O Pé de Feijão é um negócio social paulistano com uma proposta tão simples que até assustou os sócios à frente da empreitada: consiste em vender oficinas de educação alimentar utilizando hortas como meio de comunicação. Não que eles plantem alfaces falantes, mas o processo de instalar as hortas em locais inusitados (no topo de prédios corporativos, em quintais de ONGs) torna-a um meio e local para transmitir com mais sucesso ensinamentos sobre saúde, alimentação e sustentabilidade. Em menos de dois anos, a jovem empresa conquistou mercado e o número de propostas recebidas para diferentes tipos de projetos foi tanto que, agora, os cinco sócios sentiram que era hora de voltar a uma incubadora e repensar os rumos do negócio. Para crescer com saúde.
Desde o início da operação, em novembro de 2015, o Pé de Feijão conseguiu conquistar como clientes desde empresas, ONGs, escolas e até comunidades de bairro. A experiência demonstrou que o céu até pode ser o limite e onde está a galinha dos ovos de ouro, mas todos que já leram a fábula do pequeno João e seu pé de feijão sabem que fim leva a planta se suas dimensões não forem sustentáveis. A bióloga Luisa Haddad, 31, Head da empresa, sabe que um crescimento desorganizado pode desvirtuar o impacto social que seu business tem gerado até aqui. Por isso, ela e os outros quatro sócios entenderam que o momento é de seguir com as oficinas, mas reservando um tempo também para definir melhor onde pretendem chegar como empresa. Ela fala deste ponto de inflexão:
“Sinto falta de ver empreendedores falando sobre o momento que estamos vivendo. A gente conquistou o mercado, consegue operar mas… E agora, para onde vamos?”
A história do Pé de Feijão está completamente relacionada com a da Luisa. Formada em biologia na Unesp de Botucatu e com MBA em sustentabilidade pela FGV, ela passou a vida inteira preocupada com a fauna e a flora, mas sem dar a mínima para seu corpo. O way of life regado a batata frita, refrigerante e bombas de chocolate parecia um caminho sem volta, um estilo passado de geração para geração na família. “Meu pai é zero preocupação com alimentação e me dizia: ‘isso é genético, sua mãe sempre foi assim’. E eu falava: ‘pô, minha mãe foi assim e ela morreu super nova, sabe?’ Não é possível que não tenha nada que possa fazer.”
O DESEJO DE TRANSFORMAR O MUNDO A PARTIR DA PRÓPRIA MUDANÇA
Luisa perdeu a mãe quando tinha 20 anos e os exames de sangue recentes mostravam que as coisas não iam bem. No início de 2013, ela decidiu procurar uma nutricionista e passou os últimos dois anos em um processo de reeducação alimentar.
Agora adepta das alfaces lisa, crespa e americana, preocupada em colocar no prato diariamente cinco cores diferentes de alimento, Luisa notou que havia a sua volta uma infinidade de pessoas com péssimos hábitos alimentares e viu a necessidade de sair por aí com uma varinha de condão transformando fast food em feira orgânica. “A maioria da nossa população só come arroz e feijão. Isso sem contar aqueles que tomam refrigerante até no café da manhã”, diz, e mostra a sua visão de como isso é, também, estrutural:
“Há desertos alimentares na cidade de São Paulo em que a pessoa não encontra frutas, legumes e verduras em um raio de 500 metros da sua casa. Isso precisa mudar urgentemente”
Com o novo propósito de vida veio também a insatisfação com o que ela estava produzindo profissionalmente. Luisa tentou, nos primeiros meses de 2015, pedir demissão do cargo de gerente de negócios da Rever Consulting, empresa que presta consultoria sobre sustentabilidade. Seu chefe, Cyrille Bellier, 43, nascido na França, mas há 17 anos no Brasil, estava começando um novo projeto, fruto de um trabalho de conclusão de curso sobre sustentabilidade na ESPM. A proposta inicial era construir hortas nos topos dos prédios em São Paulo e a colheita servir para abastecer seus moradores.
O conceito, apesar de algumas ressalvas, caiu nas graças do pessoal da Yunus Negócios Sociais, que ofereceu uma incubação de seis meses. O modo de execução, no entanto, precisava ser repensado. Devido aos inúmeros arranhas céus paulistanos, uma horta na cobertura do prédio muito provavelmente não conseguiria atender toda a demanda.
Em março de 2015, Luisa foi convidada para fazer parte do novo negócio social e trouxe o viés da alimentação. Completaram o time a especialista em marketing, Isis Oliveira, 34, o agricultor orgânico Jean-Raphael Traub, 35, e Patricia Byington, 31, com formação em administração pública. Na Yunus, a empresa recebeu nome, marca e a sugestão de aparecer para o mercado por meio de uma campanha de crowdfunding.
A PRIMERIA HORTA A GENTE NUNCA ESQUECE
O local escolhido para criar a primeira horta e realizar as primeiras oficinas foi a Fábrica de Criatividade, ONG cultural localizada no Capão Redondo, na periferia sul de São Paulo. Luisa fala: “A gente quis arrecadar via financiamento coletivo não só pelo dinheiro, mas para validar a ideia e envolver as pessoas do local. Era importante para a gente ver a comunidade participar efetivamente”.
Deu tudo certo. A meta foi alcançada em agosto de 2015. Os 20 mil reais ajudaram a construir a horta e a realizar um ciclo de seis meses de “oficina de educação alimentar”. Nela, os ensinamentos vão desde instruções sobre o que comprar no supermercado até a maneira ideal para armazenar e higienizar os alimentos. Luisa relembra que a Pé de Feijão não lucrou praticamente nada com o primeiro trabalho. O que receberam serviu para pagar sementes, mudas, adubo, terra e todo o material utilizado nas aulas.
Mas foi uma grande vitrine. Pronta em novembro, a horta chamou a atenção dos jornalistas, rendeu algumas reportagens e, uma semana depois, o Serasa Experian procurou a recém-fundada empresa com o intuito de criar um programa de saúde e bem-estar para os seus funcionários. Propôs um contrato anual e pediu que fizessem no topo do seu prédio, no Alto da Boavista, em São Paulo, uma horta idêntica a do Capão.
O ano de 2016 serviu para consolidar o negócio. Cyrille mantinha a Rever Consulting, mas agora via Luisa se afastar ainda mais do antigo emprego para tomar conta do Pé de Feijão – e foi o tempo que ela e ele deixaram de atuar na consultoria nos últimos dois anos o valor calculado de investimento do novo negócio, que beira os 180 mil reais.
COMO ENGAJAR O FUNCIONÁRIO NO SEU HORÁRIO DE TRABALHO?
O primeiro dilema do Pé de Feijão persiste até hoje. Não bastava ganhar a confiança apenas do presidente da empresa que prestavam serviço. Existia (e ainda existe, segundo a bióloga) uma dificuldade em convencer a média gerência, que é quem cobra resultados e não vê com bons olhos seus empregados saírem durante o expediente para aprender a plantar cenoura e conhecer a importância de incorporar o açafrão na dieta alimentar.
As oficinas nas empresas têm a duração média de 1 hora e o Pé de Feijão cobra entre 1,2 mil e 2,5 mil reais por apresentação – a variação leva em conta os brindes que são oferecidos (vasos, mudas, terra, adubo…), além do tempo da palestra. Luisa, que fala pelos cotovelos, lamenta quando o tempo é curto e, por isso, viu o período do almoço como melhor horário para estender as oficinas.
“Às vezes a gente consegue esticar um pouco e isso é ótimo. Gosto de ser bem didática, de engajar o público, de dar exemplos e isso demanda tempo também. Se faz de manhã, o pessoal não vem porque está começando o dia. Se faz no final da tarde, estão loucos para ir embora. É complicado.”
Durante essa busca pelo horário ideal de uma palestra sobre horta e alimentação saudável para corporações, apareceram novos clientes, como o Sesc Campo Limpo, que pediu uma horta em seu espaço e solicitou oficinas para capacitar 30 professores de escolas públicas da região. Luisa se esbaldou com a possibilidade de realizar worshops mais longos e falar sobre alimentação durante todo o dia, com direito a pausa para lanche.
A Amil também convidou, em 2016, o Pé de Feijão para capacitar seus funcionários e construir uma horta em uma instituição ligada à seguradora. A Barilla e a Bonduelle entraram para o rol de clientes no mesmo ano com uma ação para o Dia das Mães. E para terminar 2016 surgiu a Escola Educativa com a proposta de construir uma horta em seu espaço e estimular as crianças aprenderem sobre a importância de comer bem.
A VIDA É IMPREVISÍVEL
O Pé de Feijão fechou o ano passado com faturamento de 70 mil reais e embalado para arrebentar em 2017. Mas logo em janeiro Luisa precisou se afastar. O irmão de 41 anos sofreu um grave AVC e passou mais de um mês internado. Até o final de março a bióloga ficou fora do trabalho para dar apoio à família e chegou a pensar que o Pé de Feijão havia enfraquecido.
Em abril, no entanto, com o irmão já um pouco melhor, retomou as atividades. Com a força de quem tem muito bem definido o propósito de vida e o entusiasmo de uma pessoa que fica com lágrimas nos olhos ao relembrar a própria história, Luisa rapidamente conseguiu reconquistar os clientes, prospectou novos projetos e hoje trabalha com a meta de fechar 2017 com o faturamento de 100 mil reais. Tantas emoções e tantos caminhos a trilhar, nada mais sensato do que repensar o negócio, incubar o Pé de Feijão sem diminuir o ritmo, e poder vislumbrar mais muitos anos de colheita farta.
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