Ser pioneiro em um novo mercado sempre tem suas dificuldades. Convencer o consumidor de que aquele produto ou tecnologia trará benefícios já é, por si só, uma missão e tanto. Mas isso pode ser ainda mais desafiador quando se trata de um setor altamente regulado e com muitos players conservadores, caso do mercado médico. Novas tecnologias só chegam aos pacientes depois de passarem pela aprovação dos órgãos regulatórios, no Brasil a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Neste cenário, a startup brasileira BioArchitects produz próteses e biomodelos, criados em impressoras 3D, “na marra”.
Em 2012, numa idade em que muita gente já estaria querendo se aposentar, Aurelio Lebovits, atualmente com 59 anos, havia vendido sua empresa de automação de telemarketing e decidiu rodar o mundo em busca de novas tendências e tecnologias. Aurelio conheceu a impressão 3D, lá em 2012, e trouxe uma máquina dessas para o Brasil. Foi a primeira aquisição do que viria a ser a BioArchitects.
Lançada em 2013, com um investimento de 2 milhões de dólares (e participação do fundo Manua Kea Participações), a startup produziu a primeira placa craniana de titânio, sob medida para um paciente, mas viu o negócio empacar na regulamentação. Felipe Marques, 28, CEO e sócio da BioArchitects, fala a respeito: “A dificuldade está justamente na customização. Para aprovar determinado produto, a Anvisa precisa de um padrão, de uma garantia de que todos os produtos serão produzidos dentro de determinadas especificações. Como homologar um produto que terá medidas conforme a anatomia do paciente?”.
A saída encontrada por eles foi abrir uma filial nos Estados Unidos e tentar a aprovação via FDA (Food and Drug Administration – a “Anvisa” americana). “Na época, o FDA só tinha aprovado um único produto em 3D, mas nenhum em titânio. Conseguimos essa aprovação no fim do ano passado. Foi a primeira prótese em titânio aprovada pelo FDA. Nenhuma empresa tinha feito isso até então”, conta Felipe, que é formado em Economia e especialista em CAD (computer aided design) na área de saúde para elaboração de peças médicas e impressão 3D.
Diante das dificuldades de homologação dos produtos no Brasil, a BioArchitects se viu obrigada a procurar outras alternativas. “Buscamos nos aproximar dos médicos e conversar com eles para entender quais as necessidades desse mercado. Acabamos encontrando um nicho enorme para os biomodelos”, prossegue o CTO.
O QUE É UM BIOMODELO E COMO MELHORA A VIDA DE MÉDICOS E PACIENTES
Biomodelos são réplicas de ossos ou órgãos feitos a partir de exames de imagem, uma tomografia por exemplo. O que a BioArchitects faz é imprimir os resultados dos exames em protótipos 3D. “Tivemos o caso de uma senhora que havia fraturado nove costelas. Nós produzimos um biomodelo a partir dos exames de imagem dela e o cirurgião pode estudar o caso antes do dia da cirurgia”, conta Felipe.
Antes dessa possibilidade de estudo de caso em 3D, o médico tinha acesso aos exames de imagem, que são bidimensionais, e só teria uma visão exata do quadro do paciente quando a cirurgia já estivesse em andamento. Os produtos da BioArchitects servem a dois propósitos: para estudo de caso e como próteses em si. Além destes, são também um instrumento valioso para o treinamento de residentes e jovens médicos.
“No caso de cirurgias de próteses, antes o médico tinha que customizar as peças no momento da cirurgia, medindo o tamanho dos parafusos e das placas, testando o que funcionaria. Nunca saía totalmente anatômico. Com o nosso biomodelo, o médico consegue estudar antes da cirurgia e decidir que peças ele vai usar, com antecedência”, afirma Felipe.
E os benefícios disso são muitos. O tempo de cirurgia fica menor — e, também, os riscos de infecções e complicações para o paciente. Com cirurgias mais curtas, médico e hospital atendem mais pacientes. Estudando antecipadamente, o médico consegue também otimizar a utilização das próteses e peças (e isso reflete em redução de custos com esses materiais). A BioArchitects já fez biomodelos para sete cirurgias desse tipo no Hospital Samaritano, em São Paulo. Felipe fala: “Com os biomodelos, o procedimento cirúrgico teve redução média de 2 horas e uma economia de 22 mil reais em uso de placas e parafusos”.
Em um outro caso, o médico conseguiu identificar outro problema a partir do biomodelo antes da cirurgia: o paciente seria operado para remover um aneurisma, mas o biomodelo (feito a partir do exame de imagem) mostrou que havia outra interrupção de fluxo sanguíneo, em outro local, não visível no exame bidimensional. Sabendo disso o médico removeu os dois aneurismas, evitando que o paciente tivesse que passar por outra cirurgia futuramente.
Até o momento, a BioArchitects já entregou mais 300 biomodelos — usados em especialidades como Neurocirurgia, Plástica, Ortopedia e Cardiovascular. Cada um custa em média 5 mil reais e leva cerca de uma semana para ser produzido. “Esse tempo deve ser reduzido com uma impressora mais nova, que estamos trazendo ao Brasil”, diz Felipe. O equipamento é capaz de imprimir biomodelos em resina com diferentes texturas e densidades, sendo possível simular tecidos, nervos e ossos com diferentes cores e rigidez. “Essa impressora é novidade, só existem 12 no mundo e a nossa será a primeira da América Latina.”
QUEM PAGA A CONTA DA INOVAÇÃO?
Além de convencer pacientes, médicos, hospitais e planos de saúde de que os biomodelos podem fazer a diferença, a BioArchitects tem ainda outro desafio. Quem vai bancar a incorporação dessa tecnologia? “Além de toda a regulamentação, o mercado de equipamentos médicos tem muitos players, não é uma venda direta”, diz Felipe.
Ele afirma, no entanto, que alguns hospitais já estão enxergando os benefícios de investir na novidade. Até porque, ao oferecer os biomodelos, acabam conquistando um diferencial para atrair médicos e pacientes (além de poderem aumentar a produtividade e diminuir custos ao realizar mais cirurgias em menos tempo).
Embora o grande mercado da BioArchitects seja privado, a empresa tem feito parcerias com o SUS, Sistema Único de Saúde, com o objetivo de aumentar o acesso à nova tecnologia e gerar evidências científicas sobre seus benefícios. Neste caso, não há troca financeira, conta Felipe: “Fornecemos biomodelos e em troca pedimos que os médicos produzam artigos relatando as vantagens do uso e o que pode ser melhorado para que possamos aperfeiçoar nossos produtos”.
O FUTURO DA MEDICINA É A PERSONALIZAÇÃO
Os sócios da BioArchitects acreditam que a customização irá ganhar todas as áreas da indústria, a começar pela Medicina. Além dos biomodelos para cirurgias, a empresa já está estudando a criação de softwares que interajam com os protótipos. Felipe conta:
“Estamos desenvolvendo softwares capazes de indicar ao médico se ele fez o procedimento correto”
Ele prossegue: “Por exemplo, um paciente que tenha tido um AVC às vezes fica com a musculatura do braço travada. A aplicação da toxina botulínica relaxa o músculo e devolve o movimento. Estamos desenvolvendo um software para o médico treinar esse procedimento que avisa se ele aplicou no local correto do músculo”.
Hoje com 12 pessoas na empresa, entre os sócios, designers e biomédicos, a BioArchitects ainda batalha para tornar o negócio rentável. Segundo Felipe, eles estão estruturando uma força de vendas nos Estados Unidos para iniciar a comercialização das próteses personalizadas e pretendem estabelecer parcerias com universidades e hospitais brasileiros para a utilização dos biomodelos como ferramenta de apoio e de ensino. “Nossa expectativa é conseguir tirar a empresa do vermelho ainda no primeiro semestre de 2017”, afirma. Haja coração.
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