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“O que aprendi sobre o futuro do empreendedorismo de impacto participando de fóruns sociais em 17 países”

Raphael Mayer - 26 abr 2024
Raphael Mayer na Malásia junto de alunos do projeto Ascendance.
Raphael Mayer - 26 abr 2024
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Na essência, o empreendedor social é uma pessoa inquieta, cujo incômodo permanente funciona como uma força que o impulsiona na busca por respostas para indagações — grandes e pequenas — do nosso tempo.

Em um panorama global marcado por crescente fragmentação, aprofundamento das desigualdades e tensões geopolíticas, econômicas e ambientais, desenvolver a capacidade contínua de aprender a aprender se torna um imperativo para a sobrevivência. Não apenas do negócio, mas do ser humano interessado em contribuir com iniciativas de impacto positivo no mundo. 

Com essa reflexão, há exatos dois anos — seis anos após fundar a Simbi, startup especializada no investimento social de grandes empresas –, comecei a pensar sobre o retorno aos estudos e na possibilidade de fazer um MBA.

POR QUE NÃO CRIAR A PRÓPRIA TRILHA DE APRENDIZADO?

Longe de ser uma decisão trivial, em decorrência dos custos e investimentos pessoais que isso envolve, iniciei uma série de conversas com mentores.

De um deles, Edgard Barki (professor-doutor da Fundação Getulio Vargas, coordenador da FGVcenn e, atualmente, pesquisador-visitante na Durham University Business) veio uma das provocações mais espetaculares que recebi:

Por que não estruturar quais conhecimentos deseja adquirir e pensar em como criar uma trilha de aprendizado capaz de suprir essa demanda? 

Esse questionamento alterou o meu modo de organizar a jornada, em 2023. Assim, comecei a pensar sobre como articular o conhecimento do empreendedorismo social para desenvolver novas soft e hard skills.

A ideia seria usar minha rede de relacionamento profissional e pessoal para criar um projeto de estudos alinhado com as atuais demandas internas e os caminhos futuros da Simbi. 

DECIDI QUE MEU MBA INFORMAL SERIA VIAJAR PARA ACOMPANHAR OS PRINCIPAIS FÓRUNS SOCIAIS DO MUNDO

Muitas contas foram feitas e refeitas, prós e contras pesados e horas e horas dedicadas a conversas para finalmente chegar a um desenho final: oito meses de estudos em quatro continentes; 17 países da Ásia, Europa, América do Norte e do Sul.

O objetivo era acompanhar os principais fóruns sociais do mundo, como Skoll World Forum (Universidade de Oxford, Inglaterra), Climate Week NYC (EUA), Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU, EUA), Global Philanthropy Forum (EUA), B for Good Leaders (Holanda), AVPN Global Conference (Malásia), entre outros. 

Essa foi a forma que encontrei para chegar a alguns dos resultados que eu almejava, como ter acesso ao que há de mais inovador no ponto de vista do investimento social no mundo, expandir minha rede de impacto fora do Brasil, entender como as grandes fundações globais estão pensando e alocando suas verbas.

Como resultado conquistado no percurso, posso dizer que o aprendizado consolidou as habilidades que eu esperava adquirir em uma jornada de educação formal, abriu incontáveis portas para a Simbi e possibilitou trocas com muitos atores que estão transformando o cenário internacional.

Mas também é importante reforçar que a consciência do privilégio que é ter uma oportunidade como essa me coloca na responsabilidade de não apenas agir para interesse de desenvolvimento pessoal, como também para o cenário de impacto no Brasil como um todo

Criar todas essas redes foi, também, uma forma de entender como podemos trazer mais olhares e investimento estrangeiro para o nosso país. 

O QUE É E QUAL A IMPORTÂNCIA DA DECOLONIZAÇÃO DO INVESTIMENTO SOCIAL

Viver essa imersão, participando de 12 fóruns globais de impacto social, confirmou a minha percepção de que o mundo vive uma nova dinâmica do investimento social.

No Global Philanthropy Forum, realizado na Califórnia (EUA), por exemplo, acompanhei debates sobre a “decolonização do investimento social”.

Trata-se de uma movimentação para que investidores estabeleçam processos para abraçar as novas formas de trabalhar, estabelecer redes e maneiras distintas de aprendizagem para além das fronteiras convencionais.

Ou seja, uma série de medidas concretas para transferir poder para os indivíduos e para as comunidades mais vulneráveis. Sim, o cerne desse pensamento é estruturar formas de abrir mão de poder

Em todos os fóruns que acompanhei, nas conversas que tive com líderes dos principais institutos globais e das fundações – que aportam recursos em ONGs e projetos –, uma mensagem era recorrente: a urgência em escutarmos a voz dos membros das comunidades desfavorecidas.

OS RECURSOS DE AJUDA HUMANITÁRIA NÃO PODEM FICAR CONCENTRADOS NA MÃO DE ANTIGOS COLONIZADORES OCIDENTAIS

A construção de soluções deve ser coletiva de fato. Nesse sentido, um exemplo que posso dividir é a RealtimeAid, criado no Reino Unido e com escritório Alemanha.

O projeto articula ajuda financeira internacional para iniciativas locais, especialmente em territórios em conflito e sem acesso à ajuda humanitária de grandes organizações. 

Conversando com Tarek Alsaleh, fundador da iniciativa, ele me contou que o foco é localizar ajuda e garantir que a tomada de decisão ocorra onde há necessidade – um modelo de rede que exclui intermediários.

Raphael com Tarek Alsaleh, fundador da RealtimeAid.

Para se ter uma ideia da importância desse trabalho, dos 147 bilhões de dólares articulados em ajuda humanitária, somente 2% dos fundos chegam às mãos locais, de acordo com Alsaleh.

A maioria dos recursos, inclusive, são controlados por governos ocidentais, organizações da ONU e grandes ONGs multinacionais.

E, na prática, isso cria disparidade de poder, porque o dinheiro está nas mãos de antigos colonizadores ocidentais. Esse recurso, segundo ele, não fala a língua local, dos antigos colonizados, e está envolto em burocracias para ser aplicado

Um território de atuação da RealtimeAid é a Síria, onde dez organizações locais são apoiadas na execução de projetos comunitários que vão de centros de aprendizagem para crianças com necessidades especiais, passando por aulas de esportes para jovens traumatizados até a readequação de antigas prisões do Estado Islâmico no Iraque e na Síria (ISIS) para transformá-las em espaços de lazer seguros para todos.

A DECOLONIZAÇÃO TAMBÉM PODE SER ETÁRIA

Outro exemplo da tendência de repensar a atuação é a Ascendance, cofundada por Harsha Ravindran, na Malásia.

Conheci essa empreendedora social de 21 anos em Oxford, Inglaterra, no Skoll World Forum. Na ocasião, ela me convidou a visitar a organização na capital do país, Kuala Lumpur.

O movimento internacional liderado por ela já impactou mais de 55 mil jovens estudantes de 26 países.

Raphael com a cofundadora da Ascendance, Harsha Ravindran.

Na prática, a organização cria oportunidades para que os alunos descubram a própria paixão, obtenham experiências do mundo real – por meio da aprendizagem experiencial – e comecem a construir carreiras sustentáveis.

São mais de 1 800 escolas e instituições parceiras e mais de 700 professores envolvidos. 

Em colaboração com o Ministério da Educação da Malásia e parceiros globais, a organização tem feito a diferença na educação ao oferecer aprendizagem experiencial para complementar as disciplinas do ensino fundamental e médio

A iniciativa administra programas de intervenção complementar para alunos com dificuldade – assim, durante um ano, podem cultivar os seus pontos fortes e melhorar as notas.

Um ponto fundamental é que a Ascendance conta com equipe composta por jovens da Geração Z, com idades entre 8 e 23 anos.

Ou seja, uma “decolonização etária”, na qual a juventude remodela os conteúdos educacionais para que eles tenham mais significado à luz do público-alvo.

OUVIR AS VOZES DE QUEM VIVE OS PROBLEMAS SOCIAIS É FUNDAMENTAL PARA AS DECISÕES DE INVESTIMENTO

Esses e outros exemplos mostram que parte significativa dessa decolonização do investimento social passa por incorporar a lógica de colaboração, de investimentos transversais e de coinvestimento.

Essa tríade propõe que devemos reunir o investimento de empresas, organizações e governos – liderados pela voz da comunidade – em um mesmo território, dentro de uma perspectiva de atuação complementar.

Não basta, por exemplo, uma região ter um atendimento público de saúde de ponta, se não há saneamento básico ou acesso a alimentos de qualidade e a um preço acessível

Esse conhecimento pragmático está na vivência dos vulneráveis – por isso, ouvir essas vozes é fundamental para as decisões de investimentos.

Minha jornada itinerante teve final em novembro de 2023, mas os aprendizados e as conversas permanecem no meu cotidiano.

Muitas das pessoas que conheci se tornaram amigos, parceiros de negócio da Simbi e aliados incríveis e potentes da transformação positiva que queremos promover no mundo. 

 

Raphael Mayer é formado em administração com especialização em empreendedorismo social pela Fundação Getulio Vargas. Eleito Forbes Under 30 Brasil em 2020, ele é cofundador da Simbi Social e vencedor do Prêmio Empreendedor Social de Futuro 2018.

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