Em tradução livre, upcycling seria algo como “reciclagem para cima”, ou seja, uma reciclagem que aproveita materiais e resíduos para a construção de um novo produto com valor igual ou maior do que o dos itens que os originou.
O conceito é oposto ao downcycling – ou à reciclagem convencional –, em que o produto resultante do reaproveitamento tem menos valor do que os itens reaproveitados. Um exemplo cotidiano de downcycling é o reprocessamento de metais, vidro, plástico, teceido etc., obtidos a partir de objetos industrializados, para gerar matéria-prima.
O upcycling não é exatamente uma novidade, mas está na moda, coincidentemente, por causa da indústria fashion. Como contraponto à cultura do fast fashion – com produtos descartados cada vez mais rapidamente, gerando resíduos em larga escala –, algumas marcas e fabricantes estão reaproveitando peças descartadas para criar novos produtos com valor maior do que os originais.
Há duas principais origens documentadas do conceito de upcycling, ambas dos anos 1990.
Uma delas é de 1994, atribuída ao designer de interiores alemão Reine Pilz, em entrevista à revista Salvo. Na publicação, especializada em demolição e restauro, Pilz comenta, indignado, sobre a crescente geração de resíduos de demolição na União Europeia:
“Reciclagem. Eu chamo isso de downcycling. Eles quebram tijolos, eles quebram tudo. O que precisamos é de upcycling, para que os produtos antigos são mais valorizados, não menos.”
O termo volta a aparecer em 1999, como título de um livro do economista belga Gunter Pauli. Na obra Upsizing: the road to zero emissions: more jobs, more income and no pollution, o autor utiliza upcycling para se referir à prolongação da vida útil de tecidos.
Em 2002, uma nova onda do conceito de upcycling se formou a partir de outro livro. Ao escrever Cradle to Cradle: remaking the way we make things, o arquiteto americano William MdDonough e o químico alemão Michael Braungart propõem um melhor uso dos materiais já existentes, reduzindo o consumo de matérias-primas novas. O objetivo da estratégia é reduzir o uso de energia, a poluição e as emissões de gases de efeito estufa decorrentes da produção industrial a partir de matérias-primas não reaproveitadas.
Ao longo dos anos, o upcycling foi se popularizando. Nos Estados Unidos, por exemplo, produtos etiquetados como “upcycled” em lojas virtuais como Etsy, Pinterest e Upcycle Studio aumentaram de 7900 em 2010 para mais de 260 mil em 2013.
Em tese, a ideia de melhorar a qualidade dos produtos reciclados em comparação aos materiais que deram origem a ele é ótima para a economia circular e para o meio ambiente, claro.
Na prática, contudo, transformar materiais demanda energia e outros recursos. Por isso, algumas questões precisam ser consideradas para avaliar se o upcycle realmente vale a pena do ponto de vista econômico e socioambiental.
A principal delas é a seguinte:
Quanta energia, água e outros recursos são necessários para restaurar um material recuperado ou para transformá-lo em outro produto?
Em janeiro de 2022, a revista Consumidor Moderno listou uma série de empresas investindo em iniciativas de upcycling:
A bebida premium Spill, da fabricante sueca Gotland Spirits, é feita 100% com alimentos reciclados: massas, biscoitos, frutas e leite em pó que iriam parar no lixo. As matérias-primas são fornecidas pela rede varejista Coop.
A empresa aérea dos Países Baixos recicla 300 toneladas de garrafas PET servidas em suas aeronaves. O material é triturado e parte dele vira grãos para a criação de material de impressão 3D. Este processo gera ferramentas (de cor azul) para trabalhadores e engenheiros nas fábricas da companhia.
Subsidiárias da marca mexicana na Colômbia e na Argentina usam um subproduto de fabricação de suas cervejas para criar embalagens. Com palha de cevada (que não está na formulação da cerveja) e fibra de madeira reciclada, a Corona criou uma “embalagem circular” para suas bebidas.
De acordo com a empresa, transformar palha de cevada em fibra de papel usa 90% menos água do que realizar o mesmo processo com madeira virgem – além de usar menos energia e menos produtos químicos.
A holandesa MUD Jeans nasceu como empresa circular, oferecendo aluguel de jeans. Quando os itens já não servem para locação, são enviados para uma fábrica em Valência, na Espanha, para serem transformados em algodão azul.
Só que em vez de virarem novos jeans, parte do novo material é usado para criar capas do sofá Klippan, da IKEA. De acordo com a empresa sueca, cada cobertura economiza cerca de 27 mil litros de água e tem uma pegada de CO2 67% menor do que a produção convencional.
A Ford emprega impressão 3D da HP para peças de veículos comerciais e para luminárias instaladas nas linhas de montagem. Os descartes das impressões, por sua vez, são usados para fabricar peças dos caminhões da linha Super Duty F-250.
Os resíduos também geram “clipes de linha de combustível” – pequenas peças que conduzem e organizam tubos dos veículos. As peças têm melhor resistência do que as versões convencionais, são 7% mais leves e custam 10% menos.
A marca sueca Fjällräven criou a linha Samlaren, com jaquetas, mochilas e acessórios feitos com material de reuso. A meta da empresa é ser tão eficiente em seus processos a ponto de não criar nenhum material do zero para a linha.
A empresa norteamericana criou o kit de reciclagem Second Life. Ao comprar pelo e-commerce da marca, os clientes podem solicitar um kit para embalar e enviar as próprias roupas íntimas usadas com frete grátis – o que confere 20% de desconto no site.
A Parede aceita roupas íntimas de qualquer marca e, em parceria com a Terracycle, transforma os descartes em materiais para isolamento acústico, enchimento de tapetes, partes de móveis etc.
O bagaço de malte e a borra do café são mais valiosos do que você imagina. A cientista de alimentos Natasha Pádua fundou com o marido a Upcycling Solutions, consultoria dedicada a descobrir como transformar resíduos em novos produtos.
O descarte incorreto de redes de pesca ameaça a vida marinha. Cofundada pela oceanógrafa Beatriz Mattiuzzo, a Marulho mobiliza redeiras e costureiras caiçaras para converter esse resíduo de nylon em sacolas, fruteiras e outros produtos.
Aos 16, Fernanda Stefani ficou impactada por uma reportagem sobre biopirataria. Hoje, ela lidera a 100% Amazonia, que transforma ativos produzidos por comunidades tradicionais em matéria-prima para as indústrias alimentícia e de cosméticos.