A paixão surgiu no Ensino Médio. Logo na primeira aula de Química, em uma escola estadual no Tatuapé, Zona Leste da capital paulista, Taynara Alves soube que queria passar a vida entre pipetas e tubos de ensaio. Do colégio, engatou em um curso técnico na área, na ETEC Getúlio Vargas, e depois a graduação na Faculdade de Química, na Universidade Federal do ABC, em Santo André, na Grande São Paulo.
O singular no seu caso foi unir o amor pela química à visão de que as pesquisas devem sair das bancadas e gerar soluções concretas para o dia a dia da sociedade. Taynara, 28, é a fundadora da InQuímica. A startup desenvolveu uma solução líquida para purificar frutas, legumes e verduras que promete remover até 85% dos metais pesados oriundos de agrotóxicos (ou do solo do plantio já contaminado).
Para desenvolver a fórmula, Taynara e sua equipe fizeram testes com alimentos comprados em feiras livres, que serviram para mapear os metais pesados que mais apareciam nas frutas, legumes e verduras: “No topo da lista de mais contaminados, estão o pimentão, o tomate e o morango. Também encontramos bastante metais no abacaxi e até na alface”.
Ela explica que metais como chumbo, mercúrio e bário podem provocar aumento da pressão arterial, anemia, dores de cabeça e tontura, e gerar, a longo prazo, lesões nos rins, fígado e pulmões. Os agroquímicos, por sua vez, podem ocasionar problemas neurológicos e câncer.
De acordo com a Fundação Oswaldo Cruz, é possível encontrar até 15 princípios ativos de diferentes agrotóxicos em análises de alimentos cultivados no Brasil. Para piorar, desde o início de 2019 o governo autorizou o uso de 54 novos agrotóxicos no país, que já tem mais de 2 mil produtos químicos licenciados.
“Os alimentos atualmente têm uma porcentagem alta de agroquímicos”, diz Taynara. “A solução ideal seria reduzir isso, até zerar no futuro. Mas em vez de esperar, quis trazer algo imediato”
O Puro e Bom, nome comercial do produto da InQuímica, deve ser diluído em água e os alimentos colocados de molho por 30 a 40 minutos (depois, basta enxaguar).
Enquanto os alimentos estão de molho, os metais pesados se ligam quimicamente a substâncias contidas na solução e perdem seu potencial danoso. Assim, também não contaminam a água e o solo quando descartados.
Taynara afirma que, além dos metais, seu produto remove agroquímicos como o glifosato (herbicida usado na agricultura) em um percentual que varia entre 30% e 45%. “É um número que trabalhamos para aumentar. O produto está em constante melhoria, não é a mesma fórmula de quando começou.”
A vantagem do Puro e Bom, diz a empreendedora, é o seu custo benefício: “O produto sai por um valor intermediário entre o orgânico com selo de certificação e o alimento convencional”. É vendido em embalagens de um, dois ou cinco litros, a 130 reais o litro. O foco, por enquanto, é o mercado B2B, sendo os principais clientes fabricantes de marmitas fitness, papinhas para bebês e pequenos hortifrutis.
“Há também donos de restaurante a quilo, questionados pelos clientes sobre se usam orgânicos. As pessoas estão mais preocupadas com a qualidade dos alimentos, mas, muitas vezes, não querem ou podem pagar a mais por isso.”
PARA “DESCASCAR ESSE ABACAXI”, FOI PRECISO UMA FACULDADE DE NEGÓCIOS
Taynara trabalhou em laboratórios privados, com controle de qualidade de materiais em uma metalúrgica, por exemplo. Mas a menina-dos-olhos sempre foi um projeto dos tempos da faculdade de Química. Já então, a futura empreendedora investigava os malefícios dos agroquímicos e dos metais pesados para a saúde humana.
Após um tempo de pesquisa em laboratório, ela se deu conta de que tinha um produto com potencial de vendas. O que faltava era entendimento de mercado. Em uma faculdade de Química, conta, têm-se pouca noção de gestão e negócio.
“Queria abrir minha mentalidade para isso e colocar meu produto no mercado. Na ciência no Brasil hoje existem pesquisas excelentes, que podem melhorar o mundo, mas que nunca saem da bancada”
Em vez de contratar um gerente comercial ou buscar um sócio da área, Taynara resolveu encarar um novo vestibular. Aprovada, se matriculou em uma graduação em Negócios na Fatec, em São Paulo (curso que, agora, está prestes a concluir). Logo tirou um CNPJ de microempreendedor individual.
“Fui me moldando. Pensei: ‘tenho um produto que pode ir para o mercado, os benefícios são esses, a proposta de valor é essa, a concorrência é essa’. Comecei a enxergar as coisas como um negócio.”
Taynara fundou a InQuímica em julho de 2017, com um ano de curso, e lançou o primeiro protótipo do Puro e Bom em agosto de 2018. Até hoje, ela trabalha no coworking da faculdade e usa laboratórios alugados para o desenvolvimento de produto. A nova sede (científica e de negócios) da empresa já está em obras.
A startup passou por três acelerações. A primeira foi com a Emerge Labs, voltada a mentorias para cientistas-empreendedores; a segunda, pela BlackRocks, direcionada a projetos de empreendedores negros, como Taynara. A terceira aceleração, no ano passado, se deu pela Artemisia:
“Foi um processo de seis meses. No final, selecionaram três negócios de destaque e investiram 20 mil reais”, diz Taynara, que usa o dinheiro para pagar as análises de laboratório: “Esse é um dos nossos maiores custos”.
A empreendedora afirma que seu produto dispensa liberação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) por não conter matérias-primas nocivas à saúde. Mesmo assim, ela está em contato com o órgão para a concessão de um selo de aprovação (“é uma conversa muito demorada”, diz, queixando-se da burocracia).
META: VENCER AS “GAMBIARRAS CASEIRAS” E ALCANÇAR O CONSUMIDOR FINAL
Além de Taynara, a empresa conta com duas pessoas: uma engenheira química, que cuida da automação do laboratório, e uma bióloga, responsável pelas análises clínicas dos produtos.
Por enquanto, com a equipe enxuta, os próprios cientistas se encarregam de prospectar e apresentar o Puro e Bom a potenciais interessados. “As primeiras vendas foram no porta-a-porta, fazendo contato inicial por email e telefone”, diz Taynara. “Eram cem clientes contactados para conseguir [fechar] dois.”
Os clientes — marmitas fitness, papinhas e pequenos restaurantes — são negócios que normalmente topam usar um selo InQuímica, ajudando a divulgar a empresa (“se não, fica a ‘venda pela venda’, e não é o que queremos no B2B; buscamos fortalecer a marca”). E, no futuro, Taynara planeja vender para o consumidor final:
“A ideia é que o produto seja acessível às pessoas que querem consumir alimentos mais saudáveis, mas não podem comprar o orgânico, por ser mais caro”
Um dos desafios para alcançar o B2C, no caso, é como superar o hábito das pessoas recorrerem a gambiarras caseiras, lavando alimentos com vinagre ou bicarbonato de sódio.
“Esses produtos fazem uma limpeza superficial”, diz Taynara. “Nosso trabalho é mostrar que o Puro e Bom mais do que limpa, ele purifica e elimina metais pesados.”
A empreendedora conta que ainda não patenteou seu produto por uma razão simples: evitar, por enquanto, que a fórmula se torne pública.
“Se é patenteado, em tese não pode ser copiado. Mas se o concorrente for uma indústria química gigante, uma multinacional, por exemplo, até entrar na justiça e brigar… Queremos nos consolidar como pioneiras antes.”
A cientista-empreendedora já vislumbra um segundo produto, voltado para descontaminação do solo. “Enxergo o laboratório como um sistema de gestão de novos produtos. Não é só um lugar de experimentos.”
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