por Daniel Resende
Eu tinha 14 anos quando meu pai perdeu o emprego como executivo em uma indústria multinacional. O conforto financeiro que tínhamos até então caiu por terra.
Meu pai até considerou voltar para a ciranda corporativa, mas estava mais propenso a evitá-la de qualquer maneira. Seu plano era outro. Ele se sentou comigo, explicou os parcos conhecimentos que tinha sobre o mercado financeiro e me chamou para ajudá-lo. Seu objetivo ficou claro para mim: teríamos que fazer durar até o fim das nossas vidas o dinheiro que a família tinha conseguido acumular até aquele momento.
Tive que deixar uma das escolas mais tradicionais de São Paulo e me matricular no ensino público. Felizmente, passei no vestibular da Escola Técnica Federal (atual IFSP). Desde então, nunca mais paguei pelo ensino formal. Mas reduzir as despesas não era o suficiente: era preciso fazer o patrimônio da família crescer.
Começamos então a fazer nossas primeiras operações no mercado financeiro. Meu pai tinha noções de economia e finanças, mas não dominava os números. Ele sabia mais ou menos a direção em que deveria ir, mas era como caminhar na neblina. Nossa falta de experiência dificultava a compreensão e execução das estratégias. Mesmo assim, continuávamos firmes em nossa missão.
Eu e meu pai estudamos tudo que podíamos sobre investimentos. Jamais fomos contaminados pelo papo de vendedor do gerente do banco
A desbancarização não foi efeito de propaganda, ela já estava em nossa essência. Passamos por cenários econômicos conturbados, com altos e baixos. Teve a explosão do real, a crise do governo Lula, a crise subprime de 2008…
No começo, decidimos terceirizar uma parte da gestão do patrimônio aplicando em fundos de investimento. Entregar um pedaço do dinheiro para alguém que parecia saber o que estava fazendo soava uma boa estratégia. Afinal, estávamos aprendendo como o mercado funcionava.
Entre outros investimentos, aplicamos no Fundo Verde, o que nos abriu muitas portas. Todos os anos participávamos dos encontros com Luis Stuhlberger, o gestor do Verde. Ele é quase um mito no mercado financeiro. É “o” cara, aquele que acerta na maior parte das vezes. O que aprendemos de macroeconomia com ele nos ajudou a direcionar nossos próprios estudos. O Verde, no entanto, logo fechou para aplicações.
Neste ponto, começamos nossa busca pelo gestor perfeito para o nosso patrimônio — foi quanto criei meu primeiro robô: ele “lia” um arquivo PDF da finada Gazeta Mercantil com dados brutos de cotas de fundos de investimento, limpava os dados e me entregava as informações mais relevantes, o que tornava mais fácil a tarefa de analisar os fundos.
Fui aprimorando esta tecnologia e ela acabou se tornando o embrião do Comparação de Fundos, o primeiro site brasileiro a oferecer informações com transparência sobre dezenas de milhares de fundos de investimento (e a iniciativa que me tiraria do anonimato alguns meses depois). Nessa época, eu já tinha me formado em Direito pela USP e havia direcionado minha carreira para a gestão de fundos patrimoniais sem fins lucrativos, que no exterior são conhecidos como endowments.
Junto a outros dois sócios que eram amigos da faculdade e alguns programadores, lançamos o Comparação de Fundos em 2011 e fundamos a Vérios, uma fintech que tem como objetivo ajudar pessoas comuns a investir melhor seu dinheiro, protegendo-as das armadilhas do mercado.
Enquanto isso, meu pai e eu começamos a adotar uma estratégia que parecia vencedora: criávamos um ranking dos fundos com maior rentabilidade (os critérios eram um pouco mais complexos, mas na essência era um ranking) e investíamos nos que estavam no topo. Com o banco de dados do Comparação de Fundos, analisamos mais de 15 mil fundos no mercado.
Essa estratégia funciona razoavelmente bem em mercados com bom desempenho, como entre 2002 e 2007, quando qualquer ativo em que você investisse daria bons retornos. Mas não se provou consistente quando o cenário ficou mais difícil.
Fundos de investimento vivem de buscar rentabilidades acima da média. Mas, para isso, eles correm um bocado de risco só para pagar sua própria taxa de administração
E depois, ainda mais risco para conseguir obter resultados acima da média do mercado. Isso fica bem evidente nos momentos de estresse.
Os riscos são amplificados pela taxa de performance (cobrada quando a rentabilidade supera um determinado patamar de referência). Essa taxa é a oportunidade para o gestor fazer uma bolada nas boas marés do mercado simplesmente por incentivar o cliente a tomar mais risco. Funciona assim: quando dá certo os ganhos são divididos com a gestão do fundo e com os assessores que fizeram a recomendação do investimento, mas quando o lado ruim do risco vem, as perdas ficam todas para o cliente.
O problema dos riscos pouco transparentes e dos custos altos ameaçava perseguir nosso patrimônio para sempre se continuássemos investindo em fundos. Isso me fez querer desenvolver uma solução que superasse essas falhas.
Iniciamos, então, uma estratégia baseada em investir diretamente nos ativos financeiros, que muitas vezes os mesmos em que os fundos investiam, só que com menos intermediários e portanto uma cadeia menor de instituições para morder os recursos.
Tivemos muitos benefícios, os principais foram: reduzir o custo de investir, evitar o conflito de interesses e passar a ter controle do risco real que estávamos assumindo com nossa carteira de investimentos. Após alguns anos, isso significou muito mais rentabilidade.
Com todo o aprendizado que acumulei desde então, posso dizer que um bom investimento é algo muito diferente do formato romantizado que se vê por aí, na internet e no cinema, onde o estereótipo do homem de sucesso procura uma estratégia inusitada, que ninguém nunca pensou antes, e realiza uma tacada certeira no mercado financeiro enquanto toma um Martini no Caribe.
Investir bem não tem glamour algum: é fazer um monte de contas entediantes e alocar seu dinheiro de forma diversificada e equilibrada
É isso que vai contribuir para o seu patrimônio crescer e ser levado para o futuro.
Além disso, dois dos pontos mais importantes para quem lida com investimento são a tributação e os custos. Taxas e impostos têm impacto grande e recorrente no seu patrimônio. Por outro lado, veja só, estas são as variáveis mais controláveis da sua carteira de investimentos. O assunto é complexo e iria muito além deste artigo, é claro.
Para condensar todo o aprendizado acumulado nesses anos de experiência em uma solução real de investimento, começamos a desenvolver na Vérios algoritmos cada vez mais elaborados, capazes de analisar rentabilidade, custos, riscos, liquidez e tudo que importa. Algoritmos que são nada mais do que cálculos matemáticos bem complexos, que hoje podem ser realizados rapidamente graças à tecnologia. É o que chamo de robô.
O robô tem se mostrado mais eficiente do que qualquer estratégia que tentei antes. E foi assim que decidi admitir que tentar adivinhar o que vai acontecer no mercado muitas vezes é um obstáculo, não um benefício, para a construção de patrimônio. Decidi abrir mão, inclusive, da minha opinião de gestor de investimentos.
Resolvi substituir meus achismos por um modelo matemático de tomada de decisão. Deixei nosso patrimônio ser gerenciado por um robô
Eu ainda estou ali supervisionando a operação do robô, fazendo ajustes no dia a dia, mas não dou pitacos macroeconômicos. Não há vieses emocionais.
O mercado financeiro segue uma lógica perversa de fazer você viver correndo atrás do melhor investimento do momento porque é assim que ele ganha mais dinheiro, não porque isso é o certo a se fazer.
É como se o mercado te incentivasse a sempre apostar na Mega Sena jogando com os números que foram sorteados na semana anterior. Mas a responsabilidade de levar o patrimônio da minha família para sempre me obrigou a ter uma relação diferente com a incerteza.
A realidade é que não saber o que vai acontecer está na essência de investir
Durante muitos anos, procurei alguém que soubesse prever o futuro, mas só encontrei pessoas sentadas em salas de reuniões impecáveis no alto de torres de vidro na Faria Lima, munidas de MBAs, CFAs, CNPQs, C3POs… Pessoas que cobravam caro para prever o futuro. Mas esta é uma habilidade realmente difícil — eu diria impossível —, mesmo para aqueles que vestem os ternos mais alinhados.
Niels Bohr, físico reconhecido com o Prêmio Nobel em 1922, certa vez disse: “Fazer previsões é muito difícil, especialmente se forem sobre o futuro.” No mercado financeiro e na economia em geral, todo mundo é muito bom em explicar o que já aconteceu, identificar os padrões que “já indicavam que isso ia acontecer”. No passado, é sempre fácil. E com isso se convencem de que pessoas inteligentes podem também prever o futuro, mas a prática mostra que não é bem assim.
O robô que comecei a criar para resolver o problema da minha família ganhou o mundo graças ao empenho da equipe da Vérios. O que fazemos lá? De certa forma, somos como uma máquina do tempo do dinheiro: ajudamos pessoas como você e o meu pai a transferir dinheiro de hoje para o futuro com a melhor relação entre risco e retorno.
Daniel Resende, 31, é cofundador e diretor de Estratégia de Investimento da Vérios.
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