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Onde a neurociência e o mindfulness se encontram

Caroline Baldasso - 16 ago 2016
A pesquisadora Caroline Baldasso conta como a ciência passou a estudar, explicar e entender, os benefícios da meditação mindfulness (foto: Ricardo Ara).
Caroline Baldasso - 16 ago 2016
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por Caroline Baldasso

O cientista americano e doutor em biologia molecular, Jon Kabat-Zinn, afirma que Buda chamou de sofrimento o que, agora, para o homem moderno, tem o nome de estresse. Kabat-Zinn estruturou o coração da psicologia budista ao criar o Mindfulness-based Stress Reduction (MBSR), em um protocolo pragmático, fácil de ser levado para a cultura ocidental, principalmente para os Estados Unidos, onde se tornou um sucesso.

Ter uma vida mindful é se relacionar de forma mais consciente com a própria atividade mental, e, assim, evitar estresse desnecessário e aumentar a sensação de bem-estar. Mindfulness é uma ferramenta poderosa para apreciar as experiências que vivemos, mesmo quando nāo são da forma como gostaríamos.

Em 1980, o interesse científico em mindfulness era nulo. Mas isso mudou. Apenas em 2015, segundo a Associação Americana de Pesquisa em Mindfulness (AMRA), foram publicados 674 artigos, comprovando que algo importante:

O mindfulness migrou do território das crenças religiosas e conquistou a área acadêmica e científica

A popularização das práticas contemplativas na América e na Europa aconteceu depois da validação da neurociência. Inclusive a mais falada delas, a meditação, que ganhou simpatia e curiosidade geral quando a Time, por exemplo, publicou o assunto na capa, há 13 anos. O atual Dalai Lama foi o principal instigador desse caso de amor entre a neurociência e o budismo. “Eu sei que as práticas budistas funcionam, que possuem efeitos positivos no comportamento humano, só não sei como. E é isso que quero descobrir”, foi o que ele afirmou, ao convocar os pesquisadores do cérebro mais respeitados do mundo para ajudá-lo na missão de provar que corpo, mente e cérebro estão sincronizados.

Neurociência é o estudo interdisciplinar e integrado do cérebro. A grande pergunta que a neurociência tenta responder é: o que nos torna humanos? Por isso, a união de ciências como medicina, biologia, psicologia, filosofia, sociologia e antropologia em uma pesquisa neurocientífica gera um entendimento amplo do que nos move. Entender o cérebro humano é um trabalho complexo, que leva em consideração a genética, os neurônios e os neurotransmissores, e até as forças do ambiente, como percepções subjetivas do mundo, laços com família, interações com professores e amigos e relacionamentos sexuais, lugares que frequentamos todos os dias, comunidades e culturas que somos expostos.

O cérebro humano pesa em torno de 1,5 quilo e representa somente 2% de nossa massa corporal, mas consome 20% da energia e estoque do sangue que circula. Esse dado foi um dos primeiros indícios de que o cérebro era mais importante para o corpo humano do que a humanidade sempre acreditou.

Afinal, se tanto da nossa energia vai para a nossa cabeça, o que tem dentro dela? Irrelevante isso não é

Na mumificação, o cérebro era removido do corpo, pois o que importava mesmo era o coração, suposto responsável pela inteligência e personalidade de cada indivíduo. Essa visão só mudou na Grécia Antiga, e mesmo assim, até hoje, falamos “ele tem um bom coração” quando alguém é gentil e solícito, ou “eu sei de coeur, como se a nossa memória ficasse no lado esquerdo do peito. Mas, na visão integrada da neurociência, o coração tem sim a ver com o que acontece no cérebro, respondendo rapidamente aos estímulos que este recebe e produz.

Mindfulness é uma tradução, feita pela primeira vez em 1921, de sati, da língua Pali, que une três intenções: estar consciente + atenção + recordar. Em uma frase, significa “recordar e ter atenção para estar consciente”. O conceito de mindfulness em si não é tão recente. A ideia já era apresentada no Mahabaratha, por exemplo, texto sagrado do hinduísmo, considerado um manual de psicologia-evolutiva: “o que não está aqui, não está em lugar nenhum”. Ou, como mostra um dos vídeos do famoso aplicativo que ensina a meditar, o Headspace: “É fácil de esquecer que o que estamos procurando, já está aqui”.

A prática de mindfulness, que não inclui apenas a meditação, nos leva a um estado de consciência que se direciona a atender momento por momento, nos tornando menos reativos aos eventos não prazerosos ou àqueles que não podemos controlar.

Em 47% de nosso tempo mental, pensamos sobre o passado ou planejamos o futuro, ou seja, não estamos presentes

A prática melhora a habilidade de observar e sentir o corpo e a mente no presente, sem críticas, sem julgamentos. Aliás, essa é outra máxima: se está com aquilo que se tem.

Mas como isso funciona, cientificamente? O processo para tal mudança do próprio comportamento começa a acontecer na ínsula, pequena parte do cérebro com um alto poder em guiar respostas emocionais fortes e uma das estruturas mais envolvidas no processo de gerar emoções.

Quando realizamos um esforço geral para praticar escolhas mais mindful, aumentamos o espaço de tempo entre um estímulo (seja um evento mental ou uma situação externa) e a resposta que damos a ele. Começamos a controlar o impulso instantâneo e reativo, que a ínsula naturalmente nos instiga a dar, e a desenhar modificações funcionais e estruturais, a longo prazo, nos traços de quem somos e de como nos posicionamos no mundo. Executado em oito semanas por instrutores qualificados, para grupos abertos, com participantes que procuram pela técnica para acalmar o estresse psicofísico, o MBSR é o protocolo de aplicação de mindfulness mais estudado pela neurociência, comprovando esses benefícios da prática para o cérebro humano.

A principal diferença entre o cérebro humano e o cérebro primata é o número de neurônios e a enorme interconexão, de alta velocidade, entre as regiões cerebrais. O sucesso do cérebro humano está na fiação interna, que viabiliza a grande rede de conexões neurais. A capacidade que temos de moldar o cérebro às nossas experiências é enorme. Saber como funciona o cérebro pode ser um incentivo para quem está a fim de escolher uma vida mais mindful, mais presente.

Abaixo, listo algumas dicas para ter um dia mais mindful:

1) Faça caminhadas. Já ouviu falar na expressão solvitur ambulando? Significa: resolve-se caminhando. Caminhar de maneira lenta em espaços verdes e em silêncio proporciona ao cérebro um estado meditativo.

2) Preste atenção na própria respiração é a base da prática mindfulness. A respiração é algo natural do corpo humano e pode ser usada como um medidor físico de nosso estado mental.

3) Use lembretes no dia a dia: espalhe bilhetes em sua rotina com atividade simples, como tomar banho, almoçar e dirigir para lembrar-se de ter mais presença mental. Ler um pequeno texto sobre a comida nas refeições pode ajudar a ter uma alimentação mais consciente (como este, abaixo)

Este alimento é uma dádiva de todo o universo:
a terra, o céu, inúmeros seres vivos;
é fruto de muito trabalho árduo, feito com amor.
Que eu possa comer e viver em
consciência plena e gratidão,
para ser digno de receber este alimento.
Que eu possa reconhecer e transformar
minhas formações mentais prejudiciais,
especialmente a minha gula,
e aprender a comer com moderação. 

Thich Nhat Hanh, monge budista

4) Durma bem: O cérebro precisa de sono. Você não vai conseguir ter bom humor para se empenhar em ter mais presença mental se estiver privado de umas boas horas de sono.

5) Evite fazer multitarefas, prefira realizar uma atividade de cada vez com presença mental.

 

Caroline Baldasso, 26 anos, pesquisadora, é estudante de Neurociência & Mindfulness pela Università di Pisa e pela Harvard University. Estuda o comportamento humano e os benefícios ao cérebro do protocolo mindfulness de redução do estresse psicofísico, o MBSR. Dias 20 e 27 de agosto, dará o curso Hack Your Brain, em São Paulo, a convite da Valkiria Inteligência Criativa.

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