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Os bastidores da “colisão de mundos” que fez o hospital Albert Einstein se aproximar de startups

Marina Audi - 30 nov 2017 Cláudio Terra, diretor de Inovação e Gestão do Conhecimento do Einstein, na inauguração da incubadora de startups Eretz.bio, este mês (foto: Fabio Mendes).
Cláudio Terra, diretor de Inovação e Gestão do Conhecimento do Einstein, na inauguração da incubadora de startups Eretz.bio, este mês (foto: Fabio Mendes).
Marina Audi - 30 nov 2017
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Há três anos, Cláudio Terra, 52, diretor de Inovação e Gestão do Conhecimento do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, começou a promover, nos bastidores de um dos maiores centros de excelência em saúde da América Latina, o que chama de um clash of the worlds (algo como “colisão de mundos”). É uma boa maneira de descrever o impacto que as tecnologias disruptivas têm em um setor tradicionalmente tão conservador.

Para se ter ideia, até o início de 2014, o Einstein não tinha um modelo de inovação com patentes, licenciamento, startups — e nem um diretor que cuidasse desse assunto. De lá para cá, no entanto, muita coisa mudou.

Cláudio conta que, somente este ano, a instituição investiu cerca de 38 milhões de reais em inovação e pesquisa, valor que deve ser repetido ano que vem, tal a importância que a área tomou. Nessa mesma esteira, acaba de ser inaugurado o primeiro centro de inovação e empreendedorismo dentro de um hospital brasileiro, chamado Eretz.bio (Eretz, em hebraico, significa “terra prometida”). O espaço de 800 m² está na unidade Vila Mariana, em São Paulo, e nele foram investidos 2 milhões de reais, com ajuda de um doador da comunidade judaica.

Ali será possível incubar até 15 startups com soluções e produtos para a área da saúde e mais 15 de modo virtual (caso de empreendedores de outras regiões que usam o centro quando estão na capital paulista). Os projetos assinam contratos renováveis de seis meses para usufruir do lugar e pagam uma mensalidade de 450 reais.

Formado em Engenharia de Produção e Economia e com doutorado em Gestão do Conhecimento pela USP, Cláudio encabeçou essa revolução (é justo dizer, com total apoio do board) usando na verdade de muita empatia com processo científico-estatístico e exercitando um belo tanto de diálogo com médicos e pesquisadores.

Nesta entrevista concedida ao Draft, poucos dias depois da festa de inauguração do Eretz.bio, ele conta como se deu a evolução do hub de inovação que possui, hoje, 40 colaboradores e já recebeu a visita de mais de 900 startups.

Como um engenheiro chegou ao Einstein?
Eu tinha vendido minha consultoria para um grupo estrangeiro, continuava na diretoria executiva, mas tinha perdido o gosto. O Einstein, por sua vez, começava a pensar em inovação e Telemedicina. Eles já tinham uma área muito forte de pesquisa científica e era uma instituição inovadora num sentido mais amplo. Mas, de fato, o modelo de inovação com patentes, licenciamento e startups era uma folha em branco. Eu não entendia nada da área de saúde, mas fiquei intrigado.

Por onde começou a estruturação do setor de inovação?
Primeiro estudei o terreno. Quando se fala das grandes instituições de saúde brasileiras, pouco se vê de desenvolvimento de tecnologia em hardware, produtos novos. Importa-se quase tudo. As inovações aqui eram qualidade do serviço, excelência na formação de capital humano, adoção pioneira de novas tecnologias como cirurgia robótica, protocolos de segurança do paciente e sistema de gestão.

Eu não ia entrar no que já estava bom. Então, tive de definir internamente inovação para não interferir negativamente nas outras áreas

Aqui no Einstein, inovação são coisas que têm potencial de mercado e ou que geram propriedade intelectual, tais como patente, direito autoral e registro de software. Essa definição ajudou muito porque criou zonas de contorno na relação de uma área nova com o que já existia. Daí comecei a pensar como era a cara dessa nova história.

Herdei o Centro de Inovação Tecnológica – CIT, que gerencia a propriedade intelectual, gera e cuida das patentes, estimula o desenvolvimento de projetos com potencial de inovação. Depois, veio a Telemedicina, uma operação acadêmica, em que se fazia 300 atendimentos por ano, praticamente um por dia. Venho da área de software, desenvolvimento de tecnologias, novas tendências, então, disse ao CEO que precisava montar um Laboratório de Inovação para desenvolver essas novas tecnologias. Isso não era nada claro para as pessoas, que não sabiam se eu trabalhava com TI ou P&D.

Logo começou o clash of the worlds (colisão de mundos). Eu queria trabalhar na nuvem e não no Data Center do Einstein. Propus trabalharmos com open source (ter o código-fonte de um software aberto), em projetos de inteligência artificial, mobile, fazer produtos para o mercado e estabelecer um método de desenvolvimento Agile. Ou seja, tudo diferente de um processo clássico daqui. Começamos como um núcleo de negócios que trabalhava com conceitos novos e brincava com tecnologias para criar produtos e soluções que gerassem valor para a sociedade.

Quais foram as dificuldades encontradas?
Tudo o que eu estava fazendo não era suficiente. Como eu não conseguia ter todos os recursos aqui dentro, trabalhar com o conceito de inovação aberta era uma maneira de alavancar recursos e competências de parceiros para fazer projetos mais desafiadores, sem precisar gerar custos fixos. E esse pilar de inovação aberta inclui as startups, as pequenas e as grandes empresas.

Inovação não é um negócio 100% planejado. É preciso aprender e testar o tempo todo, além de engajar as pessoas ao seu redor

No meu caso, na Saúde, é preciso aprender e testar as novas tecnologias, entender o que pode e o que não pode, engajar o corpo clínico e encarar o desafio de trabalhar com eles. Tudo isso começou no segundo semestre de 2014. Desde então, construímos e criamos consenso sobre o papel de cada uma dessas iniciativas. Houve muito diálogo, muito convencimento, mostramos resultados, fizemos benchmarking…

Como esses esforços de inovação se traduziram em economia de recursos ou ganhos de operação?
Algumas coisas são mais quantificáveis outras menos. No CIT, em todos os anos aumentamos o número de patentes. Treinamos um monte de gente em propriedade intelectual, começamos a fazer contratos de licenciamento. O valor financeiro ainda é pequeno, mas é uma mudança muito forte. Por exemplo, as patentes entraram no BSC (Balanced Scorecard, ou Indicadores Balanceados de Desempenho, uma metodologia voltada para otimizar a gestão estratégica).

A área de Telemedicina saiu de 300 atendimentos, basicamente projetos filantrópicos, Ministério da Saúde e do SUS, e foi para 4000 em 2015. Depois pulou para 7 000 em 2016 e, este ano, fecharemos com 35 000 atendimentos. Hoje, o Einstein é líder absoluto em Telemedicina entre os hospitais privados. Várias empresas, hospitais e escolas são nossos clientes. Foram lançados 15 produtos, criados por um grupo multidisciplinar de inovação com médicos, designers, arquitetos e desenvolvedores de aplicativos. Um exemplo disso é um projeto que vendemos para as UTIs da Secretaria de Saúde do Governo do Piauí. A taxa de mortalidade lá era de 70%, aqui no Einstein é 0,5%. Em três meses, a mortalidade lá foi reduzida pela metade.

A percepção interna sobre a área também mudou, com esses resultados?
Sair do não-comercial para chegar nesse patamar foi uma grande entrega. Agora, estamos prontos para ganhar escala. O Laboratório de Inovação ganhou muito respeito aqui dentro. Em fevereiro deste ano, um grupo que trabalha em um processo de inovação aberta junto com uma empresa, desenvolveu um algoritmo para detecção de câncer de próstata. Eles participaram de uma competição mundial liderada pela Universidade de Chicago, em que centenas de equipes trabalharam com machine learning, e ficamos em primeiro lugar.

Hoje estamos no jogo de Inteligência Artificial. Para isso é preciso ter visão, contratar as pessoas certas, dar desafios corretos, formar alianças, conseguir recursos próprios e também de terceiros

Outro caso, é o projeto gigantesco que desenvolvemos para a Prefeitura de São Paulo, de teledermatologia, para diminuir as filas. Nós tínhamos um protótipo, mas ele foi descartado e em quatro semanas desenvolvemos um sistema, com aplicativo e software de gerenciamento, que é superseguro. Para fazer isso não basta uma equipe normal.

Como se chegou à ideia da incubadora de startups no Einstein?
O trabalho com startups começou bem antes, logo que eu cheguei. Eu estava aqui há quatro semanas e, por conta do LinkedIn, as pessoas do ecossistema de empreendedorismo começaram a me procurar. Daí, pensei em testar algo com a presidência. Falei com o diretor médico e eu, recém-chegado, trouxe seis startups para se apresentarem por 20 minutos, fazendo pitch. O pessoal foi gentil, mas eles ainda não sabiam o que era aquilo. Como eu tinha capital de credibilidade para testar, propus ao presidente fazermos parcerias com startups através de contratos de cooperação técnica, científica e operacional. A ideia era trazê-las para perto, para aprendermos a nos relacionar com elas.

Depois de um processo bem rigoroso, pinçamos várias startups e elas começaram a trabalhar conosco. No início, não havia estrutura e não sabíamos exatamente o que podíamos oferecer, mas tínhamos a atitude: “estamos aqui!”. Hoje, todo dia tem startup falando conosco. Essa é uma mudança radical dos últimos três anos. Começamos a financiar mais alguns projetos e, hoje, temos as parceiras Genomika, que adquirimos parcialmente, To Life , Sollis , Nexo, Neoprospecta, Medroom, Magnamed, Kidopi, Canguru, Anestech, Hoobox e In9ve Access.

A cada seis meses fazemos chamadas, no Circuito Einstein de Startups, para elas virem se apresentar para gente. Não existe prêmio algum, nenhum compromisso. O que oferecemos é um dia inteiro para se mostrarem para toda a comunidade médica e científica do Einstein, que é convidada a interagir, laboratórios farmacêuticos e investidores. Na sétima edição do circuito, realizada semana passada, fizemos um evento totalmente aberto para outros hospitais. Acredito que, daqui para frente, serão todos assim porque não faz sentido apoiarmos startups que trabalham só para o Einstein.

Como funcionará, então, o Eretz.bio?
Somos uma porta de entrada. Não é a mesma coisa que uma empresa entrar pela área de suprimentos, que pede referência, carta de apresentação, extrato bancário. Quando olhamos um projeto, analisamos se ele endereça um problema real, se ele pode ter um impacto grande, e fazemos uma série de perguntas para avaliar o potencial de sinergia. Aí, damos acesso à estrutura dos laboratórios de pesquisa do Einstein, que são de classe mundial. Nenhuma outra instituição privada coloca à disposição esse rol de equipamentos sofisticados.

Oferecemos o apoio maciço dos quase 30 engenheiros de ciência da computação do Laboratório de Inovação, que pode ajudar um biólogo ou um médico que tenha uma ideia de um produto e um protótipo rudimentar a melhorar o desenvolvimento, apoiando na especificação, detalhamento, contratação de fornecedor… porque temos esse know-how aqui. Queremos que os processos decolem, então, se precisar, colocamos dinheiro no projeto, apesar de nosso papel principal não ser esse.

Em sua origem, o Einstein tem uma relação estreita com Israel, a Startup Nation e a ideia de que se pode fazer diferença, ser empreendedor. Algo muito forte impulsiona o board para fazer isso no Brasil também. Fazer parte dessa visão de impacto na saúde, para mim, é impagável.

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