Primeiro, o lado dela:
A história da Dona Coelha começou quando nós estávamos nos conhecendo melhor como um casal. Podemos dizer que foi um amadurecimento de relacionamentos.
Eu, Natali, com 19 anos, descobri um universo até então pouco explorado por nós, o dos sex toys, e o Renan, meu parceiro e hoje sócio, entrou de cabeça nessa história.
A empresa surgiu em 2011, inicialmente como um blog, no qual compartilhávamos nossas experiências usando produtos eróticos.
Nossa proposta nunca foi erotizar o conteúdo, mas levar informação confiável, de forma leve e divertida, para um mercado onde tudo acontecia “debaixo dos panos”
Sempre tive questões e dificuldades com a minha sexualidade, demorei muito para ser bem resolvida com ela. E o grande e o principal divisor de águas foi e é até hoje a Dona Coelha.
Passei por um processo que a maioria das mulheres passam como medo, insegurança, repulsa, nojo… E, por tudo isso, senti que era minha obrigação fazer a diferença na vida de outras mulheres.
Quebrar todas essas barreiras foi um processo lento, por vezes doloroso, pois sempre tive questões em me tocar. Mas essa experiência profissional me fez entender os diálogos com meu corpo, de como ele é uma potência
Como casal, posso dizer que as questões sexuais foram mais tranquilas. Meu parceiro, o Renan, sempre foi muito aberto, houve uma escuta, acolhimento, incentivo em usar acessórios, nos conhecermos melhor e usufruir dos momentos sem julgamentos, o que faz a diferença.
Com os relatos das nossas experiências e a naturalidade que tratamos o tema da sexualidade no blog, passamos a receber convites de marcar para testar produtos e, no final, decidimos começar a vender alguns itens.
Usamos 600 reais, economias de ambos, e em menos de uma semana já tivemos o retorno do investimento.
Foram alguns anos de aprendizagem e experiências, desde encontros pequenos nas casas de amigas mostrando os brinquedos eróticos até vendas discretas na hora do almoço (no banheiro da ONG em que eu trabalhava)
Em um mundo onde a sexualidade é um tabu, tive que me descobrir como mulher e empreendedora.
Passei por diversas situações constrangedoras, além do medo de contar para o meu pai com o que eu trabalhava por ele não entender do que se tratava.
No final, minha mãe com toda sua sinceridade explicou: “Ela vende pinto de todos os tipos e cores!”
Não sei se ele compreendeu ao certo, mas seu retorno foi bem discreto e sem surpresas.
Me lembro de outras duas situações constrangedoras que me marcam até hoje. Uma delas foi quando eu estava fazendo atendimento por telefone na Dona Coelha, esclarecendo dúvidas sobre masturbador peniano.
Eu explicava para um cliente quais eram as diferenças entre os modelos existentes. Sempre tive a preocupação de fazer esse trabalho sério e respeitoso, mas quando estava no terceiro modelo comecei a ouvir um homem gemendo do outro lado da linha.
Percebi que ele estava se masturbando, e no final ainda tive que ouvir que “eu deveria me dar ao respeito”. Não entendi até hoje em que momento eu não estava me dando respeito. Eu estava trabalhando!
Outra ocorrência que me marcou como mulher e empreendedora foi quando tentei abrir uma conta jurídica para a empresa em 2017.
Fui até um banco desses mais tradicionais, pois na época não existia essa facilidade de abrir uma conta online ou digital como funciona hoje em dia.
De dois bancos muito grandes, ouvi coisas do tipo “Não trabalhamos com esse segmento” e até mesmo “Você, como mulher, acha que consegue manter uma empresa de pé?”.
É muito curioso: hoje, pelo menos uma vez por semestre, esses dois bancos entram em contato querendo que eu migre minha conta jurídica para lá…
Posso dizer que todo o esforço valeu a pena. Em 2016, criamos o site da Dona Coelha para vendas diretas aos consumidores.
A cada dia aprendo mais sobre a sexualidade e sobre as pessoas, dividindo experiências que me enriquecem como mulher e empreendedora.
Para ser um ponto de referência e até mesmo conselheira de nossas clientes e amigas, ainda me formei como sexóloga.
Acredito que tratar conteúdos que ajudam na desconstrução de tabus, falar sobre educação sexual, mitos e verdades sobre sexo e saúde e bem-estar da mulher são essenciais para os dias atuais.
Não é do dia para noite que vamos ter um contato incrível com nosso corpo e orgasmo, ressignificando tudo que a vida inteira fomos ensinadas a não ter
Percebo em muitos desabafos das clientes que o que mais falta na situação dos casais é diálogo. É impressionante como as parcerias não conversam sobre a sexualidade, como as pessoas não fazem ideia de que essa é uma conversa gostosa.
É como se esse assunto fosse nebuloso — não pode ser abordado senão vira uma discussão eterna… Outro desabafo recorrente com o qual me deparo é, infelizmente, o fato de muitas mulheres nunca terem chegado ao orgasmo, por não terem curiosidade e vontade de se tocar.
Hoje percebo que consigo apoiar outras mulheres me colocando no lugar delas. Primeiro, entendendo as minhas questões e as compartilhando. Dizendo que também já passei por aquelas situações e estou aqui para ajudá-las.
Por isso, nas oportunidades que tenho, seja pelas redes sociais da Dona Coelha, nas minhas, por entrevistas e lives, procuro sempre interagir, compartilhando acontecimentos que mostram o quanto foi difícil chegar até aqui, mas também o quanto podem ser legais as mudanças que acontecem quando nos conhecemos melhor.
Aproveito para dizer: não se sinta sozinha, está tudo bem, estamos juntas nessas.
Espero que para as novas gerações esse assunto seja mais fácil, menos tabu, que as mulheres sejam bem resolvidas com sua sexualidade. E, para a nossa geração e as mais velhas também
Podemos sim ter uma boa relação com nosso corpo, muitos orgasmos e nos conectarmos com a potência que somos.
Natali Gutierrez é graduada em Relações Públicas. É também sexóloga e educadora sexual. Colunista de sexualidade e feminismo, youtuber, especialista em sex toys e fundadora da marca Dona Coelha.
Agora, o lado dele:
Meu nome é Renan de Paula e sou o cofundador da Dona Coelha, hoje a maior plataforma de educação sexual e e-commerce de sex toys, com mais 500 mil acessos mensais no site e 250 mil seguidores somando nossas redes sociais (YouTube, Instagram e Twitter).
O machismo é um dos principais males da nossa sociedade. Mas eu só descobri isso nos últimos cinco anos quando comecei o meu processo de desconstrução e busca por uma masculinidade positiva.
Aliás, uma das coisas que me incomodavam neste mercado de sex toys era a utilização do duplo sentido a todo momento.
A máxima é que este é o único trabalho em que você pode dizer para o seu cliente enfiar no cu e isso é bem profissional
Até hoje a quinta série que habita em mim ama o duplo sentido, mas brincadeiras à parte, já estava na hora deste mercado amadurecer, assim como eu.
Hoje meu propósito de vida é me desconstruir e nesse processo ajudar a construir uma sociedade mais acolhedora.
O que me deu a fagulha inicial e motivou a repensar quem eu era foi justamente um relato de uma cliente da Dona Coelha.
Ela explicou sua relação com um vibrador da seguinte forma: “Adoraria ter um orgasmo, mas acho que nunca vai rolar! Sou casada há 40 anos e meu marido não aceita que eu fale nada. Não posso nem pensar em me tocar sozinha. Acho que se eu comprasse um vibrador, meu marido me batia com ele”
Para mim esse foi um soco no estômago, logo depois veio o enjoo. Quantas mulheres passam por isso e não se sentem confortáveis para compartilhar, eu precisava descobrir.
Aí veio o meu primeiro chacoalhão! Depois uma rápida olhada nas estatísticas chocantes de feminicídio, violência doméstica assédio e abuso sexual, eu já estava envolvido e desejando fervorosamente a mudança.
Mas como mudar? A Dona Coelha realiza um trabalho importante na educação sexual para milhões de pessoas, mas como eu poderia contribuir mais e evoluir com isso?
Foi então que comecei a estudar o feminismo através de bell hooks, Marcia Tiburi, Chimamanda Ngozi Adichie e outras mulheres incríveis.
Descobri que, ao contrário do que eu achava, o feminismo significa igualdade entre os gêneros, algo bem diferente do nosso modelo machista e patriarcal, em que o homem é a figura central.
E não bastava “amar” as mulheres para ser feminista, mais que isso, é necessário apoiar o movimento, sem tomar para si o protagonismo
Já estava claro para mim que todos precisamos ser feministas, então resolvi me arriscar a tratar deste assunto na minha bolha social.
Em uma das minhas primeiras vezes que falei sobre o assunto, um seguidor me chamou e disse: “Eu não acredito no feminismo, acredito no humanismo. O humanismo diz que todos são iguais, o feminismo quer o protagonismo para elas”.
Fiquei incrédulo! Por que a palavra feminismo era tão espinhosa para um homem?
Eu resolvi voltar um passo atrás e buscar entender meus pares, em especial homens cis-hétero. Aí o problema só cresceu!
Descobri a quantidade de suicídio masculino e mortes por doenças que poderiam ser evitadas caso fossem descobertas mais cedo.
Descobri ainda que homens têm uma alta taxa de câncer no pênis, simplesmente porque não fazem uma higienização correta
Esses dados me alarmaram, pois têm relação direta com o machismo e preconceitos que os homens têm para tratar determinados assuntos.
Por isso, no blog da Dona Coelha decidimos criar uma seção específica para tratar conteúdos que ajudam na desconstrução de tabus. Já fizemos artigos sobre pansexualidade, transexualidade, pouca ejaculação, manterrupting e mansplaining, masculinidade frágil etc.
E tenho feito um trabalho para aproximar outros homens desta discussão nas redes sociais e também no site.
Não quero fazer isso só por mim, mas também pela minha família, amigos, colegas, filhos e todos que sofrem com o machismo estrutural.
Renan de Paula é sexólogo, feminista e defensor da ressignificação da masculinidade. Especialista em sex toys com mais de 15 anos de experiência neste mercado, é fundador da Dona Coelha.
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