O que falta é amor e grito. Como disse Martin Luther King: “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”.
Este artigo encerra uma experiência de vida que relatei anteriormente no Draft, em maio de 2023, sobre minha luta por inclusão e acessibilidade, sob a perspectiva da lei e da moral.
O que deveria ter sido algo simples, considerando a ética e as questões morais estabelecidas ao longo da história, exigiu um esforço hercúleo.
Foram necessários mais de seis anos de persistência para que eu conseguisse que todas as áreas comuns do meu condomínio, incluindo o interior da piscina, fossem completamente acessíveis.
Nessa jornada, fui tachado de “rebelde sem causa”, de revoltado e fui até rotulado como aproveitador, o que me fez ter dúvidas sobre minhas convicções e, com isso, pensei em desistir de buscar meus direitos. Mas graças ao incentivo de muitos, não me calei
Finalmente, pude entrar na piscina com autonomia, como todos os outros condôminos. Essa conquista me fez um bem extraordinário. Não só por poder nadar livre e despreocupadamente na água refrescante sob o sol escaldante do verão, mas principalmente por ter feito valer o bem comum.
Afinal, eu não seria o único a me beneficiar daquele dispositivo assistivo e inclusivo, que permite o acesso de forma autônoma e digna à piscina das pessoas com algum tipo de dificuldade de locomoção.
Isso reforçou em mim a importância de lutar pelo que é justo e bom para todos.
Vivemos em um mundo onde o conceito de “discurso de ódio” é frequentemente mal aplicado, muitas vezes para silenciar vozes que se opõem aos interesses de uma minoria poderosa, que age de acordo com suas ganas de poder, influência e riqueza.
Essa dinâmica reflete uma característica antiga da humanidade, como exposto por Yuval Harari em Sapiens. Como muito bem colocado em seu livro, nós, os Homo Sapiens, nos diferenciamos dos demais animais e subjugamos as outras espécies de Homo, não pela força ou inteligência, mas pela nossa capacidade de criar narrativas.
A criação de narrativas sociais sempre visou moldar a sociedade ao longo da evolução humana, mas frequentemente são criadas com o objetivo de legislar em causa própria. Se calarmos para as narrativas antiéticas ou imorais, deixaremos seus criadores planarem tranquilos num céu azul
Isso me leva a refletir sobre as teorias de Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau sobre a natureza humana.
Para Hobbes, o homem é mau por natureza e é motivado apenas por interesses pessoais. Por conta disso, a única forma de vivermos harmoniosamente em comunidade é através do cerco de um contrato social. Este cerco são as leis, mas quem as cria são os homens e, de acordo com essa natureza má e inata, elas estão sujeitas à parcialidade subjetiva dos legisladores.
É bom enfatizar que quem as institui são aqueles que estão no poder, e mais, quem julga suas aplicações também são os humanos das mais altas esferas. E qual a solução para tantos desvios morais e éticos evidentes em nossa sociedade? Não posso afirmar ao certo, mas se calar frente às indignações certamente não faz parte das opções.
Montesquieu propôs uma solução para tal dilema através da divisão do Estado em três poderes, o que é amplamente utilizado na maioria dos países do mundo, de forma a fazer que um poder vigie o outro de forma autônoma, objetiva e independente, o que evitaria “abusos” tendenciosos.
A ideia é boa, mas hoje vemos que não é totalmente eficaz. Isso, acredito, por conta do enfraquecimento da moral e marginalização da ética.
A moral pode variar de acordo com a cultura de cada sociedade, mas ainda assim distingue o certo do errado. Já a ética é um valor universal e coloca o interesse coletivo acima do individual.
Quem é ético obedece a uma lei que não é obrigatória e, com isso, será ético aqui ou em qualquer lugar do planeta. Ela distingue o bom do mau, o justo do injusto.
A ética é a primeira e mais exigente das leis e todas as outras deveriam ser baseadas nela. Vale refletir se a proliferação de leis numa sociedade (conduta hobbesiana) não indica a falta generalizada de ética daquele povo. Será que esse não é o caso do Brasil?
Talvez essa seja a razão pela qual haja tantas leis no nosso país, além de tantas constituições, principalmente quando a comparação é feita com os Estados Unidos, por exemplo.
Pode ser que o julgamento parcial, a falta de ética e a imoralidade sejam o calcanhar de Aquiles da nossa sociedade – não só no que tange o primeiro setor, mas também no segundo e no terceiro.
Por outro lado, o mundo atual seria outro se o pensamento de Rousseau pudesse ser aplicado em toda a sua essência, uma vez que em sua perspectiva o ser humano é originalmente bom (ético) e é a sociedade (imoral) que o corrompe.
Hobbes e Rousseau: duas linhas de raciocínio completamente antagônicas. Uma pessimista e a outra otimista. Mas qual é a mais correta, ou menos incorreta?
Antes de responder essa pergunta, podemos nos apoiar na dialética hegeliana para nos apegarmos à esperança de que a síntese do embate entre ambas, uma sendo a tese e a outra a antítese, venha para o bem de todos.
Voltando à afirmação de valor forte e inequívoco de Martin Luther King, para que esse confronto resulte naquilo que precisamos como sociedade, é necessário que os “bons não se calem e que os decentes não se silenciem”. É fundamental que as pessoas não sejam acometidas pela “síndrome do espectador”.
Nesse âmbito, o poema de Vladimir Maiakovski é uma ótima provocação:
“Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores, matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia, o mais frágil deles
entra sozinho e nossa casa, rouba-nos a luz e,
conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.”
Ainda mais profunda e provocativa é a versão criada pelo pastor luterano alemão Martin Niemöller para criticar o nazismo:
“Um dia, vieram e levaram meu vizinho, que era judeu.
Como não sou judeu, não me incomodei.
No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho, que era comunista.
Como não sou comunista, não me incomodei.
No terceiro dia, vieram e levaram meu vizinho católico.
Como não sou católico, não me incomodei.
No quarto dia, vieram e me levaram.
Há várias situações cotidianas que nos frustram e fazem com que queiramos “deixar tudo pra lá”.
No entanto, com base nessa minha experiência, posso afirmar: desistir só fará mais mal. Por isso, não cruze os braços. Não se cale. Não desista
Vale a pena o esforço de buscar o que é bom, o que é justo e o bem de todos!
(Para conhecer essa história na íntegra, leia o artigo “Minha luta por inclusão e acessibilidade no condomínio onde moro: o que ocorre quando a moralidade se choca com a legalidade”.)
Fabiano D’Agostinho é formado em Tecnologia Elétrica pela Mackenzie, pós-graduado em Administração de Marketing pela FAAP, com extensão em Administração de Negócios e Gerenciamento de Projetos na UC Berkeley (USA). Tem passagem por empresas como Questus, em San Francisco, AngênciaClick Isobar e Dentsu Aegis. É um peregrino criativo de 49 anos, cadeirante desde os 26, professor, palestrante, ator, escritor, pensador, marceneiro, marido e pai de um adolescente de 15 anos. Atualmente, é consultor, mentor e COO da ConexCI, uma empresa de consultoria estratégica e operacional para incorporadoras e construtoras. Ele compartilha reflexões através do perfil no Instagram. Dele, o Draft já publicou outro relato, em que conta como percorreu o Caminho de Santiago de cadeira de rodas.
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