O mundo vivia os últimos momentos da Primeira Guerra Mundial quando se ouviu, pela primeira vez, o termo “segurança alimentar”. A Europa estava destruída e boa parte da população local não tinha o que comer.
Para piorar a situação, o cultivo agrícola era praticamente inviável devido à emissão de metais pesados e outras substâncias utilizadas na indústria bélica, que contaminaram o solo, a água e o ar da região. Percebeu-se então que, a partir dali, o controle na distribuição de alimentos passaria a ser a maior arma de combate. E, durante muitos anos, de fato foi.
Na época, os países incapazes de produzir sua própria comida precisaram criar meios estratégicos para não morrerem de fome. Alguns conseguiram gerar grandes estoques de grãos, cereais e outros alimentos não perecíveis.
A maioria, entretanto, passou a depender da ajuda de grandes potências – principalmente, dos Estados Unidos – para abastecer-se e organizar-se economicamente. Porém, o que era pra ser algo provisório permanece, digamos, em processo de transformação.
Hoje, quase cem anos depois, muitas nações, envolvidas ou não em guerras, ainda buscam a tão almejada autossuficiência alimentar. E isso, acredite, é um problema global.
A FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) estima que cerca de 800 milhões de pessoas espalhadas pelo mundo vivam em situações de insegurança alimentar, passando fome diariamente. Boa parte delas está concentrada nos lugares mais pobres do planeta (África e alguns países asiáticos e sul-americanos), onde o acesso aos alimentos é precário.
Enquanto isso, outro dado impressionante da entidade revela que um terço dos alimentos produzidos para o consumo humano (1,7 bilhão de toneladas) é desperdiçado ao redor do planeta.
Essa perda ocorre durante toda a cadeia agrícola – desde o cultivo até o consumo das refeições. As cascas de frutas são exemplos de alimentos ricos em nutrientes que costumam ir para o lixo.
BRASIL: QUASE ¼ DA POPULAÇÃO VIVE COM A INSEGURANÇA ALIMENTAR
O Brasil, infelizmente, também não é referência no assunto. Apesar dos esforços, ainda convivemos com a fome e a desnutrição em todo o país.
No final do ano passado, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)
divulgou o resultado da última Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) sobre índices de segurança alimentar no Brasil.
De acordo com o estudo, o percentual de famílias que se encontravam em algum grau de insegurança alimentar caiu, entre 2009 e 2013, de 30,2% para 22,6%. Mesmo assim, isso significa que, no ano retrasado, 52 milhões de pessoas residentes em 14,7 milhões de domicílios apresentavam alguma restrição alimentar devido à falta de recursos financeiros.
Não bastasse o desafio de distribuição igualitária e sustentável de alimentos, também temos convivido com uma segunda – e não menos preocupante – questão: se não mudarmos o quadro atual, em breve, a Terra terá mais pessoas do que comida.
“Se todos os atores envolvidos, tais como governos, entidades públicas e privadas, bem como a população em geral não atentarem ao problema, até 2050 não teremos alimentos suficientes para toda a população mundial”, afirma Murillo Freire, pesquisador da Embrapa Agroindústria de Alimentos e integrante do Comitê de Especialistas em Redução de Perdas e Desperdícios para a América Latina e Caribe, instituído pela FAO.
O QUE ERA FIM PODE VIRAR COMEÇO
Já pensou nisso? Estima-se que, em 2050, a população mundial atinja a marca de 9 bilhões de pessoas. E, por mais óbvio que seja, nesse caso vale lembrar: a Terra não vai aumentar de tamanho. Pelo contrário.
Com o surgimento e crescimento acelerado de centros urbanos, o espaço destinado ao cultivo agrícola e agropecuário tende a diminuir. A situação pode piorar com o aumento do desmatamento das florestas, o assoreamento das margens dos rios, a escassez de água e o esgotamento das riquezas naturais. Isso sem contar com imprevistos que podem surgir até lá – como catástrofes naturais que costumam devastar a agricultura dos países atingidos.
O que era fim pode ser tornar começo. Ou seja, se um dia a escassez de alimentos veio à tona como consequência do que a guerra destruiu, em poucas décadas poderia se transformar na causa de um novo conflito.
“Para o presente e o futuro, a segurança alimentar representa muito mais do que a erradicação da fome e da pobreza. Pode significar o início ou o fim das guerras e dos conflitos sociais”, diz Freire.
MAIS CONSCIÊNCIA E TECNOLOGIA
Para inverter esse quadro e acabar de vez com a insegurança alimentar, além do consumo consciente e sustentável, o mundo precisa encontrar caminhos para aumentar a produtividade no campo. Isto significa que precisamos produzir mais comida em menos tempo e espaço.
Diante desse cenário, o uso de biotecnologias passa a ser fundamental e indispensável no combate à fome. Com pesquisas de inovação no setor, a indústria agrícola pode ampliar a produção e, ao mesmo tempo, economizar valiosos recursos naturais. Entre eles, água e energia.
“O aumento da produção agrícola e da produtividade no campo (kg/hectare) surge por meio do melhoramento genético. Hoje já é possível desenvolver novas espécies de plantas resistentes à seca e doenças e também adaptáveis a novos biomas”, conclui Freire.
[confira aqui como funciona o processo de desenvolvimento de um transgênico]
O termo segurança alimentar representa, nos dias atuais, uma discussão que se estende aos mais diversos contextos. Saúde, política, economia, sustentabilidade, tecnologia, educação… E evitar que o mundo inteiro sofra com a escassez de alimentos é uma responsabilidade de todos. Nossas atitudes – ou a falta delas – irão refletir diretamente no prato de comida das próximas gerações.