Iniciemos com um comentário da socióloga Neide A. de Almeida sobre o letramento racial:
“Este conceito remete à racialização das relações, ou seja, o estabelecimento arbitrário de direitos e lugares hierarquicamente diferentes para brancos e não-brancos, que legitima uma pretensa supremacia do branco.”
Em gramática, o letramento é um estágio posterior à alfabetização. Depois de decodificar a linguagem a ponto de ler e escrever, o aprendiz está apto a compreender que ela é, ao mesmo tempo, produto e produtora da realidade.
Logo, o letramento racial é um conjunto de práticas que nos ensina a enxergar como as relações raciais modelam o mundo e como elas são modeladas por ele. Trata-se, portanto, de um elemento crucial para uma (re)educação antirracista. Essa prática passou a fazer parte dos programas de diversidade de grandes empresas, sobretudo para os alto executivos.
O conceito de racial literacy foi criado pela socióloga americana France Winddance Twine em 2003 e a primeira tradução para o português é atribuída à psicóloga Lia Vaine Schucman.
De acordo com Lia, o letramento racial está relacionado com a necessidade de desconstruir formas de pensar e agir que foram naturalizadas. Para isso, ela propõe os seguintes passos:
No Brasil, as pessoas brancas são beneficiadas pela falsa ideia de superioridade reforçada desde os tempos da colonização. Isso faz com que esse grupo ocupe posições privilegiadas, que facilitam o acesso a espaços de decisão.
Estatísticas e dados comprovam que a população preta é predominante nos índices de vulnerabilidade social. Políticas públicas e ações afirmativas são importantes para construir alternativas para esse cenário de desigualdades.
Uma criança não nasce dominando uma linguagem, ela passa por um processo de alfabetização e de letramento para assimilá-la. O mesmo acontece com o racismo, que é reforçado por meio de códigos e relações aprendidas ao longo da vida.
Expressões como “inveja branca” e “a coisa tá preta” são estereótipos associados a pessoas brancas e pretas que perpetuam discursos racistas. A primeira é associada à bondade e a segunda tem conotação negativa. Ao substituí-las por sinônimos, o vocabulário rompe o ciclo.
Uma vez desconstruído o mito da democracia racial, interpretar códigos racistas em diversos contextos fica mais fácil. Dessa forma, pessoas pretas e brancas serão capazes de pensar soluções que contemplem as necessidades de todos os cidadãos.
Como mencionamos anteriormente, o letramento é uma ferramenta para a educação antirracista. Neide A. de Almeida faz algumas sugestões e questionamentos úteis para tirar essa ideia do papel nas instituições de ensino:
1. É fundamental que as escolas se comprometam com as leis n° 10.639/03 e a 11.645/08, abordando a história e as culturas africanas, afro-brasileiras e indígenas de forma orgânica e sistemática – para além de datas comemorativas – em todas as esferas da vida escolar;
2. Os currículos precisam ser discutidos e atualizados para colocar perspectivas pretas em evidência. É preciso incluir autores que representam a perspectiva africana e afro-brasileira em diferentes áreas de conhecimento. Também é urgente ler sobre distribuição de renda, escolaridade e moradia da população preta. Perceber que identidades raciais são construídas e conhecer a História são ações fundamentais para enfrentar o racismo e o preconceito;
3. Como professores e gestores lidam com manifestações racistas no espaço escolar? Elas são explicitadas? Discutidas? A escola investe na formação dos docentes para abordar relações étnico-raciais? Pesquisas e estudos sobre essa temática precisam ser referenciais para toda ação docente;
4 . Cabe à escola apresentar aos estudantes a diversidade não apenas de textos, de temas, mas também de concepções de mundo, de modos de fazer e de dizer. Assim, é fundamental que as escolas incluam autores e intelectuais pretos em suas bibliotecas e atividades de sala de aula. Qual o lugar destinado às práticas de oralidade, tão importantes para os povos africanos e para nós, brasileiros?
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