Traçar caminhos alternativos parece ser parte do destino do empreendedor Vinícius Ciccarelli, 35. Parar, pensar e recalcular os passos é uma atitude constante para ele desde os 12 anos, quando foi diagnosticado com um câncer raro. Se puberdade e adolescência já não são fáceis para qualquer garoto, pode-se dizer que, para ele, foram uma prova de fogo. Na trajetória como empreendedor, os desafios também não foram poucos.
Hoje, ele está à frente do Shyre, ferramenta de organização, gestão e logística, voltada para micro, pequenas e médias empresas que operam com trabalho de campo. Com site e aplicativo, o sistema traça roteiros e organiza visitas de equipes de acordo com prioridades, disponibilidade e proximidade, otimizando o tempo dos funcionários e permitindo que o gestor acompanhe o trajeto do time em tempo real, por geolocalização.
Desde março de 2016, data do lançamento oficial, o sistema faz upgrades e ganha funcionalidades. A plataforma gera relatórios padrões e personalizados, que permitem aos clientes acompanharem suas metas. Os dados também podem servir como subsídios para nortear a estratégia dos clientes, auxiliando na tomada de decisões e motivando o time comercial.
O Shyre fatura 120 mil reais por ano e tem quatro colaboradores fixos para atender os atuais cinco clientes, que têm entre 30 e 100 licenças contratadas (o modelo de negócios é SaaS, custando 75 reais por usuário para um mínimo de 10) para seus vendedores. Com isso, consegue pagar as contas e seguir com sua estratégia de crescimento.
AS BATALHAS DA INFÂNCIA REDUZIRAM O MEDO DOS OBSTÁCULOS
Até chegar a esse resultado, o CEO Vinícius transitou por um labirinto. Enveredou, como qualquer empreendedor, por caminhos tortos, que se mostraram, depois, parte de um processo de amadurecimento. Ele fala mais sobre a experiência:
“Mudamos várias vezes. Estar aberto a escutar o mercado e construir uma equipe alinhada aos valores que quero para a empresa foi um grande aprendizado”
Para o fundador, corrigir rotas e manter-se firme no caminho não chega a ser novidade. “Minha vida sempre foi desafiadora”, diz, referindo-se ao câncer ainda na infância. Só aos 18 anos, ele foi considerado curado. Com a ajuda da mãe, viveu todo o tratamento, que é muito agressivo no início, sem largar os estudos, o interesse por música e arte.
Passou em Administração de Empresas na PUC de São Paulo, cidade onde nasceu e mora. Vinícius conta que, se existe aquele momento na vida em que a janela se abre e o mundo ganha um novo colorido, foi quando teve a oportunidade de fazer um estágio em uma ONG. Lá, conheceu Simone Ramounoulou, consultora organizacional em projetos internacionais e processos de aprendizagem focados em valores humanos e em técnicas interativas.
Vinícius levaria a experiência deste trabalho com Simone para a vida, mesmo quando migrou para outra área profissional. Ainda como estagiário, trabalhou na Orbitall, que atua no processamento de meios de pagamento. “Fui da água para o vinho”, conta o empreendedor, rindo. Já formado, foi efetivado. Decidiu fazer uma pós-graduação em Marketing. “Gostava muito da área de comunicação. Queria atuar com marketing digital.”
Em 2007, surgiu a oportunidade de trabalhar na Ogilvy (gigante da publicidade), no setor de análise de métricas e redes sociais. A ideia de cruzar dados e informações retiradas das redes e usar isso de maneira estratégica era o que Vinícius queria. Chegou a ocupar o cargo de coordenador da área de Business Intelligence da agência.
AS LIÇÕES QUE VIERAM COM OS TOMBOS
Depois de uma década entre empresas e consultorias, estava na hora de ter o primeiro negócio. Em 2012, juntou-se a três sócios para criar a primeira startup, cujo produto era um CRM (Customer Relationship Management ou, em português, Gerenciamento de Relacionamento com o Cliente) para restaurantes. “Chegamos a ganhar alguns prêmios e, com muito suor, conseguimos um investidor-anjo.” Mas a proposta não se provou tão eficaz na prática. “Inicialmente, a ideia de reunir todos os cartões de fidelidade de restaurantes no celular parecia muito boa, mas a verdade era que não se adequava à realidade dos clientes”, conta.
Dois anos sem dinheiro, atritos em série e uma sociedade desfeita. Os sócios desistiram. Segundo Vinícius, foi possível extrair lições valiosas do fracasso inicial. A primeira delas:
“Não adianta pensar em uma ferramenta tecnológica sem alinhar a operação ao fator humano”
A segunda, diz ele, é que se deve validar a ideia com protótipos antes de realizar um grande investimento. “O segredo é muita escuta e desapego à ideia inicial.” E a terceira: “A equipe é o principal ativo. Bons relacionamentos, em que você se identifique com a conduta e os valores são essenciais para sucesso de qualquer negócio”.
O RESULTADO DO INTRAEMPREENDEDORISMO
Com base nesses aprendizados e em acordo com o sócio-investidor, que permaneceu com ele na empreitada, foi desenvolvida uma nova estratégia. A startup tornou-se uma empresa de desenvolvimento de tecnologia, a Mobi Provider (“mãe” do Shyre, segundo ele), prestando serviço de construção de sistemas mobile.
Por uma questão estratégica, foi incubada na Kanamobi, empresa de tecnologia criativa com foco em mobilidade, que atende indústrias do mercado de alimentos, autopeças e insumos médicos.
Para criar novos produtos, a Kanamobi apostou no intraempreendedorismo, criando o projeto Kanalab, um laboratório de inovação para testar novas tecnologias, criar protótipos, lançar produtos e plataformas.
O Shyre, que teve investimento de 440 mil reais da incubadora e dos próprios sócios, é o primeiro resultado dessa experiência. Por quatro anos, Vinícius foi diretor operacional da Kanamobi. Nesse tempo, criou o Shyre, nome da ferramenta que rebatizou a Mobi Provider. Hoje, ainda divide espaço físico, compartilha ideias e aprendizados com a Kanamobi, mas a empresa de Vinícius tem vida e CNPJ próprios.
O CEO resume o reposicionamento de seu produto: “Para usar expressões da Indústria 4.0, o Shyre é uma ferramenta de business intelligence para área de vendas, que também pode ser aplicada para marketing, logística e outras áreas”. Dentro da plataforma, o Shyre oferece ainda customizações de acordo com demandas de cada empresa, além de suporte e treinamento. Para Vinícius, este é um ponto essencial: “Fazemos tantos treinamentos quanto forem necessários, com os times de gestão e de campo”.
O LADO HUMANO: UM PROPÓSITO PESSOAL E PROFISSIONAL
Para Vinícius, a tecnologia por si só está longe de promover milagres em qualquer negócio. É preciso fazer com que as pessoas se adaptem às inovações e estejam alinhadas com os valores da empresa:
“O Shyre foi desenvolvido através da colaboração de quem usa e do conhecimento de quem trabalha com isso há anos. Assim, vai sendo moldado e evolui a cada dia”
Tal aprendizado, no entanto, não foi fruto apenas da experiência profissional. Ao longo de sua trajetória, Vinícius sentiu a necessidade de procurar formação para desenvolver seu propósito pessoal: contribuir para um mundo melhor. Foi estudar Ciências Holísticas e Economias para Transição na Schumacher College.
Passou, então, a atuar também como educador, ministrando cursos de Teoria U, metodologia de mudanças e inovações organizacionais para empresas, grupos e pessoas que aceitam quebrar paradigmas para chegar “a um lugar mais consciente” no mundo. Ele afirma: “Busco unir conhecimentos da nova economia, colaborativa e compartilhada, à tecnologia que desenvolvemos para os clientes. A ideia é promover equilíbrio entre lucro e propósito, trazendo uma ferramenta positiva para as pessoas e para o mundo”. Ou seja, não basta tecnologia sem saber onde se quer chegar.
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