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Os acertos e erros da Estante Virtual, primeiro acervo digital de livros do país, que este ano cresceu 20%

Cecilia Valenza - 21 dez 2016 André Garcia, fundador da Estante Virtual: “A crise fez muita gente optar pelos livros usados”.
André Garcia, fundador da Estante Virtual: “A crise fez muita gente optar pelos livros usados”.
Cecilia Valenza - 21 dez 2016
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Três milhões de livros vendidos em 2016 e crescimento acima de 20% em ano de recessão econômica. Os números da Estante Virtual, plataforma que reúne o acervo de quase 2 500 sebos espalhados pelo país, impressionam. Desde que foi lançada pelo carioca André Garcia, 38, em 2005, a Estante já vendeu quase 16 milhões de exemplares. De saída, tinha a seu favor o pioneirismo e o modelo de negócio inovador. “Fomos o primeiro market place de nicho do Brasil. Na época só quem fazia isso era o Mercado Livre, mas eles não eram focados em um só segmento”, diz André. O que muitas redes varejistas começaram a fazer apenas recentemte, a Estante já faz há mais de uma década.

A ideia de criar um portal que reunisse o acervo de vários livreiros surgiu a partir de uma necessidade vivida pelo próprio André. Formado em Administração ele começou a estagiar em grandes empresas logo no início da faculdade. Aos vinte e poucos anos estava construindo uma carreira no marketing de empresas de telecomunicações. Mas a verdade é que estava frustrado:

“Eu estava lutando por porcentagens insignificantes de market share e não via sentido naquilo. Aos 26, estava frustrado com as vaidades do ambiente corporativo”

Foi quando recusou uma promoção e decidiu mudar de vida e fazer um mestrado em Psicologia Social na PUC de São Paulo. “Queria ter uma visão mais crítica das coisas.” Para se preparar André teve que ler. E ler muito.

Só que aí surgiu um problema. Ele não conseguia encontrar os livros que precisava. “Cheguei a procurar os livros em alguns sebos, mas achei aquela experiência confusa. A maioria não tinha o acervo catalogado, eu não conseguia me achar lá dentro”, conta. E pior, duas semanas depois de começarem as aulas do mestrado ele recebeu a notícia de que não havia sido selecionado para a bolsa: “Tive que trancar. Era muito caro me manter em São Paulo”.

André abriu mão do sonho do mestrado, voltou para o Rio de Janeiro, mas não esqueceu a dificuldade que havia experimentado na busca pelos livros. Começou a pesquisar na internet e descobriu que poucos sebos possuíam sites e que uma parte menor ainda tinha algum mecanismo de busca. “Muitos até tinham uma homepage, mas só com um telefone e e-mail. E os que tinham busca não tinham carrinho de compras. Você tinha que enviar um e-mail falando o livro que queria de qualquer forma.”

A SACADA DE JUNTAR NECESSIDADE E NEGÓCIO

Foi quando ele teve o que chama de “dupla inspiração”. A primeira como marqueteiro: viu que existia um mercado inexplorado ali. A segunda como acadêmico da área de humanas: havia uma desigualdade de acesso. Apenas alguns poucos livreiros tinham a chance de expor seus acervos online, e a pior consequência disso era que aqueles livros não estavam chegando até as pessoas que precisavam deles. André conta:

“Eu via potencial na minha ideia, mas não achava que seria um divisor de águas para o mercado, como acabou sendo. Para mim, eu teria uns 50 sebos cadastrados e conseguiria renda para pagar o mestrado”

Marqueteiro e estrategista, André começou a tocar seu projeto na surdina. Entrava em contato com os sebos por e-mail, se passando por cliente, e pedia a listagem dos livros de sociologia, por exemplo. Assim, conseguia sondar os que já tinham alguma base de dados com os livros cadastrados. Ele não mencionava o projeto da Estante Virtual. “Não sabia quanto tempo levaria para conseguir terminar o site, e não queria dar a dianteira para alguém que tivesse dinheiro para fazer aquilo acontecer e sair na minha frente”, conta. Aliás, sem dinheiro para contratar alguém e autodidata, ele estudou programação por conta própria e montou a plataforma totalmente sozinho.

André no escritório da Estante Virtual. Ele aprendeu a programar sozinho para montar o site. Hoje, tem 60 funcionários (foto: Estefan Randovicz).

André no escritório da Estante Virtual. Ele aprendeu a programar sozinho para montar o site. Hoje, tem 60 funcionários (foto: Estefan Randovicz).

Dois meses antes do lançamento do site os sebos foram, enfim, informados da novidade. Dessa forma os livreiros tiveram tempo para cadastrar suas bases de dados. Em 20 de outubro de 2005 a Estante Virtual veio a público com 12 sebos cadastrados e um acervo de 10 mil itens.

Eles entram na Estante Virtual com o Plano Prateleira, pelo qual podem ter um acervo de até 2 000 livros cadastrados na plataforma, pagando uma mensalidade de 49,90 reais. Após o tempo de experiência, de 90 dias, o livreiro pode solicitar a mudança para planos superiores, de acordo com os seus indicadores de excelência. Além disso, a Estante ganha de 8 a 12% em cima do valor de venda dos livros negociados na plataforma (quanto maior o volume de vendas do livreiro, menor é a comissão).

A estrutura do site foi criada de forma que os livreiros conseguissem subir seus catálogos sozinhos. Aos poucos o número de sebos cadastrados foi crescendo e, depois de nove meses, a empresa atingiu o break-even. André tinha conseguido recuperar os cerca de 10 mil reais que havia investido na criação da marca, hospedagem do site e despesas por ficar quase um ano sem trabalhar, dedicado ao projeto.

“Sair do vermelho me permitiu dar um grande passo na minha vida pessoal. Fui morar sozinho. Na época do eu morava com o meu avô porque tinha sido praticamente expulso da casa do meu pai. As circunstâncias tinham se tornado insustentáveis por eu estar tocando um projeto há quase um ano sem ganhar dinheiro. Minha madrasta achava um absurdo um jovem de 25 anos estar em casa sem trabalhar, mas a verdade é que eu trabalhava muito, virava noites programando e trabalhando no site”, conta.

DE REPENTE, DESCOBRIR QUE A CULTURA DA EMPRESA ESTÁ ERRADA

Com a empresa começando a dar lucro e a base de livreiros e clientes crescendo sem parar, André teve a certeza de que seu negócio tinha dado certo. Mas perrengues aconteceram, é claro. Inclusive aqueles que eram até de certa forma esperados. No quinto mês de operação, o tráfego do site já era tão grande que o servidor não dava mais conta: “Usávamos um servidor compartilhado e o site chegou a sair ar porque o servidor não suportou. Tive que encontrar uma solução às pressas. O bom é que nessa época a empresa toda era apenas eu. Então eu tomava todas as decisões sozinho e conseguia fazer isso rápido sem ter que consultar ninguém”.

Uma década depois, André afirma que a história de qualquer empresa de sucesso é inevitavelmente marcada por sustos, aprendizados e adequações. Prova disso é que, quase dez anos depois de lançar a Estante, ele se deu conta de um grande erro estratégico. Em 2013, ele viajou por vários estados brasileiros e encontrou pessoalmente mais de 100 livreiros. Ele conta:

“Pela primeira vez, ouvi muitas críticas a respeito do nosso relacionamento com os livreiros. Foi um choque”

Ele prossegue: “Nós os tratamos como parceiros e os compradores como clientes. E eles estavam muito insatisfeitos afirmando que sempre que havia algum problema dávamos razão ao comprador”. Até então, ele achava que a Estante Virtual era uma empresa B2C, em que o comprador era o mais importante, o cliente de fato, e o livreiro era um parceiro. Depois desses encontros, se deu conta de que na verdade a empresa é “B2B2C”: “A estante está no meio e presta serviço para dois clientes. O livreiro também é um cliente, pois ele compra um serviço de catalogação de acervo, de comércio eletrônico, de atendimento”.

Ao perceber que essa concepção estava incorreta, André teve que virar a empresa do avesso para reformular uma cultura já estabelecida. E isso acarretou em uma mudança tão grande que resultou na troca de gerências e inclusive na saída de sócios. “Foi um processo desgastante e doloroso, mas que tinha que ser feito. A Estante sem os livreiros é uma estante vazia, de que adiantaria ter um plataforma perfeita, se não tivéssemos os livros?” Atualmente, a Estante tem 2 400 sebos cadastrados e um acervo de 16 milhões de títulos.

COMO CONTINUAR CRESCENDO E INOVANDO

Há dois anos, a Estante entrou também no mercado de livros novos. André fala sobre essa mudança estratégica: “Tomamos a decisão porque muitos sebos já não se limitavam mais apenas a livros usados. As livrarias convencionais vêm expondo uma diversidade cada vez menor de livros nas lojas físicas, a maior parte do acervo fica na internet. Com esse fenômeno, os sebos começaram a comprar também livros novos das editoras ou das pontas de estoque. Sentimos a necessidade de contemplar isso na plataforma também.”. Embora o maior volume de vendas ainda seja de usados, os livros novos já representam 20 a 30% das transações.

Para André, os brasileiros ainda precisam superar a resistência aos usados. “No imaginário coletivo eles são aquela coisa cheia de poeira, caindo aos pedaços. Talvez culpa disso venha até da palavra usada por nós. Vamos combinar que sebo é um nome que não ajuda muito. Mas acho que aos poucos a gente vai conseguindo vencer isso, sobretudo nesses tempos de crise. Essa é inclusive uma das explicações da gente crescer tanto esse ano, pois muita gente optou pelos usados”, afirma.

Para conquistar cada vez mais adeptos, a Estante está investindo em melhorias na experiência do usuário. E isso inclui aprimoramentos tanto para compradores como para vendedores. Entre as mudanças está um novo sistema de busca, mais inteligente. “Até o fim desse ano vamos lançar uma nova busca, com um algoritmo que vai ajudar a encontrar os livros mais facilmente. Hoje se você ou o livreiro digitam uma letra errada o site já não encontra aquele livro. Isso vai mudar”, diz.

Para os livreiros, em contrapartida, vai ficar mais fácil fazer o cadastro e a integração com as plataformas de intermediação de pagamento. Os planos para o próximo ano incluem ainda o desenvolvimento de um aplicativo para celular. Pensando um pouco mais adiante, André acredita que a empresa vai continuar crescendo e não se vê ameaçado pelos livros eletrônicos:

“Acredito na experiência palpável, a gente gosta de sentir os livros, de emprestar para os amigos, isso é cultural. A Estante estimula essa troca, o reúso e uma forma de consumo ética”

Ele diz, também, que a economia colaborativa “está aí, ganhando cada vez mais força” e quanto mais esses valores se tornarem relevantes melhor será para a sociedade.

DRAFT CARD

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  • Projeto: Estante Virtual
  • O que faz: Intermedia a venda de livros usados entre livreiros e clientes
  • Sócio(s): André Garcia
  • Funcionários: 60
  • Sede: Rio de Janeiro
  • Início das atividades: 2005
  • Investimento inicial: R$ 10.000
  • Faturamento: NI
  • Contato: [email protected]
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