Estamos em junho de 2017. O então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anuncia a saída do país do Acordo de Paris, que estabelece metas para limitar a elevação da temperatura mundial a 1,5 °C até o fim do século 21. No mesmo momento, cerca de 600 CEOs, incluindo de gigantes como Coca-Cola, General Electric, Chevron, Apple e Tesla assinam um manifesto apoiando o acordo e defendendo a implementação de medidas de proteção ambiental. “Este é um exemplo de como as empresas podem seguir reduzindo as emissões independentemente das decisões de governos”, diz Marcel Fukayama, empreendedor de impacto e head de global policy no B Lab.
Fukayama fala com a visão de quem está dentro e fora do setor privado. Além de cofundador do Sistema B Brasil e da Din4mo, o executivo também é membro do Conselhão da Presidência da República e, como coordenador da Comissão de Assuntos Econômicos, fez a relatoria do texto do PL do Mercado de Carbono, que foi aprovado pelo Senado e atualmente tramita na Câmara dos Deputados.
Na entrevista a seguir, Fukayama fala sobre o papel das lideranças na era da sustentabilidade, expectativas e realidades da COP, mercado de carbono, regulações e de que forma o Brasil pode protagonizar esta agenda.
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NETZERO: Estamos na expectativa de quais acordos serão finalmente firmados entre os países após a COP 28. O que o setor privado pode esperar destas decisões?
MARCEL FUKAYAMA: Esta foi uma COP muito importante porque, apesar do pessimismo, acredito que ainda exista uma chance de cumprirmos o Acordo de Paris. Ao mesmo tempo temos um presidente da COP que defende combustíveis fósseis, então há mesmo um paradoxo aí. Eu estava conversando com atores do governo brasileiro, e dissemos: “Ok, se nós não vamos atingir o acordo, o que faremos então? Se não chegarmos com compromissos alinhados, teremos decisões difíceis pela frente”. Lembrando que as últimas COPs vem fracassando – e esta de agora ainda divide as atenções com uma guerra em Israel. Entretanto, papel do setor privado é independente dos acordos de governos. As empresas podem e devem seguir implementando mudanças: redução de emissões, de consumo de água, o uso de tecnologias limpas, o redesenho de seus negócios, uma atuação saindo para uma lógica de geração de impacto positivo. Se as empresas formarem esta onda, teremos uma pressão da opinião pública para que os governos também acompanhem.
E como está o setor privado no Brasil nesta agenda?
No Brasil, o setor privado ainda bem atrás de outros países na agenda ESG. Temos soluções inovadoras com potencial de escala, sim, mas os grandes grupos econômicos estão bem devagar, especialmente os grandes emissores.
Entretanto, mais do que apontar o dedo, temos que construir pontes. Temos agora um governo que está reconstruindo a política ambiental: tivemos uma redução do desmatamento e existem estratégias de políticas nacionais: bioeconomia, economia verde, enfim, uma série de pacotes que mostram que o Brasil tem a possibilidade de dar um salto tecnológico para a inovação. Assumimos agora a plataforma do G20 e sediaremos a COP 30. São dois espaços multilaterais de inúmeras oportunidades de pautas nesta agenda.
Do lado empresarial, vemos os grandes grupos que terão que se mover, seja pelo amor ou pela dor. Ha uma tsunami regulatória acontecendo na Europa. Eles vão ter que se mexer se quiserem continuar operando por lá.
Por falar em regulação, o Brasil está prestes a dar um importante passo com o PL do Mercado de Carbono, que tramita na Câmara. O texto excluiu os grandes emissores?
Não excluiu. Olha, este foi o melhor texto que tivemos até o momento. O modelo é muito alinhado em termos de êxito, principalmente se comparado a outros modelos já em vigor, como da California, por exemplo. No sistema brasileiro, como será chamado, operamos no ótimo – que é inimigo do bom. O importante é que vamos implementar isso, colocar um teto de emissões. Por que precisa deste teto? Ora, precisamos de parâmetros para um novo mercado, isso é fundamental para internalizar as externalidades. Os grandes emissores poderão incorporar isso em seus reports. Enfim, estamos no primeiro passo. Sabemos que não existe uma bala de prata, mas um bom mercado regulado permitirá ao Brasil deter 20% do mercado de carbono no mundo. É uma grande oportunidade.
De que forma as lideranças das empresas entram neste cenário no momento?
As lideranças que quiserem se manter relevantes vão ter que colocar a agenda socioambiental dentro da sua gestão e governança. Acabou a era em que a sustentabilidade significava apenas um custo a mais e as responsabilidades eram voluntárias. Esta agenda agora é core business.
Isso significa que estar na agenda dos acionistas, do CEO, do conselho, de todos. O CEO tendo esta pauta ao centro, fortalece o papel da liderança. Estou falando de uma mudança de cultura, do pensar no jeito de fazer. Isso não vai vir do ESG. Se a agenda não vier de cima, na primeira crise, será cortada. Existe aquela pirâmide que mostra as empresas que nascem com este valor, as que mudam por conveniência e a grande massa que muda por constrangimento. E a regulação vem para pegar justamente estes, que serão obrigados e agir pelo constrangimento.
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