de produtos de limpeza. “Eu mesmo ligava pessoalmente para saber o motivo do cancelamento e ouvia muitos relatos de gente que ficou desempregada e preferiu suspender compras que não fossem essenciais, para ter flexibilidade nas despesas”, conta Bruno.
UMA DAS FÓRMULAS SECRETAS DA EMPRESA: A PARCERIA DOS SÓCIOS
Mineiro, de Belo Horizonte, Bruno mudou-se criança para São Paulo, onde o pai trabalharia como engenheiro de uma grande construtora. Formado em Administração de Empresas pela FAAP, em 2002, durante o curso de trainee da Ambev, conheceu o paulistano Sidney, formado em Engenharia Eletrônica pelo Mackenzie. Efetivados por um período, ambos saíram da companhia de bebidas em 2005 e viveram trajetórias que se entrecruzaram, até a criação da startup.
Bruno usou os valores da rescisão para entrar como sócio em uma torrefação de café na cidade da família, Divinópolis (MG), iniciando sua primeira jornada como empreendedor. Com a experiência que havia adquirido na Ambev como gerente de vendas em Tocantins e no Distrito Federal, passou a administrar a comercialização de seu produto em um raio de 80 quilômetros da cidade, alcançando cerca de 2,5 milhões de pessoas.
Dois anos depois, ele encerrava de forma amigável a sociedade, ao vender a firma de café para um fornecedor que fizera uma proposta significativa. Ao mesmo tempo, aceitava a dica de Sidney sobre uma vaga para trabalhar na área de inteligência de mercado da Química Amparo, fabricante da marca de produtos de limpeza Ypê. O amigo havia saltado da Ambev direto para o cargo de diretor nacional de vendas da companhia.
Juntos, aprenderam os aspectos do mercado brasileiro de produtos de limpeza, que movimenta 18 bilhões de reais no país e, já há alguns anos, enfrenta o desafio de aumentar a compactação e concentração de produtos, com tecnologias e aditivos que consumam menos água e permitam a redução de embalagens e, consequentemente, a emissão de CO2 durante seu transporte. Apesar de todo esse conhecimento adquirido, o Mundo Irys não nasceria tão depressa.
Bruno ainda teve uma experiência relativamente curta em uma multinacional da indústria tabagista, antes de, entre 2012 e 2014, começar a desenhar com o futuro sócio a empresa de produtos de limpeza. Ele fala sobre esse período de amadurecimento para, enfim, se dedicar à startup: “Foi uma fase de autoconhecimento, de perceber qual era o meu propósito na vida, de não trabalhar só para fazer carreira, ganhar bagagem e fazer dinheiro”.
O engenheiro eletrônico também passava pela mesma situação na época, após assumir o cargo de CEO de uma empresa petrolífera por dois anos. “Era uma experiência bacana, mas a liderança principal lá era um cara que não valorizava as pessoas, estressava todo mundo, não respeitava acordos… Isso me fez desistir de viver nesse ambiente, participando de algo que era meramente capitalista”, conta Sidney. Os dois uniram a busca por propósito, a vontade de empreender, uma amizade de 15 anos e um investimento de 1,2 milhão de reais para colocar o projeto da startup de produtos sanitizantes para rodar.
PERSISTÊNCIA E DISPOSIÇÃO PARA MUDAR SÃO A ALMA DO PROPÓSITO
Após a queda nas vendas do Mundo Irys, em 2017 (quando o faturamento foi de 320 mil reais), os fundadores pivotaram o negócio e estão, desde março deste ano, oferecendo os produtos naturais em um sistema de clube de assinatura, com os mesmos kits do formato do anterior, mas apenas com atendimento online. Com a estrutura mais enxuta, estão focados principalmente na Grande São Paulo, mas já possuem clientes no interior do estado, em Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Pernambuco. Os paulistas recebem as entregas via transporte próprio, enquanto os clientes dos demais estados são atendidos pelos Correios ou outros canais, com uma margem máxima de até três dias de entrega.
Os sócios alugaram um espaço menor, também em Alphaville, para manter um estoque e um mini-showroom dos produtos, aposentaram a plataforma de gestão que possuíam e passaram a usar apenas um e-mail para contatar os assinantes, além de contratarem o sistema VTEX (mesmo usado por grandes lojas, como Submarino e Magazine Luiza, para garantir a segurança das transações por cartão de crédito, feitas no novo site que desenvolveram).
Após uma campanha de mídia de 90 dias, com aquisição de anúncios no Facebook e outras plataformas, saltaram de 60 para cerca de 350 assinantes, com crescimento orgânico, o que ainda não é suficiente para garantir a sustentabilidade econômica do negócio. Agora, estão lançando mão de estratégias de growth hacking, buscando parcerias com startups como Fruta Imperfeita e Blumpa, que têm uma base de clientes de perfil similar ao do Mundo Irys.
Com o apoio da aceleradora Quintessa estão recebendo mentoria de um investidor que tem a opção de adquirir participação na startup, ao final de 2018, e quem sabe, aportar os recursos necessários para a realização de um plano de ação que inclui criação de quiosques, participação em feiras, equipes promocionais e outras ações de divulgação da startup, o que os sócios acreditam ser o principal gargalo para que ganhem tração. Bruno afirma:
“A inovação precisa se tornar rentável no prazo possível para que seja mesmo inovadora e viável. Não adianta ser à frente do tempo se não vingar”
Apesar das reviravoltas, ele e Sidney se mantêm confiantes no sucesso da startup, assim como todos os consumidores cientes das limitações do nosso planeta e da urgência na mudança dos hábitos de consumo.
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