Governança é o “G” da sigla ESG, cujo significado já apresentamos aqui neste Glossário. Apesar do que o nome sugere, porém, o termo não tem a ver com práticas governamentais. Também conhecido como governança corporativa, o conceito tem raízes no ambiente empresarial e é definido assim pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC):
“Sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas.”
Ainda de acordo com o IBGC, “as boas práticas de governança corporativa convertem princípios básicos em recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor econômico de longo prazo da organização, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para a qualidade da gestão da organização, sua longevidade e o bem comum.”
Como um dos pilares do ESG, a governança se relaciona com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU) – mais diretamente com o ODS 16 (Paz, justiça e instituições eficazes).
Por isso, em junho de 2021, o Pacto Global da ONU lançou uma ferramenta para acelerar a ação empresarial em relação ao “G” do ESG. A “ODS 16 Enquadramento Empresarial: Inspirando a Governança Transformacional”, em tradução livre, tem por objetivo auxiliar as empresas a aderir à governança transformacional, que exige que os negócios sejam mais responsáveis, éticos, inclusivos e transparentes.
Em linhas gerais, a governança corporativa está estruturada nos seguintes pilares:
Disponibilizar informações que sejam de interesse público ou de atores que se relacionam com a empresa (acionistas, consumidores, fornecedores, parceiros, ONGs etc.) e não somente dados divulgados por imposições de leis ou de regulamentos. A transparência vai além do desempenho econômico-financeiro, contemplando os demais fatores (inclusive intangíveis) que norteiam a ação gerencial e que preservem e otimizem o valor da organização;
A atuação da empresa e de seus gestores deve ser exposta de modo claro, conciso, compreensível e tempestivo, assumindo integralmente as consequências de seus atos e omissões e atuando com diligência e responsabilidade;
Tratamento justo e isonômico de todos os sócios e demais partes interessadas (stakeholders), levando em consideração seus direitos, deveres, necessidades, interesses e expectativas;
Os agentes de governança devem zelar pela viabilidade econômico-financeira das organizações, reduzir as externalidades negativas de seus negócios e suas operações e aumentar as positivas, levando em consideração os diversos capitais (financeiro, intelectual, humano, manufaturado, social, ambiental, reputacional etc.) no curto, médio e longo prazos.
As raízes da governança estão na popularização da chamada propriedade dispersa, em que as empresas deixam de ser bens controlados por poucos indivíduos ou famílias e passam a ter fatias do seu capital (ações) negociadas no mercado. A prática se iniciou nos Estados Unidos, por volta dos anos 1920 e ganhou o mundo no pós-guerra, na segunda metade da década de 1940.
A partir de então, a estrutura de propriedade dispersa, com ações negociadas no mercado de capitais, tornava-se característica cada vez mais comum entre suas empresas. Paulatinamente, esse tipo de controle passou a caracterizar empresas também em outros países.
Com cada vez mais empresas sob controle de acionistas, passou a ser comum que os sócios majoritários contratassem profissionais para presidir o conselho administrativo (chairman) e para comandar os negócios (CEO).
Em seu site, o IBGC explica que, em 1976, os economistas Michael Jensen e William Meckling publicaram o clássico estudo Theory of the Firm: Managerial Behavior, Agency Costs and Ownership Structure, sobre como empresas americanas e britânicas estavam delegando suas administrações – e que impactos esse tipo de estrutura corporativa estavam causando. O paper deu origem à Teoria da Firma ou Teoria do Agente-Principal.
De acordo com os pesquisadores, a situação-problema do agente-principal se dá quando o controlador (principal) contrata um terceiro (agente) para administrar a empresa. A dupla observou que os executivos e conselheiros contratados tendiam a tomar decisões que aumentassem seus benefícios (estabilidade, maiores salários, mais poder decisório etc.) priorizando seus interesses em detrimento dos da empresa, de seus acionistas e de seus stakeholders (demais interessados na empresa).
A sugestão dos autores para minimizar o problema foi a de que as corporações adotassem medidas para alinhar os interesses dos envolvidos, objetivando, acima de tudo, o sucesso dos negócios.
“Para tanto, foram propostas medidas que incluíam práticas de monitoramento, controle e ampla divulgação de informações. A este conjunto de práticas convencionou-se chamar de governança corporativa.”
Contudo, o primeiro documento compilando boas práticas de governança corporativa só surgiu em 1992: o Relatório Cadbury, publicado no Reino Unido. Ele foi fruto de um caldeirão de discussões entre acadêmicos, investidores e legisladores em busca de estruturar mecanismos e marcos regulatórios para inibir escândalos contábeis e administrativos que se acumularam nos anos 1980 e 1990.
Também em 1992, a General Motors (EUA) foi a primeira empresa a publicar um documento com princípios de governança. A demanda reprimida por regras escritas de governança era tamanha que foi identificada por uma pesquisa feita pelo fundo de pensão Calpers (California Public Employees Retirement System) em 1995: três anos depois do pioneirismo da GM, cerca de 70% das 300 maiores empresas dos EUA tinha seu próprio manual com princípios de governança.
A onda de governança também atingiu o Brasil nos anos 1990 – de carona com as privatizações e com a abertura do mercado nacional a empresas e produtos estrangeiros. Em 1995, foi criado o Instituto Brasileiro de Conselheiros de Administração (IBCA). Em 1999, o IBCA virou IBGC e, no mesmo ano, lançou seu primeiro Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa.
Com o passar dos anos, a governança se consolidou na agenda global com apoio de entidades como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que criou o Business Sector Advisory Group on Corporate Governance – fórum que discutiu e elaborou princípios internacionais para adequação de leis, atuação de órgãos regulatórios e formulação de recomendações sobre governança.
A relevância global do tema passou a influenciar o mercado financeiro: investidores passaram a pagar mais por empresas com boas práticas de governança corporativa. Ou seja, notou-se que investir nesse caminho era benéfico para a longevidade das empresas.
Com escândalos corporativos se avolumando no início do século 21 (destaque para fraudes financeiras da empresa de energia americana Enron, cuja auditoria era feita pela Arthur Andersen), a divulgação de balanços das empresas, bem como a atuação das auditorias, entraram no centro dos debates sobre governança. Tanto que em 2002, o congresso dos EUA aprovou a Lei Sarbanes-Oxley (SOx) que visa a criação de mecanismos de auditoria e segurança confiáveis nas empresas, incluindo regras para a criação de comitês que supervisionem atividades e operações a fim de mitigar riscos, evitar fraudes ou identificá-las.
Cooperativas e organizações sem fins lucrativos (terceiro setor) também podem se beneficiar dos princípios de governança corporativa. No caso das cooperativas, a adoção de boas práticas pode aprimorar a administração e os relacionamentos entre os participantes desse sistema (cooperados, administradores, funcionários e a sociedade), reduzindo potenciais conflitos e riscos.
Entre as organizações da sociedade civil, disseminar as práticas de governança pode estabelecer as bases para um sistema de autorregulação do terceiro setor. De acordo com o Guia das Melhores Práticas de Governança para Fundações e Institutos Empresariais, do IBGC, os “principais agentes – sejam eles financiadores ou executores de projetos – podem e devem adotar práticas que sirvam de exemplo para os demais, reforçando a legitimidade do setor.”
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