Por décadas, a imagem de uma fila de operários batendo o cartão em um relógio de ponto ao chegar ou ir embora de uma fábrica representou um dos lados mais enfadonhos da rotina de um trabalhador. A tecnologia começou a mudar isso até que, em 2014, a paulistana PontoTel conseguiu inovar criando um sistema de ponto eletrônico online.
“O RH nunca foi o setor mais interessante de uma empresa”, diz o engenheiro elétrico Pedro Pimenta, 31, fundador da startup junto com o colega de profissão Gustavo Bobrow, também 31. “Não estamos atrás de glamour e sim de praticidade.” No aplicativo da startup, os funcionários batem ponto digitalmente (e as empresas pagam uma assinatura mensal pelo serviço).
Se pouco mudou para os empregados das grandes indústrias desde os anos 1940, com os turnos de trabalho marcados pelo toque de um apito ou de uma sirene, é cada vez mais comum colaboradores das áreas administrativas e de serviços que fazem home office, passam muitos dias fora em viagem de negócios ou trabalham em lugares diferentes. Sem falar dos temporários ou em regime de freelancer. Pedro diz:
“A questão trabalhista no Brasil é muito importante e exige mais transparência”
Ele afirma que, com meios ultrapassados de contagem de horas extras, atrasos e faltas, é comum o empregador ter a impressão de que os funcionários trabalham menos enquanto estes enxergam a situação de forma oposta. “A gente gostaria que, no século 21, essa relação ficasse mais clara e que as regras do jogo fossem respeitadas”. Para isso, desenvolveram o aplicativo.
PRIMEIRO, ELES FIZERAM UM APP DE PONTO PARA FAXINEIRAS. NÃO DEU CERTO
Os dois só se conheceram pouco antes de se tornarem sócios. Antes, cada um ganhou experiência tomando caminhos “mais seguros” e trabalhando para grandes companhias enquanto alimentavam a vontade de empreender em uma ideia própria. Formado na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo em 2011, Pedro foi analista na consultoria McKinsey & Company por três anos.
Já Gustavo fez um estágio na Siemens antes de pegar o diploma da Faculdade de Engenharia Industrial (FEI), em 2010, e passou os três anos seguintes no mercado financeiro, contratado do banco Santander e, depois, do grupo Goldman Sachs (2010-2013).
Mas o que ambos gostariam de fazer era voltar a mexer com programação. “Sempre fui um nerd clássico e gostava muito de computador, que não era algo tão bacana como é hoje”, diz Pedro. Aos 12 anos, atravessou finais de semana criando, com a ajuda do pai, seu primeiro site, um jogo de boxe.
“Cheguei à classe e distribuí usuários e logins para meia dúzia de amigos que brincaram por algumas horas.”
Mais tarde, como universitário, ganhou uma bolsa do governo alemão e foi fazer metade da graduação na Universidade de Stuttgart.
“Lá, encontrei um mercado mais aquecido e consegui fazer vários estágios como programador. Fiquei encantado e sabia que queria seguir nesse meio um dia”, lembra.
Gustavo também desenvolvia páginas de internet para os colegas de faculdade e familiares. Em 2013, quando decidiu se arriscar com o seu próprio aplicativo, lançou o Cruzapet, em 2013, uma espécie de Tinder de cachorros, ajudando os donos a encontrarem parceiros para seus bichinhos. Chegou a sair na mídia, mas a ideia não se provou muito lucrativa, pois ele não conseguiu monetizar a proposta.
Apresentados por um amigo em comum em 2012, os dois empreendedores resolveram juntar forças em um ensaio para o PontoTel. No final de 2013, apresentaram o Lar21, embalados pelas mudanças provocadas pela Emenda Constitucional 72, que igualou os direitos trabalhistas dos empregados domésticos ao de outras categorias.
“Meus pais estavam se divorciando e eu fiquei responsável por pagar a mulher que fazia a faxina”, conta Pedro. Ao se informar sobre a nova legislação, achou tudo muito complexo e teve a ideia de criar um aplicativo que simplificasse o controle de horas de trabalho. Ele afirma:
“Hoje, conheço melhor o mercado, mas o pagamento para colaboradores no Brasil é bastante técnico, nada intuitivo, e a PEC das Domésticas expôs isso”
O ponto principal era a variabilidade: ninguém cumpre os mesmos horários todos os dias. Acabou não saindo exatamente como eles imaginavam. “Víamos que as pessoas têm muita carência de atendimento e orientação, querem conversar com alguém ao telefone para solucionar problemas muito específicos.”
A empreitada durou meio ano, tempo no qual exerceram mais o papel de consultores. A gota d’água foi quando uma usuária quis descontar as horas extras da faxineira porque um vestido seu foi acidentalmente danificado. A dupla se deu conta que não estava agregando nada à vida das pessoas. Cientes de que o sistema de controle de folhas de pagamentos como um todo era complicado demais, eles resolveram estudar quais outros setores poderiam utilizar o invento deles.
EMPREENDER É SOBRE TENTAR, ERRAR E TENTAR DE NOVO
Os sócios miraram, então, em administradoras de condomínio e fundaram, em junho de 2014, a Automatizações Século 21, que ficaria mais conhecida pelo nome do próprio produto, o PontoTel. “As pessoas estão acostumadas com software de muita qualidade. Hoje todo mundo usa Facebook, Google, Gmail, que são extraordinários”, fala o empreendedor. E complementa:
“O sistema tradicional de folha de pagamento nasceu na época pré-internet. Ainda é um equipamento com interfaces dos anos 1980, um negócio horrível”
Desde o começo, os sócios tinham muita clareza de que precisavam incorporar um novo padrão compatível com as mudanças tecnológicas. O diferencial do sistema do PontoTel, de acordo com os fundadores, é sua adaptação para diversos modos de captura das informações. O registro de ponto funciona por aplicativo (no celular ou tablet), via computador, chamadas telefônicas e, também, pelo reconhecimento ótico de folhas escritas à mão. Todo conteúdo fica online, na nuvem.
Uma versão no WhatsApp está em teste para as pessoas passarem a bater o ponto sem precisar de um programa extra.
“A gente se propõe a fazer uma solução global para a empresa.”
Também há vantagens na forma como as informações se cruzam.
Normalmente, em uma empresa com 500 funcionários, no fim do mês, alguém teria que fazer as correções de cada um deles (no caso da pessoa esquecer de bater o ponto, por exemplo). Ou seja, seriam cerca 50 mil marcações para serem atualizadas.
“Tivemos que desenvolver várias ferramentas de ergonomia para o usuário conseguir resolver esta questão de forma rápida, com funções inteligentes de autopreenchimento e a possibilidade de apontar somente o que é necessário corrigir”, conta Pedro.
FORAM NECESSÁRIOS ALGUNS TROPEÇÕES PARA FECHAR O PRIMEIRO CONTRATO
Nos primeiros meses de funcionamento, Pedro e Gustavo aprenderam uma nova lição: não prestar serviços sem um contrato assinado.
“Fomos atrás das pessoas de recursos humanos dos condomínios e conseguimos umas reuniões, mas pedalamos muito tempo, desenvolvendo bastante coisa para esse mercado e, no fim, eles faziam sempre novas exigências e não fechavam”, diz Pedro, com um tom de decepção.
Acabaram ficando no aperto, mas também mais espertos. “Hoje a gente tem um produto bastante robusto e, assim que começa a conversar, já colocamos o contrato na frente. Nada de fazer customização de graça, sem garantias.”
Após investirem 20 mil reais capital próprio no PontoTel, os sócios começaram a aperfeiçoar o aplicativo, com a contratação de desenvolvedores. Também mudaram a estratégia de caça aos clientes. Pesquisaram uma centena de empresas que não tinham sistema de ponto e dispararam e-mails oferecendo uma forma de reduzir gastos com folha de pessoal. Desse total, 15% responderam à proposta.
Algumas encontros foram marcados e, enfim, conquistaram um contrato de verdade.
“Nossos primeiros 1.000 reais recorrentes foram de uma fábrica no bairro do Carandiru, cujo dono desconfiava se a gente ia mesmo entregar o serviço”, conta Pedro.
Depois disso, a sorte virou. Criaram um site e conseguiram mais clientes pequenos, como padarias e lojas. No início de 2015, mais um empurrão: foram apoiados pelo Startup Brasil, o programa nacional de aceleração, do Ministério da Ciência e Tecnologia.
COM A REFORMA TRABALHISTA, A DEMANDA PELO APP AUMENTOU
Hoje, o PontoTel conta com aproximadamente mil clientes, desde empresas com 20 funcionários até aquelas com quadros de 20 mil pessoas. Entre elas, startups como Uber, iFood, Easy Taxi, 99 e Nubank, e empresas grandes como Senac e Grupo GR. Marcas pequenas encontram um pacote de serviços com uma assinatura que começa a partir dos 19,90 reais mensais por funcionário. O preço individual cai conforme aumenta o número de pessoas.
A mensalidade cobre a operação do sistema, o treinamento, o suporte e a adição de novas configurações. Um estudo mais aprofundado, para saber, por exemplo, o fator de contratação necessário para cobrir faltas, só é realizado se há demanda do cliente — em geral, para os maiores.
Nesses casos, o projeto leva quatro meses para entrar em funcionamento, pois é necessário treinar novamente as pessoas e mudar os procedimentos para controlar horas extras, checar holerites e validar uma série de situações. “Este ano, devemos triplicar o faturamento em relação ao início de 2018”, diz Pedro, que seguiria para Fortaleza após a entrevista. “Estamos em quase todos os estados, apesar de nossa base de clientes se concentrar no Sul e no Sudeste. Mas vamos expandir para o Nordeste agora.”
Segundo o fundador, este é um bom momento para crescer nacionalmente. A recente e polêmica reforma trabalhista não interferiu tanto nos negócios. O que aconteceu foi uma demanda maior por ferramentas de banco de horas, diretamente acordado entre empresa e colaborador. A seu ver, uma mudança maior — e positiva — veio da obrigação de prestar contas para o Sistema de Escrituração Fiscal Digital das Obrigações Fiscais Previdenciárias e Trabalhistas, o eSocial, unificação do envio dos dados sobre trabalhadores em um mesmo site.
“Ele exige que a empresa esteja muito mais organizada do que estava antes”, conta Pedro. Um bom gancho para startup conquistar novos clientes.
(Reportagem publicada originalmente em dezembro de 2018.)
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