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O que aconteceu com o “Uber” da periferia paulistana? Conseguiu regularização e, agora, enfrenta o gigante

Marcela Marcos - 2 abr 2018 Alvimar da Silva e a filha, Aline Landim, empreendedores da Jaubra — Uber para a Brasilândia, na periferia de São Paulo.
Alvimar da Silva e a filha, Aline Landim, empreendedores da Jaubra — Uber para a Brasilândia, na periferia de São Paulo.
Marcela Marcos - 2 abr 2018
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Dirigindo pelas rotas periféricas de São Paulo, Alvimar da Silva, 50, percebeu que, para fazer a diferença no mundo, teria que começar pelo seu próprio bairro, a Brasilândia, na zona norte da capital paulista. Isso porque os motoristas da Uber e outros aplicativos evitavam a região, por medo da quebrada, deixando os moradores praticamente sem acesso ao serviço. Alvimar enxergou aí uma oportunidade e criou, há cerca de um ano, praticamente uma versão de bairro do famoso aplicativo, que chamou de Ubra, ou “União da Brasilândia”. A história que vamos contar hoje é a da trajetória, no último ano, desde a criação do app alternativo até sua recente formalização: hoje chamado Jaubra — e conhecido como “Uber da periferia”.

O idealizador do negócio sempre trabalhou como motorista e era figurinha conhecida do bairro. Sempre envolvido com a molecada que jogava futebol, já tinha sido presidente de associação de moradores e, enquanto dirigia só para a Uber, já distribuía seu cartão para os colegas da Brasilândia. No final de 2016, como não parava de receber chamadas de moradores, decidiu montar, paralelamente ao trabalho para o aplicativo internacional, uma “central de atendimento improvisada”.

Funcionava assim: a filha de Alvimar, Aline Landim de Sousa Silva, 28, anotava, em uma garagem do bairro, os pedidos de corrida feitos por telefone. Enquanto isso, o pai fazia as corridas combinadas e divulgava o cartão com o número de telefone da central telefônica, composta por um telefone fixo e um celular.

O valor cobrado era de 2 reais por quilômetro rodado (cuja distância era medida pelo Google Maps). Começou a dar tão certo que, sozinho, Alvimar já não dava mais conta da demanda. “Fiz o famoso boca a boca para divulgar e minha agenda triplicou. Recebi tantas chamadas, que passei até algumas para amigos taxistas”, conta. A família embarcou na ideia e, além de Aline, o outro filho e uma sobrinha de Alvimar passaram a fazer parte da equipe.

DO IMPROVISO À FORMALIZAÇÃO

Estava claro que, sozinho, Alvimar não conseguiria suprir a demanda de um mercado pulsante e que era, visivelmente, marginalizado. O motorista, que, nas primeiras semanas de atividade da Jaubra, já não precisava mais fazer corridas pela Uber, passou a convidar amigos motoristas — que também trabalhavam para a gigante americana — para fazer parte de sua empresa. Ao dirigir para Alvimar, com os carros deles próprios, ficariam com 15% do valor combinado pela corrida.

A vantagem para a população local seguia uma lógica simples: os motoristas da Jaubra não tinham pudor de trafegar na quebrada porque eram de lá, diferente do que acontece até hoje com os outros apps, como fala Alvimar:

“A maioria dos aplicativos vetou os ‘bairros do fundão’, considerados área de risco. Por isso que o modus operandi que implantei deu certo”

E emenda: “Muitas vezes, a gente nem precisa usar o GPS para ir até a casa do cliente porque já sabe onde é”. Na primeira semana, eram três condutores trabalhando para na empresa: Alvimar e dois amigos. Em fevereiro do ano passado, mês em que foi criada, a empresa recebeu, em média, 2 mil chamadas. “Muitas delas eram de pessoas querendo voltar dos ensaios das escolas de samba mais próximas (Mocidade Alegre, Rosas de Ouro, Império de Casa Verde), que, antes, tinham que esperar amanhecer para pegar ônibus e voltar para casa”, conta o empreendedor.

O Jaubra roda no sistema Android, com interface bem simples. No offline, roda na Brasilândia, onde conhecer o bairro vale mais que o GPS.

O Jaubra roda no sistema Android, com interface bem simples. No offline, roda na Brasilândia, onde conhecer o bairro vale mais que o GPS.

Foi com o apoio, inclusive financeiro, da filha Aline que Alvimar saiu do improviso para a formalização de um negócio (devidamente registrado somente no fim do ano passado). “Ela era bancária há seis anos e foi incentivada pelo próprio chefe a pedir demissão do banco para ser meu braço direito porque ele dizia ‘olha, seu pai está em um empreendimento muito bom’.” Com a grana da rescisão, Aline investiu cerca de 20 mil reais na Jaubra para a compra de materiais de escritório e um computador novo. Em outubro de 2017, a média mensal de chamadas havia triplicado e, em dezembro último, saltou para 13 mil.

Foi também em dezembro que o negócio — que vinha sofrendo pressão da administração municipal por estar sujeito à fiscalização — conseguiu a regularização, podendo operar formalmente através da infraestrutura do aplicativo que ganhou de uma empresa. Com isso, Alvimar conseguiu montar uma estrutura semelhante à da gigante americana, mas em menor proporção, claro.

Em janeiro deste ano a startup passou a se chamar Jaubra, para dar a ideia de um serviço instantâneo “já + Ubra”, como diz Alvimar. No aplicativo, que roda no sistema Android, porém, o nome ainda continua Ubra. A Jaubra tem atualmente 400 motoristas cadastrados e uma frota de aproximadamente 60 carros. Desses, cerca de 20 trabalham apenas para Alvimar e os demais se dividem dirigindo também para outros apps de transporte. A questão é: agora, que estão legalizados, passam a concorrer com a própria Uber.

EXIGÊNCIAS SEMELHANTES, PARTICULARIDADES LOCAIS

De acordo com Alvimar, os requisitos para dirigir para a Jaubra são parecidos com os de aplicativos do gênero: carro modelo 2010 ou mais novo, com quatro portas e cinco assentos, limpo e com ar condicionado. Mas mesmo na questão da limpeza, há que se considerar a particularidade da Jaubra, que é trafegar por ruas geralmente sem asfalto.

“Se o carro estiver sujo, a gente chama atenção do motorista, mas eu sei que tem lugares aqui que empoeiram demais o veículo, então falo que, pelo menos por dentro, tem que estar aspirado”, afirma o paulistano, que também exige documentação dos motoristas, embora reconheça já ter aberto exceções quanto a antecedentes criminais. Ele conta o porquê: “Temos um motorista que já passou pelo sistema prisional e é um dos mais elogiados pelos passageiros. Demos essa oportunidade porque sabemos o quanto é difícil para alguém como ele se recolocar no mercado. E eu já conhecia a índole dele, sabia que era de confiança”.

Ainda sobre o perfil dos motoristas da Jaubra, ele diz que apenas 10 são mulheres: “Se já é complicado para homem trabalhar em área de risco, imagina para mulher? Ao mesmo tempo, as que trabalham para gente rodam até de madrugada porque conhecem bem a região”.

Mas o perigo, ele diz, não está concentrado ali. “É claro que já tivemos problemas com assalto, principalmente roubo de celular, que, no começo, era muito comum, mas recentemente um motorista nosso foi assaltado no Parque Dom Pedro (região central). A violência está em todo lugar”. Aliás, segundo Alvimar, está acontecendo um movimento inverso: as ocorrências com motoristas da Jaubra estão diminuindo, na medida em que conquistam respeito na comunidade.

“A gente leva a molecada para o fluxo (bailes funk), mas eles sabem que, de dia, também somos nós que levamos a mãe e a avó deles para o médico, o supermercado”

Por falar em supermercado, Alvimar conta que, com pouco mais de um ano de operação, uma das únicas mudanças que a Jaubra fez na tarifa foi cobrar 5 reais do passageiro para guardar compras no porta-malas. “Esse dinheiro fica todo para o motorista”, diz ele.

A então Ubra foi notícia na BBC Brasil no ano passado, que mostrou a central telefônica da startup (imagem: reprodução foto Felipe Souza/BBC Brasil).

A então Ubra foi notícia na BBC Brasil no ano passado, que mostrou a central telefônica da startup (imagem: reprodução foto Felipe Souza/BBC Brasil).

O empreendedor conta que, hoje, maior dificuldade da Jaubra é justamente a forma de cobrança. O sistema da Uber, por exemplo, tem a chamada “tarifa dinâmica”, que aumenta os valores de forma gradual quando a demanda de passageiros é maior que a oferta de motoristas em determinado período ou local.

“Isso não funcionaria para a gente. Não tem como eu cobrar esse preço maior dos nossos clientes que, em sua maioria, são de baixa renda. Os finais de semana me complicavam muito, porque os outros aplicativos colocavam a tarifa dinâmica e eu tinha que me virar para segurar os motoristas”, diz.

SE FALTA GRANA, SOBRA CRIATIVIDADE — E AGORA CHEGOU O REFORÇO

Se não há tecnologia ou recursos financeiros abundantes, criatividade não falta na Jaubra. A saída, pensada por Alvimar, foi não descontar nada dos seus condutores quando as corridas de fim de semana fossem de até 10 reais. Mas talvez o motivo mais forte para a fidelização de seus motoristas seja oferecer a oportunidade de emprego: “Tenho casos em que pai e filho trabalham para mim e, com isso, ajudam a família toda a ter uma condição melhor”.

Alvimar acredita que seu negócio tem potencial para chegar ainda mais longe. Há dois meses, a Artemísia, que incentiva negócios de impacto social, anunciou junto à Ford três startups selecionadas para receber capital-semente de 6,6 mil dólares do programa Ford Fund Lab: Inovação e Mobilidade. E a Jaubra é uma delas. Os novos investimentos da empresa vão servir para melhorar a interface digital, que passará a operar, ainda neste primeiro semestre, por uma nova plataforma para aumentar a capacidade de atendimento concentrada hoje, além da Brasilândia e regiões vizinhas, na região central de São Paulo.

Mesmo com um aplicativo similar a outros do mercado, Alvimar sabe que alguns traços não podem se perder. “Vamos continuar com uma central de atendimento por telefone porque muitos clientes não têm familiaridade com a internet”, diz. Os próximos passos? “Fazer um trabalho social sem depender do estado, começando pelo meu bairro para, depois, expandir para outros”, diz o fundador da Jaubra que enxerga outras oportunidades, mas sabe que sua prioridade — e excelência — é atender bem a periferia.

DRAFT CARD

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  • Projeto: Jaubra
  • O que faz: Aplicativo de transporte particular voltado para a periferia
  • Sócio(s): Alvimar da Silva
  • Funcionários: 8
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: Fevereiro de 2017
  • Investimento inicial: R$ 20.000
  • Faturamento: faz cerca de 10 mil viagens por mês
  • Contato: (11) 2776-0946 (Central de Atendimento)
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