Passar a régua neste ano de 2015 significa falar de crise e retração na economia.Este ano, a inflação atingiu 10,7%, a retração econômica foi de 3,7% e o dólar se aproxima dos 4 reais (ante 2,80 de janeiro, quem se lembra?). A crise econômica pegou em cheio os negócios dos pequenos e médios empresários — 77% dos entrevistados de uma pesquisa encomendada pelo Sindicato da Micro e Pequena Indústria de São Paulo ao Datafolha dizem que temem ter de fechar seus negócios. Mas riscos sempre estiveram no cardápio do empreendedor. E nem só números se fazem os balanços do ano.
Por isso, estamos publicando uma série de conversas com empreendedores, makers, inovadores e criativos para saber como os negócios disruptivos se comportaram em 2015. Com as mesmas 10 perguntas para todos, queremos saber que transformações ocorreram, que aprendizados é possível tirar do ano, que estratégias foram criadas e usadas para superar dificuldades. É hora, sobretudo, de olhar adiante.
Seguimos a série com Felipe Anghinoni, cofundador da Perestroika, professor e palestrante de temas ligados à criatividade, empreendedorismo, educação e cultura digital. Formado em Comunicação Social pela UFRGS, ele trabalhou durante 10 anos no mercado publicitário e foi eleito Young Creative RS (jovem mais criativo do estado) em 2006. Já atuou como músico, roteirista, ator, blogueiro e comediante. Nos anos de 2012 e 2013, integrou o board de conselheiros da Natura.
Se você tivesse que escrever um verbete sobre a atual crise brasileira, como você a descreveria?
A primeira coisa que me vem à cabeça é que a crise é mundial não é só brasileira. Óbvio que tem sabor brasileiro e causas brasileiras, mas ela está dentro de um contexto muito maior, o que faz muita gente, por um lado, encará-la com uma certa naturalidade e dizer: “Nossa, o Brasil tá foda, o negócio é se mudar”, ou “Eu vou para o Canadá, para a Europa”. Tenho a impressão que essa pessoa vai mudar, vai encontrar um cenário diferente mas a crise vai chegar lá também. A meu ver, essa crise é o começo de uma epidemia que é o sistema atual econômico, corporativo e humano antigos começando a se deteriorar e cair para que a gente comece a construir o novo.
Como foi 2015 no seu quintal? Como a crise está afetando o seu negócio?
Senti muitas turbulências mas não sei o quanto elas têm a ver com a crise ou têm a ver com o momento do meu negócio, que está deixando de ser uma microempresa para ser uma pequena empresa. Talvez essas turbulências tenham, sim, alguma coisa a ver com a crise, mas não nos afetaram no sentido de termos que demitir pessoas por falta de vendas ou de atingir metas. Nesse sentido, talvez a gente tenha tido que trabalhar um pouco mais forte para fazer as vendas e chegar nos resultados que a gente esperava, mas a gente chegou.
Com que cenário você está trabalhando para 2016? Que medidas você tomou diante da crise?
Em relação ao cenário, a gente acredita em manter os faturamentos que temos e estamos criando iniciativas de negócios diferentes: em vez de expandir o negócio, a gente está expandindo o investimento em educação. Uma coisa muito importante que estamos fazendo para o ano que vem é o EAD, nossa primeira plataforma de ensino à distância. É algo propício em tempos de crise, quando as pessoas têm menos dinheiro, já que proporciona o acesso a cursos muito mais baratos, muito mais democrático do que o que a gente pratica hoje. A gente mantém o faturamento e ganha na cauda longa porque tem mais gente que acessa, a gente chega a mais lugares, a todas as cidades do Brasil. Este ano, por causa da crise, tivemos uma mudança de gestão e estratégia: tornamos mais frequentes os nossos encontros com todos os sócios e gestores. Antes, eles eram semestrais e, no ano passado, estavam sendo feitos trimestralmente, mas este ano foram mensais, para que nos adaptássemos às mudanças do cenário. Isso teve um impacto grande na gestão, na forma que a gente investe para reunir 11 pessoas de todo o Brasil no mesmo lugar. Mas a gente via tudo o que acontecia no mês anterior, readequava e colocava em prática mudanças rapidinho, assim íamos nos adaptando muito mais rápido, em vez de esperar um probleminha crescer e virar uma bola de neve.
Crise traz mesmo oportunidades ou se trata apenas de uma ameaça?
Não sei dizer exatamente quais são as oportunidades da crise brasileira de 2015, mas acredito que crise, no sentido mais amplo da palavra, sim, oferece oportunidades, é óbvio que oferece.
É uma questão de perspectiva. Acredito que a crise é uma falha, um problema num sistema que está estabelecido que permite ser corrigido e superado
Isso serve para o ambiente de negócios, mas também para qualquer crise como, por exemplo, de um relacionamento. Pode ser que o casal resolva o problema e aí a crise foi uma oportunidade para reverem seu contrato e melhorarem, ou pode ser que se separem, o que é uma crise maior mas uma oportunidade para que eles conheçam outras pessoas e mudem o ciclo de suas vidas. Acho que o mesmo peso que a crise traz de problemas traz também de oportunidades.
Se você tivesse amanhã 1 milhão de reais para investir, o que faria com esse dinheiro?
Investiria na nossa plataforma de ensino à distância. Talvez eu visse direito e avaliasse melhor o quanto colocaria nisso e o quanto colocaria em outra coisa nossa, mas a prioridade seria este projeto.
Se assumisse a presidência do Brasil em janeiro, no lugar da Dilma, o que faria no seu mandato até 2018?
Essa é uma resposta muito difícil porque não sei exatamente o que o presidente faz e acho isso um grande problema.
Eu não entendo o sistema político. Assisto House of Cards e, apesar deles mostrarem o que acontece, ainda assim não consigo entender essa engrenagem
Tem o presidente que é do Executivo, o Congresso e o Senado que são do Legislativo… Então, entendo que essa pergunta quer dizer: “Se você tivesse muito poder, poder de mandar, se a decisão fosse realmente up to you o que você faria?”. Talvez eu fizesse fosse um programa para as pessoas entenderem o que o presidente faz, o que um senador faz, enfim, como funciona o sistema político. Isso há algum tempo vem me atraindo e acho que tenho uma habilidade boa de comunicador, que consigo traduzir para uma forma metafórica para que muita gente consiga absorver. Há algum tempo venho pensando: “Será que eu não conseguiria estudar esse assunto e fazer um “Sistema Político for Dummies”, algo como uma forma de educação política? Para fazer com que o cidadão médio, a pessoa da classe mais baixa consiga entender e, a partir desse entendimento, consiga se sentir empoderado e, então, a sociedade possa se articular melhor.
O que você faz para se manter motivado em tempos como esses?
Vendo alguns gaps de gerações aqui na Perestroika, comecei a pensar, há algum tempo, no que faz as pessoas se tornarem velhas. Concluí que a gente começa a ficar velho no dia em que a gente começa a dizer “no meu tempo é que as coisas funcionavam”, “no meu tempo é que as coisas eram boas”. Ou seja, tento trabalhar ao máximo o foco no tempo presente e quando você faz isso você vê que as mudanças estão acontecendo o tempo todo, a toda hora, todo microssegundo é um momento de decisão e mudança. E toda mudança é uma oportunidade. Então, acho que me mantenho motivado em tempos como esses porque sou apaixonado pelo tempo que a gente está vivendo, pelo presente; o momento que eu estou vivendo tem que ser o melhor possível e sempre o agora está melhor do que era um segundo, um dia, um mês, um ano atrás.
Acho a crise do sistema vai gerar um novo sistema e que tudo está piorando para melhorar, então tempos como esse automaticamente me motivam
O que você faz para motivar quem trabalha com você?
Ter esse espírito que falei faz parte da nossa cultura e acho que as pessoas de fora observam e, quando entram aqui, se inspiram muito fortemente. Outra coisa é que se figuras importantes e de referência dentro do ecossistema estão motivadas, isso serve de exemplo e isso muda o ambiente em volta. E também faz parte ter uma cultura de transparência radical. A gente não tem um programa de motivação de pessoal por causa da crise, é um trabalho ordinário mesmo.
Quais são os três pontos que mais lhe incomodam no ambiente de negócios brasileiro? Burocracia, CLT e sistema tributário. Acho que a forma como isso é feito é de completa desmotivação. A turbulência que passamos este ano teve muito a ver com isso, com faixas de faturamento que alcançamos que fizeram com que tivéssemos que mudar o sistema de micro empresa, que era viável, para o de pequena empresa, que era inviável. O sistema atual realmente não privilegia que a pessoa avance e gere mais empregos. A CLT é um negócio extremamente paternalista, inibe inclusive o funcionário de ter atitudes mais empreendedoras e o pior de tudo é que toda a contribuição que você faz vai para um bolo de dinheiro cujo uso não é correto.
Não sou contra o Estado grande, não sou liberal no sentido de achar que não tem que ter Estado. Mas o Estado grande pode ser eficiente
Se a gente for ver a Suécia, a Noruega, a Dinamarca, a França têm impostos altíssimos mas o sistema funciona. Aqui o sistema é feito para não funcionar, é feito para que as pessoas queiram burlá-lo, e burlando você alimenta uma máfia. O que me incomoda no ambiente de negócios é o mesmo que a todo empresário.
O que você diria para quem está nos lendo agora e pensando em abrir a sua startup ano que vem?
Diria para abrir este ano. Estou fazendo uma brincadeira no sentido de “vai lá e faz”, que é a nossa postura. O que quero dizer com isso é que se não pode ser este ano, que seja dia 2 de janeiro e, se não puder, que seja dia 5. Mas se o cara que está pensando em abrir sua startup estiver pensando em fazer um business plan, procurar investimento para estar pronto em setembro… já acho que está demorando. Então seria assim: não demora, vai lá e faz. E o jeito de dizer isso num tweet é “Abre este ano”.