Quando tinha 26 anos, o gaúcho Tiago Mattos deixou para trás uma já premiada carreira de redator publicitário para fundar sua própria escola de criatividade.
A Perestroika (história contada aqui no Draft) transformou a educação adulta em algo mais dinâmico e próximo ao empreendedorismo; em seguida, a escola se desdobrou na Sputnik (leia a entrevista com a CEO), com foco em projetos in company.
Em 2014, sete anos depois daquela primeira guinada, Tiago deixou as funções executivas e de gestão na Perestroika (da qual permaneceu como sócio até 2019), para se dedicar a um novo projeto, a Aerolito.
A sacada da Aerolito começou a germinar na cabeça de Tiago em 2012, durante as dez semanas que ele passou na Singularity University — escola no Vale do Silício montada por Nasa e Google. Lá, entrou em contato com o futurismo.
Hoje, aos 43, Tiago se define como um investigador de futuros e continua à frente do ecossistema de futures literacy, ou “alfabetização em futuros” (explicamos o conceito neste Verbete Draft).
Isso quer dizer que, na Aerolito, ele investiga tecnologias emergentes, cenários futuros e ajuda empresas a entender o que está por vir para inovar mais e melhor no presente.
“É como se a gente fosse uma escola de inglês. Só que, em vez de ensinar inglês, a gente ensina futuros”
Na conversa com o Draft, Tiago Mattos fala sobre inovação, economia criativa (ele já empreendeu 16 projetos, incluindo aceleradora, coworking, consultoria de aprendizagem e um bar), e explica por que pensa sempre em futuros, no plural.
Em suas postagens no Medium, você diz ter abandonado a alcunha de futurista. Hoje, você se apresenta como investigador de futuros. O efeito dessa mudança foi o que você esperava?
Ao longo da minha vida profissional, tive o privilégio de ter várias transições de carreira. Eu as chamo de encarnações, porque vêm da alma. É aquela coisa forte que a gente escuta, uma vontade interna que se expressa pro mundo.
Desde 2012, comecei a incubar esse novo ciclo em que estou agora de estudos de futuros. Foi quando voltei da Singularity University e não sabia muito bem como explicar o que eu fazia.
Apesar de já haver um mercado de estudos de futuros no Brasil, a grande maioria dos profissionais do meu círculo trabalhava ou com coolhunting [que observa tendências em arte, design, moda, música e cultura geral e de rua], ou com trend forecasting, a pesquisa e relatórios de tendências.
Então, a maneira mais fácil que achei para me apresentar era dizer que eu era futurista. Mas foi um equívoco, porque rapidamente entendi que futurista é mais uma distinção do que uma profissão. O jogador de futebol não diz que é craque. Quem pode dizer isso são os torcedores, a imprensa
Na minha visão – e ela não é a única correta – você tem que permitir que as outras pessoas chamem você de futurista e não se autointitular futurista.
Há pouco tempo me dei conta de que fui o segundo brasileiro a voltar da Singularity University. O primeiro foi em 2010, mas é um cara mais de bastidores, não fala tanto em público. Eu fui o primeiro a falar em público, então ocupei um espaço que estava vago, que era ser essa voz que falaria de futuros para o grande público.
E quando eu me apresentava dessa forma, outras pessoas diziam que se interessavam por esse tema também. Talvez quisessem trabalhar com isso, mas não sabiam o que era futurismo, muito menos o que era futurista.
Comecei a perceber uma enxurrada de ex-alunos e ex-alunas meus colocando no seu LinkedIn que eram futuristas.
Ex-alunos da Perestroika?
O primeiro curso que eu dei – Friends of Tomorrow – era ainda pela Perestroika. Logo na sequência, virei sócio da Aerolito também e a gente fazia um curso que era Perestroika e Aerolito. Depois de um tempo, o curso virou só Aerolito. Atualmente, esse curso se chama Tomorrow One, é um projeto que está há bastante tempo rodando.
E quando percebi esses alunos e alunas colocando essa descrição no LinkedIn, eu me percebi corresponsável por isso. A primeira atitude que tive foi escrever uma postagem, dizendo que a gente não pode se autointitular futurista – tem que esperar que os terceiros nos indiquem – e parti para uma nova forma de me apresentar.
Comecei a dizer que trabalho com estudos de futuros, sou um investigador de futuros. Essa ressignificação me coloca nesse lugar mais adequado e calibrado; porém, tem mais fatores que são bem importantes. O segundo fator foi a decisão de começar a usar o termo futuro no plural.
E por que futuros? Tem a ver com física quântica e o conceito de infinitas possibilidades ou é uma abordagem mais pragmática para falar e olhar vários segmentos de mercado?
Futuro, no singular, é mais determinístico. É quase como se fosse uma linha pré-determinada sobre a qual a gente quase não tem influência. Nessa lógica, o meu trabalho na Aerolito nem faz sentido. Futuro, no singular, não aceita a ideia de coexistência.
O pensamento binário e excludente faz com que o futuro seja ou humano, ou tecnológico. E ele será humano e tecnológico.
Futuros, no plural, aceita mais a coexistência, mais visões. Se hoje, estamos extremamente convencidos de que a inovação vem de uma perspectiva mais diversa, a gente tem de aceitar mais futuros, ter mais olhares construindo esses futuros
E no final das contas, acho que futuros dá um senso de liberdade. Quando a gente imagina os múltiplos futuros como um cone [invertido] que se abre, no qual o vértice é o presente e a base representa a amplitude de futuros infinita, é quase uma permissão para que a gente construa o mundo que a gente quiser construir.
E toda vez que a gente muda a linguagem, rearticula os modelos mentais. Então, mudar o vocabulário e dizer mais vezes “futuros” e não “futuro”, no singular, permite que pensemos mais em coexistência, diversidade e na construção de liberdade.
E o terceiro ponto é que a Aerolito começou a trabalhar com uma metodologia autoral – apoiada em metodologias de outros pensadores – que a gente chama de Futures Back. Ela é menos do presente para frente – não é esticar uma versão do presente para o futuro. Ela também não é no singular, mas sim no plural para imaginar múltiplos futuros e carregá-los para o presente.
A ressignificação reforça, de certa forma, uma estratégia da empresa que é pensar a partir de futuros para trás, algo que a gente apresenta de diversas maneiras.
Mas, talvez, o maior de todos os motivos seja que, agora, a Aerolito não enxerga mais futurismo, mas sim futures literacy, uma disciplina que tem se conectado mais à nossa essência atual
E como a gente assumiu um certo protagonismo, isso também serviu pra comunicar uma nova prateleira, onde a Aerolito se encontra hoje.
Qual é a diferença entre futurismo e futures literacy?
Futures literacy é uma capacidade – assim como criatividade e empatia –, enquanto futurismo, coolhunting e trend forecasting são disciplinas. Eu posso ter mais ou menos dessa capacidade de futures literacy. Em uma tradução livre é fluência, alfabetização, letramento em futuros.
É como se os futuros conversassem com o presente, emitissem sinais e, quem fala essa língua, escuta. Se eu estou na Romênia e não falo romeno, esse sinal chega em mim como um ruído, um barulho.
O futuro está, a toda hora, conversando com o presente. Quem fala essa língua, escuta. Quem está pouco alfabetizado escuta um pouco. Quem está bem alfabetizado escuta bastante. Para quem não está alfabetizado só tem ruído
Para definir bem: futures literacy é a capacidade de imaginar múltiplos futuros. A maioria das pessoas continua com a ideia de um futuro único, é muito automático: “Meu filho, o que você quer ser quando crescer – quer ser rico ou feliz?” Não! São múltiplas opções e não uma opção excludente.
Ou quando uma liderança de empresa pergunta: “Qual caminho eu devo seguir: esse ou aquele? Qual é o futuro do mercado de alimentos – mais orgânico ou sintético? Qual é o futuro do mercado de automóveis? O ChatGPT é o futuro da educação?”
Futures literacy começa por dizer que a capacidade de imaginar múltiplos futuros usa múltiplos pressupostos – quer dizer, maneiras diferentes de se pensar futuros – para atingir múltiplos fins.
Por exemplo, previsão é um tipo de futuro: “Quem vai ganhar o Campeonato Brasileiro de Futebol este ano é tal time, por causa disso, disso e disso. O dólar vai atingir tal valor, por causa disso, disso e disso”. Previsão é acertar, dentro de uma determinada janela de tempo ou espaço, um acontecimento, tendo um range de fatores.
Esse é um jeito de imaginar o futuro, mas existem muitos outros. Existem jeitos mais contemplativos e criativos de imaginar o futuro. Existem várias lentes para enxergar esses múltiplos futuros e atingir diferentes fins, a depender do que eu quero
Por exemplo, eu quero antecipar o futuro pra me proteger dele ou quero antecipar o futuro para construí-lo? São intenções diferentes.
O Fórum Econômico Mundial – que é uma organização tradicional – listou futures literacy como a principal habilidade para quem quiser fazer um mundo melhor no pós-pandemia.
A maioria das pessoas nem sabe o que é futures literacy. Nem todas que sabem, conseguem entender. Das poucas que entenderam, nem todas conseguem executar… e ela é a mais importante capacidade do mundo pós-pandemia!
Me preocupa que tenhamos uma educação muito descalibrada com relação a futuros. E é para isso que eu e a Aerolito nos prestamos – letrar indivíduos, grupos, organizações, instituições, governos a entender e falar essa língua.
A Organização Mundial de Saúde afirma que o Brasil é o país onde mais há diagnósticos de transtorno de ansiedade. Você concorda que olhar e pensar sempre no que “virá a ser”, como você faz, pode gerar um alto grau de ansiedade? A pessoa enxerga as potencialidades, mas enfrenta a resistência natural do ser humano às mudanças, a tendência a ficar na zona de conforto, no que é conhecido? Como você lida com isso hoje?
Sim, que os futuros geram ansiedade eu não tenho dúvida. Digo isso não só por uma circunstância quase óbvia, porque é impossível ter ansiedade do passado.
A gente pode ter culpa pelo passado, mas a ansiedade é só do que está por vir. Pode-se também já ter vivido algo, ter estado em um lugar e se sentido muito desarticulado com múltiplas possibilidades.
Quanto mais eu me letrei, menos a ansiedade me tomou. Hoje, tenho quase nenhum nível de ansiedade com relação a esses múltiplos futuros
Por que sinto isso? Primeiro, pelo entendimento de coexistência. Eu não tenho mais que acertar qual é o futuro, não tenho mais que botar todas as fichas num único lugar e se der certo eu fico em paz, e se der errado tenho um grande problema.
As decisões da minha empresa e as decisões que a gente recomenda para outras empresas distribuem as fichas em muitos lugares. A gente acredita em um planejamento estratégico múltiplo, de muitas possibilidades.
É como uma diversificação de investimentos… você não vai apostar tudo no dólar ou tudo em Bitcoin, porque pode dar errado. Isso é quase uma premissa básica do risco x retorno
Quando você faz isso estudando, naturalmente confirma mais hipóteses e se desapega das que não se confirmam.
O segundo entendimento que me traz muita tranquilidade é a diferença entre dilema e problema. A gente chama muitos dilemas de problemas. Quando fazemos isso, vamos atrás da resposta certa.
O que é um dilema? Um dilema acontece quando se tem pelo menos duas opções pra se resolver algo. Todas têm prós e contras, mas é preciso escolher.
Só que o ser humano não quer escolher. Ele quer que alguém diga o que está certo. Isso vem lá da educação básica. A pessoa que foi educada procurando a resposta certa, olha as coisas como problema. Problema tem uma única solução. Enquanto ela não achar essa única solução, fica congelada.
Por que as empresas compram tantos relatórios de tendências? Porque elas não querem decidir. Elas querem que o consultor vai lá e diga: “Essa é a tendência”. Assim, ela se exime da responsabilidade – se der errado, a culpa é da empresa de tendência.
Quando a gente aceita que as decisões da vida são dilemas, a gente assume autorresponsabilidade, que é um dos parâmetros da vida adulta. “Eu estou tomando uma decisão, se isso trouxer o retorno que eu esperava, ótimo. Se não trouxer, é parte do risco da vida”
Uma coisa que diminui muito a ansiedade é estar cercado de outras pessoas que também fazem esse tipo de exercício. À medida que a gente conversa, cocria, troca e percebe que existem sentimentos, intuições e perspectivas comuns, temos um certo conforto.
Às vezes, intuitivamente e sozinho, acho que o mercado de moda vai pra cá, que o mercado de saúde vai pra lá. Mas quando converso com outros pares – que eu respeito, admiro e são letrados também – e eles têm intuições parecidas, isso me conforta.
Respondendo a sua pergunta, eu não tenho dúvida de que os futuros trazem essa ansiedade, mas eu também entendo que quanto mais letrados em futuros estivermos, menos ansiedade teremos.
E talvez a grande ansiedade que o Brasil apresenta seja um reflexo da má educação que temos, inclusive para futuros.
O Brasil é um país muito novo, quando se pensa na história da humanidade. Somos uma democracia muito recente, temos estruturas ainda muito incipientes em alguns aspectos.
Se ainda estamos em processo de maturação em uma série de coisas, talvez ainda não tenhamos uma jornada longa o suficiente para nos colocar nessa linha do tempo – reconhecendo o que já foi passado, o que é o presente e quais são os futuros
Um adolescente, por exemplo, acha que já viveu e fez muito… que sabe de tudo. Aí, quando ele se confronta com esse futuro, a ansiedade vem justamente por uma dissociação entre a experiência real e a falsa sensação de conhecimento.
A Aerolito tem uma pegada muito forte de construção de conhecimento. Você diz que tudo que é ensinado nos programas da empresa é autoral. Como se dá isso? Vocês têm filósofos, estudiosos ou intelectuais pesquisando e gerando teses?
A gente trabalha em cima de uma matéria-prima chamada Objeto do Amanhã. É quase literal: é um objeto que, por acaso, já está no presente, mas que só vai ser popular anos à frente.
Vou dar um exemplo pra ficar bem didático. Existe um projeto da L’Oréal chamado Perso, uma minifábrica de maquiagem. Por ele, você só produz a maquiagem quando for usá-la, diferentemente das marcas tradicionais – que você compra e deixa estocada no banheiro para usar quando quiser. Algumas você não vai usar nunca, outras você vai usar sempre, portanto, há um excesso de consumo por essa dinâmica da forma de se maquiar.
Com Perso, você só produz a maquiagem quando for se maquiar. Isso já tem um posicionamento mais sustentável e a maquiagem é personalizada para você
Você digitaliza o ambiente e ele produz uma maquiagem pra você levando em conta o formato do rosto, tom de pele, penteado, iluminação, temperatura, poluição, se é dia ou noite…
Então, cada maquiagem que você faz é diferente, mesmo que seja sempre pra você, mesmo que você esteja sempre com a mesma roupa ou o mesmo penteado.
Perso é um Objeto do Amanhã. Quando se pensa na forma como a gente entende maquiagem hoje – uma fábrica gigante, que por ter um grande maquinário produz em larga escala e tem um modelo de negócio que ganha na margem pequena de um produto que é produzido todo igual, num grande volume –, uma marca de maquiagem tem de saber qual é o futuro certo. Ela faz pesquisa com sala de espelhos, olha dados, olha tudo, lança ali uma cartela de maquiagem e reza pra que dê tudo certo.
Esse modelo não me parece a maquiagem do presente. Me parece a maquiagem do passado. Por acaso, ela ainda é a mais popular, mas não me parece mais o jeito de se fazer maquiagem.
E quando eu penso no Perso, ele me parece um objeto que vai ser mais popular no futuro. Por acaso ele já está meio deslocado aqui no presente, mas ele vai pertencer mais ao futuro.
Então, com essas matérias-primas a gente consegue validar ou invalidar as nossas hipóteses com o raciocínio de cientista
Por quê? Porque a gente usa normalmente três bases: descoberta científica; novas tecnologias; e inovações em negócios. E as três têm algum tipo de validação, sempre.
Na ciência você tem a validação da hipótese pelo método científico via pesquisa. A tecnologia tem – além da própria ciência que está embarcada na tecnologia – a funcionalidade. Para se popularizar, ela tem de funcionar. E o mercado também é uma validação constante para negócios – existe um feedback.
Quem são os pensadores da Aerolito? Além de mim, há outras cinco pessoas que estão diretamente relacionadas com essa esfera de investigação de futuros: Kim Trieweiler, Fernanda Prestefelippe, Nayane Ramos, Yago Cury, Carolina Maria Moreira Alves.
Em todos Objetos do Amanhã que vocês avaliam – e, inclusive, geram conteúdo pago, vendem assinatura –, a Aerolito tem alguma participação em propriedade intelectual?
Nesse caso específico de Perso, não temos nenhum envolvimento. Ele é uma matéria-prima para as nossas divagações.
Temos uma metodologia autoral chamada Três Ondas de Impacto, que é a base do nosso trabalho. Ela é tipo um design thinking da Aerolito.
Funciona assim: uma empresa como a Ambev, que trabalha bastante conosco, nos procura com a demanda de entender como podem ser os bares do futuro.
Aí a gente faz um primeiro exercício – na primeira onda – de mapear inovações no ambiente conhecido, para saber quem está controlando o atual jogo
Neste caso seriam [também] outras empresas de bebidas, como Heineken e Coca-Cola, mas podem ter grandes players de alimentação, como Nestlé ou Unilever.
A gente vai ver quais Objetos do Amanhã estão sendo feitos por esses grandes players de Food&Beverage, que já estão no mesmo jogo que a Ambev.
Na segunda onda, começamos a ver os Objetos do Amanhã de quem está mudando o jogo, as startups. São empresas mais ágeis, com uma estrutura e sistema de funcionamento diferentes, que não têm todo o maquinário, nem um programa de incentivos que deu ações para a alta cúpula da empresa – o que faz com que a alta cúpula pense resultados a curto prazo.
Aí surge uma série de inovações em Food&Beverage que podem mudar o jogo. Esses Objetos do Amanhã podem se transformar em inspiração pra Ambev fazer algo semelhante com o seu próprio olhar; parceiros com algum tipo de relação comercial; aquisição, se a Ambev perceber como uma ameaça ou como oportunidade…
Cada um dos múltiplos Objetos do Amanhã da segunda onda são novas oportunidade de mercado. É quase dizer: “Tudo isso aqui são nichos em que vocês não estão operando – já tem alguém operando, que já validou e o mercado já está pagando, porque a tecnologia funciona”
A terceira onda – a mais legal – é a onda do e se? A gente começa a fazer regras de três. Dizemos: “Deixa eu mostrar pra você o que essa empresa de carros fez. Não tem nada a ver com Food&Beverage, nem com bar, mas e se a gente fizesse isso daqui, desse Objeto do Amanhã, dessa outra forma aqui?”
É quando fazemos as transferências que vêm insights ricos e disruptivos.
Na segunda onda, você sempre corre o risco do plágio, de se fizer igual [à concorrência], parecer que é o capitalista selvagem. Enquanto que na terceira onda, você é de fato criativo. Você acha uma correspondência em outro lugar para ter um pioneirismo.
E depois de tudo isso, a gente está munido de um monte de inspiração de como poderá ser o bar do futuro.
Qual é a diferença desse processo para os processos normais? Se a gente pega objetos e dados do passado – você pode fazer projeção, mas o dado sempre se refere ao passado – para abastecer e construir algo, puxamos o passado para o futuro.
Se eu olho os futuros para trazê-los para o presente, já crio algo mais adiantado, mais revolucionário e de vanguarda
A dinâmica de pesquisar constantemente Objetos do Amanhã é o nosso dia a dia. A gente procura a resposta para a pergunta que ainda não temos. Estamos sempre olhando pra Objetos do Amanhã; não sei quando eu vou usar, mas vou recolhendo.
Temos um banco com milhares de Objetos do Amanhã. Quando um deixa de ser “do amanhã” e vira “do hoje”, a gente dispensa, porque ele não traz mais a reflexão que precisava. É isso que nos faz ter essa perspectiva autoral.
A gente não quer contar o que alguém já contou, porque esse é um olhar para trás. Tentamos imaginar o que ninguém imaginou – esse é um olhar para frente.
Acredito muito que quem não pensa sobre os futuros cria o presente com as ferramentas do passado
O que quero dizer com isso? Que o fato de eu estar hoje no presente não quer dizer que a minha mente também esteja neste tempo.
Posso viver hoje uma mentalidade retrógrada – com ideias de educação, economia ou de política retrógradas – e se a gente não pensa sobre os futuros, não se corrige na linha do tempo. Não percebe o quanto de passado tem no presente.
Essa é a grande recomendação para as lideranças, para os executivos e executivas e indivíduos da sociedade como um todo.
Parece que uma outra forma de você aterrissar as teses de futuros é fazer spin-offs, ou derivagem de negócios, dentro da própria empresa. Hoje, dentro da Aerolito, quais projetos desse tipo estão rolando?
Eu não quero ser o gênio com o risco e dinheiro dos outros.
Infelizmente, vejo muitos palestrantes e consultores de inovação que só são geniais, disruptivos e revolucionários com dinheiro e risco dos outros. Eu não gosto disso
A gente já fez muita coisa dentro do Aerolito e há muita coisa em preparação.
Em 2015, fizemos um software chamado Jab para interação de compras em streamings. Por exemplo, para comprar direto do YouTube.
Em 2014, fizemos um software chamado Pøx para interação em sala de aula. O professor ou a professora diria: “Gente, eu trouxe aqui múltiplos conteúdos. Quais vocês querem?” E os alunos escolhiam a sala de aula. Hoje já existem modelos como esse, mas na época não tinha nada parecido. Ele existe até hoje, mas eu saí da sociedade em 2016.
A gente já fez o OLI [lançado em 2018, com o nome em homenagem ao pensador brasileiro Oswaldo Oliveira, rodou até 2021], uma plataforma de aprendizagem pós EAD.
Sou superfã do EAD, mas ele não é futuro, é super presente. A gente tentou pensar como se aprende no mundo pós-EAD
Organizamos agora na Aerolito as seguintes frentes: mantemos a nossa escola B2C; estamos em fase de lançar uma nova organização B2B; haverá uma unidade de negócios de livros escritos pela gente… serão os pocket books da Aerolito e teremos um clube de assinatura para você recebê-los…
Temos o Lake, uma espécie de plataforma aberta de Objetos do Amanhã, onde as pessoas podem fazer inputs; a minissérie animada sobre futuros – chamada Tela Azul – está indo para televisão; em 2023, vamos fazer um pequeno Festival de Futuros…
E estamos construindo uma espécie de Sistema B para empresas letradas em futuros. É uma certificação, porque achamos que o mercado é muito carente dessa distinção. Todo mundo diz que é inovador, que faz coisas diferentes, mas quem valida ou invalida isso?
Temos essas spin-offs nascendo e o meu desejo particular é transformar pessoas da equipe em sócios, preparando-as para intraempreender. Uma vez intraempreendedores, os jogamos para fora da organização e dizemos: “Voa”
Passarinho não voa no ninho; tem de ser jogado pra fora do ninho pra voar. Então, criamos as condições, empurramos para fora e a empresa começa a operar como uma unidade interdependente.
Como a gente pode diminuir o abismo de entendimento sobre o que o mundo pode vir a ser, existente entre quem desenvolve tecnologia e inovações de ponta e os milhões de pessoas comuns mundo afora que são “analfabetas” nesse assunto? E não me refiro a quem está abaixo da linha da pobreza, que é ainda outro problema. É um abismo transponível para se poder incluir mais gente no exercício de pensar futuros?
É sempre complexo falar disso porque se pode jogar colocar luz em muitos lugares. Por exemplo, se eu quiser justificar a escassez tecnológica, posso dizer o seguinte: para que mais gente tenha smartphone no mundo, um grupo privilegiado teve de, lá no início, validar.
Quando o iPhone foi inventado, custou um dinheirão em pesquisa e desenvolvimento, o que estava na conta do seu ciclo comercial. Portanto, esse telefone tinha de ser caro. E quem pode pagar caro é uma pessoa mais privilegiada.
À medida que esse público valida esse produto, a concorrência abre o olho, se cria um mercado para uma série de componentes, o preço baixa e ele fica mais popular. Quanto mais gente compra, mais baixa o preço, até o ponto de ficar acessível – não a todas as pessoas do mundo, o que é uma utopia, mas a uma grande parcela da população.
Então, se eu quiser jogar luz a isso, digo: “Será que não é um grupo mais atento à tecnologia, mais privilegiado e vanguardista que permite que isso seja acessível a mais pessoas?” É uma narrativa válida. Não sei se concordo
Outra narrativa válida que dá pra ser esperançosa com relação à diminuição desse gap é a observação que um profissional como eu faz da velocidade cada vez maior entre o lançamento de uma novidade e a “mainstreamização” dessa novidade.
Em 2012, comecei a ter contato com esse mundo da tecnologia e dos estudos de futuros. Foi, literalmente, anos depois que as pessoas do meu círculo começavam a ter contato com esse tema.
Atualmente, conheci o ChatGPT e, em um período muito mais curto, vejo as pessoas postando nas redes sociais sobre o assunto. Provavelmente isso se deve à explosão das redes sociais e do acesso à informação.
Ou seja, dá pra ter esperança de que, cada vez mais, a informação que era de um grupo privilegiado – que inclusive usava essa informação para manter o seu privilégio – vai chegar e ser acessada cada vez mais rapidamente aos que a gente considera os menos privilegiados. Dá pra jogar luz sobre isso
Me parece que a maneira de contar essa história tem muito a ver com a nossa filosofia de vida. A gente trabalha e bota intenção para construir algo mais legal e diminuir esse gap? Ou trabalha e coloca intenção para aumentar esse gap? O fato é o mesmo. É a forma de enxergar que muda.
Torço para que, antes até da desigualdade, a gente resolva o problema de base.
Se todas as pessoas fossem bilionárias – em uma utopia completa – talvez a desigualdade se tornasse um problema menor, porque todo mundo teria acesso a tudo.
Será que desigualdade é um problema quando todo mundo pode ter acesso a tudo? Ou seja, em vários momentos, acho que a conversa sobre desigualdade é, na verdade, uma conversa sobre base.
A [ideia de] desigualdade faz sentido quando uma parcela muito grande da população não tem o básico – não tem acesso a água, esgoto, educação. Aí é óbvio que eu vou ficar maluco sabendo que tem gente bilionária e tem gente sem água!
Eu, que tenho muito conforto e sou muito privilegiado… não me afeta tanto o fato de haver pessoas que têm mais do que eu, porque tenho as condições necessárias para uma vida plena… Agora, quando vejo pessoas que não têm o que eu tenho, o gap é muito incômodo.
Temos de trabalhar as duas coisas – a desigualdade e esse olhar de base. Se a gente puxar todo mundo pra base, vai diminuir a desigualdade, mas ninguém vai ter água, educação, moradia… vai estar ruim.
A filósofa econômica de quem eu mais gosto atualmente é a Kate Raworth. Ela escreveu um livro chamado Economia Donut (2019), que é a nova teoria econômica para o mundo onde vivemos.
Ela diz que o crescimento só pode acontecer dentro de uma faixa – só se pode crescer depois que todo mundo tiver base; e não podemos crescer além do teto, que é quando destruímos a camada de ozônio, causamos a extinção de espécies. A gente tem um teto!
Diferente do que o mercado da “suposta inovação” fala, crescimento desenfreado, exponencial e visão de unicórnio não é inovação. Isso é a velha economia vestindo terno de silício, enganando a galera para vender a mesma narrativa que é vendida desde sempre
Se queremos fazer uma nova economia, temos de fazer algo novo, com outros princípios para que a nova economia seja interdependente e sistêmica na sua origem.
Para quem serve a escalabilidade? Serve para o investidor de startup. Por quê? Porque ele pensa que, ao invés de colocar dinheiro no fundo do banco A ou B, vai botar em um bando de moleque com sangue no olho e dizer: “Olha, agora eu compro um pedacinho… Só compro um pedação se você escalar”.
Ele vende pra você uma promessa. Se você não escalar, ele perdeu um pouco; se você escalar, ele ganhou. Mas a que custo isso acontece? A vários. Essa escala cobra um preço que não está na planilha de Excel da empresa – burnout, por exemplo.
Quantas empresas medem burnout? O que é diferente de ter um departamento de saúde mental! O que quero dizer é: me mostra a métrica de burnout da tua empresa. Vou te dizer quantas tem: uma ou duas
Se eu não meço questões como essa ao lado do Excel financeiro, estou dizendo o que é prioridade pra mim.
Tem uma frase que diz que “o comportamento expressa a prioridade”.
O que eu faço reflete a minha prioridade. Então o que eu não meço não é prioridade.
Tem uma série de externalidades que podem ser: a pessoa se desgastar no seu relacionamento; uma criança que cresce com menos presença do que deveria; a pessoa suja mais, porque não tem tempo de separar o lixo. Tudo isso são externalidades que não estão sendo medidas pela empresa, que é corresponsável por isso.
Quando não se põe isso na planilha do Excel, olha-se lá e vê-se que a empresa escalou, acha que ganhou o jogo. Porém, se ela botasse no Excel o que o funcionário sujou, quantos relacionamentos acabaram e quantas pessoas tiveram burnout, a conta não vai fechar!
Você não escalou, não atingiu a meta – você está maquiando os números, porque mede só o que interessa
Além disso, é uma estratégia na qual não importa mais se a empresa entrega algo de valor. O que importa é o que o mercado acha da empresa ou não.
Se sou investidor, quero vender a empresa. Se o mercado acreditar que ela tem valor, atingi o meu objetivo, mesmo que o produto seja uma porcaria, mesmo que eu seja um golpe.
Os investidores pegam essa galera com sangue no olho; fazem essa promessa; externalizam custos; se der errado tem um risco muito pequeno, se dá certo não precisa, necessariamente, que o produto seja bom, só precisa ter uma narrativa; e mesmo que dê certo com um produto bom, quem valida é essa galera da história indiana… são esses valores.
Para mim, a ideia de unicornização é só um reforço à velha economia. Não é a nova economia. Existem várias empresas que estão confundindo a ideia de grande empresa com empresa grande.
O mundo precisa de grandes empresas, mas não necessariamente [empresas] grandes. E a gente está vendo nessa unicornização um monte de empresa que não é grandiosa, é apenas grande
A escalabilidade é só um desses recursos para atender um determinado interesse. Eu não sei se isso interessa nesta entrevista, mas é a maneira que eu penso.
Enquanto se debate o fim da escala 6x1, o Drafters conversa com a médica Dulce Pereira de Brito, do Hospital Albert Einstein, sobre os impactos do trabalho na saúde mental e como as empresas devem agir para promover o bem-estar corporativo.
Líder de Responsabilidade Social Corporativa da IBM, Flávia Freitas fala sobre sua carreira e o desafio de ajudar a preencher a lacuna global de especialistas em inteligência artificial através da capacitação de pessoas de grupos minorizados.
A substituição de mão de obra por inteligência artificial terá implicações profundas, mas as empresas parecem não atentar para seu papel no debate. A jornalista Marília Marasciulo divide sua experiência e fala sobre os riscos dessa omissão.