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“Os motoristas de caminhão sempre foram negligenciados. Queremos oferecer volume de fretes e outras vantagens para ajudar no seu dia a dia”

Aline Scherer - 25 jul 2024
André Pimenta, CEO da Motz (crédito: divulgação Motz).
Aline Scherer - 25 jul 2024
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Na última década, cerca de 1,1 milhão de motoristas de caminhão deixaram o mercado, segundo a Secretaria Nacional de Trânsito. Isso significa que o setor perdeu 20% de sua mão de obra desde 2013. Além disso, a idade média subiu 9% e está em 53,5 anos.

A carência de motoristas é um dos principais desafios do setor logístico, apontado por 65% das empresas entrevistadas em uma pesquisa, em 2023, da Confederação Nacional do Transporte (CNT). 

Esses números preocupantes ajudam a explicar um movimento da Votorantim Cimentos. Com cerca de 60% de sua carga transportada por motoristas autônomos, a companhia resolveu apostar na tecnologia para se aproximar desse público. E fez isso fundando, em 2020, a Motz, sua própria startup de gestão logística.

Ao digitalizar processos por meio de um aplicativo, a Motz se propõe a ajudar motoristas a aumentar o volume de cargas disponíveis e ter acessos a benefícios (incluindo descontos em combustíveis, facilidade de financiamento – por meio do BV, o banco do grupo – e acesso a consultas médicas online).

Por meio dessa estratégia, a Motz espera fidelizar fornecedores antigos e atrair novos. Hoje, há no Brasil em torno de 4 milhões de motoristas de caminhão, dos quais cerca de 900 mil são autônomos. A empresa já conseguiu que 50 mil deles baixassem seu aplicativo ou mantivessem contato via Whatsapp. 

A Motz se pagou já no seu primeiro ano de operação (e passou a pagar dividendos à Votorantim Cimentos). Só no ano passado, faturou 1,5 bilhão de reais e cresceu em 25% seu volume transportado – aumentando também o faturamento dos motoristas autônomos. 

Engenheiro de produção, André Pimenta fez carreira na área de logística da Ambev e da própria Votorantim Cimentos, antes de assumir como CEO da Motz. A seguir, ele fala sobre os desafios do setor e o trabalho de digitalizar a vida dos motoristas:

 

Como foi a criação da Motz? E o que faz a startup?
A Motz é uma transportadora fundada em abril de 2020 dentro da Votorantim Cimentos, tornando-se independente um ano e meio depois, quando ela parou de pé [equilibrou receitas com custos]. 

Quando entrei na Motz, em setembro de 2021, para fazer a transição, quase um spin off, fui o 25º funcionário. Hoje, estamos com mais de 150 pessoas.

Negociamos frete e somos responsáveis pela carga e descarga, por meio de uma jornada digital em que o motorista escolhe o melhor roteiro e frete 

Investimos em tecnologia para a qualificação do motorista, para garantir segurança e rastreamento da carga quando o cliente pede, junto a uma gerenciadora de risco, e para fazer a quitação e o pagamento digital, quando o motorista entrega.

Tenho um CIO, que cuida da parte de tecnologia; uma CFO que cuida da parte de gente e administrativo, além do financeiro; um COO, responsável por operações e comercial; e uma gestora de projetos e de transformação da companhia. 

Criamos produtos através de MVPs, com áreas interligadas e times trabalhando juntos, tentando não deixar formar silos entre áreas. 

Hoje vocês usam a estrutura da Votorantim para algo?
A área jurídica é compartilhada com a Votorantim Cimentos. O resto é 100% Motz. 

O nosso escritório fica num coworking em São Paulo, e nossa célula de atendimento ao motorista e cliente, por telefone, fica num coworking em Curitiba, próximo de onde está a principal unidade da Votorantim. 

A Motz é independente: temos nossa cultura, nossos valores diferentes da Votorantim Cimentos. Mas claro, tem sempre um olhar próximo, a gente pega muito do espírito de pensar no longo prazo, manter relações duradouras, não escolher atalhos 

A Votorantim é centenária, tem a expertise da Votorantim Cimentos de operação, no sentido de garantir grande volumetria; e a Motz tem o aspecto inovador, de conseguir botar uma jornada digital em cima disso, de não ter tantas amarras para tomar decisão: uma empresa menos hierárquica, mais horizontal.

Em quais segmentos vocês atuam e como está ocorrendo o crescimento da Motz?
Atuamos principalmente em agronegócio e construção civil porque são mercados em que se tem muito motorista autônomo, e porque são mercados gigantescos, muito pulverizados, com muito espaço para crescer. 

Depois de estar super bem consolidados nesses podemos ir para outros. Mas, neste momento, a nossa estratégia é avançar muito fortemente nesses dois mercados. Eles têm similaridade por usar muito motorista autônomo, por tipo de equipamento, caminhões parecidos, cargas secas, como a gente chama, caçamba e tem certa congruência de malhas. 

O agronegócio é muita exportação, a construção civil tem muito processo de importação de insumos. Então, acaba-se casando um pouco as malhas [viárias], e otimizando o processo. Nosso grande objetivo sempre é oferecer carga para o motorista, para onde ele quiser ir 

Nosso crescimento está sendo via avanço comercial com novos clientes no agronegócio e na construção civil, aumentando a base de motoristas, melhorando nosso processo operacional e avançando cada vez mais no digital. Ainda não é pauta comprar outras empresas. 

Por que a Votorantim resolveu lançar essa empresa de logística?
É uma abordagem mais preventiva, olhando o longo prazo; as logtechs são um movimento que vem acontecendo em alguns locais no mundo. 

No Brasil já tinha uma ou outra transportadora digital operando, já vem acontecendo esse movimento da logística se digitalizar. Olhando para isso e para o cenário futuro de queda do número dos motoristas, por que não construir algo do gênero?

A Votorantim sempre trabalhou com motorista autônomo, é um parceiro de longuíssima data. Ela queria avançar nessa cadeia [de fornecedores] e conseguir fazer uma gestão mais próxima. Uma transportadora faria esse papel. De 50% a 60% do volume das entregas se faz com motorista autônomo, via Motz, e o restante com transportadoras via área de logística da Votorantim Cimentos. 

É sempre terceirizado esse serviço de transporte porque o foco é produzir cimento. A Votorantim Cimentos sempre vai contratar um pouco de transportadoras e a Motz. 

A Motz não tem caminhão próprio e não consegue fazer 100% do volume da Votorantim Cimentos porque existe hoje a falta de motorista autônomo. É uma questão de volumetria, capacidades, oscilações de frete. Tem uma série de fatores que fazem precisar ter mais de um fornecedor

O segundo motivo foi o fato de a Votorantim Cimentos ter quase 100 pontos de expedição ao longo do Brasil; eventualmente existiria sinergia de frete com outras empresas, com possibilidade de ganhos para o negócio. 

Em todas as fábricas da Votorantim Cimentos, e junto às instalações de outros clientes, construímos estruturas – por exemplo, “casas do motorista” – em que ele pode usufruir do espaço, tem uma televisão, banheiro para banho, uma churrasqueira em vários casos, uma lanchonete, poltronas. 

E a Motz tem uma unidade dentro dessa “casa do motorista”, em que faz o atendimento, está próximo do motorista para explicar qual a próxima viagem, questões de segurança na estrada e, dentro do cliente, as normas que ele tem que respeitar.

Qual a situação do setor de logística no Brasil hoje?
O mercado de logística representa 13% do PIB. 

Para a infraestrutura no Brasil não existe uma bala de prata. Se a gente olhar de 30 anos para cá, claramente evoluiu; mas [ainda] tem um gargalo enorme na logística

São necessárias uma série de ações de vários grupos, junto ao governo, para conseguir mobilizar e fazer, eventualmente, a transformação e investimentos nas regiões. É um processo que o privado tem que trabalhar próximo ao governo, justamente para trazer as necessidades que nós estamos vendo no dia a dia. 

Nos articulamos junto a associações, como a Abralog, Associação de Empresas de Logística, que tem influência em Brasília, junto à ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), ao DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) e ao Ministério de Infraestrutura. 

Na última década, caiu de 5 para 4 milhões o número de motoristas de caminhão e carreta, de acordo com a Ilos, consultoria de logística. É um público que está envelhecendo. 

Ou seja, há menos motoristas de caminhão entrando no mercado. Desses 4 milhões, por volta de 800 mil a 1 milhão – cerca de um quarto – são autônomos. 

Isso é um grande ponto. Se tem pouco motorista novo entrando no mercado, como a gente ajuda a tornar esse negócio atrativo para o motorista?

Esse realmente foi um público muito negligenciado ao longo dos anos. Então, queremos oferecer volume de fretes e outras vantagens que possam ajudar esse motorista no dia a dia, para que ele possa sustentar a família e pagar as contas. 

Tem uma questão social importante sobre haver menos motoristas entrando no segmento, e esse é o papel da Motz, assim como outros transportadores e os embarcadores: olhar com mais cuidado para não chegar num colapso futuro.

Por mais que o número de motoristas venha caindo, a safra continua crescendo no Brasil. As transportadoras vêm olhando mais para a questão de produtividade. 

Se antes um motorista ficava às vezes esperando até três dias para pegar uma carga, hoje, por um processo de tecnologia, especialmente no agronegócio, ele consegue otimizar o negócio, não precisa ficar esperando 

Eliminando perdas de tempo nesse ciclo logístico, por mais que se tenha diminuído o número de motoristas, se consegue fazer a produção acontecer. 

O que vocês já descobriram sobre o perfil e as preferências dos motoristas?
O motorista tem algumas necessidades; a primeira é sempre financeira. Para ter uma profissão rentável ele precisa reduzir três grandes custos: diesel, pneu e manutenção do caminhão. 

Fizemos parcerias com vários postos espalhados pelo Brasil e grandes empresas de pneus para conseguir descontos. 

Ainda não conseguimos avançar tanto na questão da manutenção. Mas quando eles precisam trocar o caminhão, faz uns três meses que entramos com uma linha de crédito junto com o BV, para financiamento de caminhão. E com isso já tivemos alguns casos de renovação de frota.

Além da questão financeira, o que mais apareceu na pesquisa foi o acesso à saúde e a seguros – do caminhão e de vida. 

Conseguimos fornecer, com um valor muito pequeno. consultas online; com a empresa Vale Saúde o motorista paga de 9 a 20 reais, por mês para ter acesso a telemedicina, o que ele não tinha antes e é muito útil para quem viaja. Além de descontos em farmácias populares 

Nos próximos meses, vamos lançar parceria com seguros, principalmente para os motoristas mais cativos, que estão com a gente quase todo dia.

O que eles buscam sempre é muita transparência do que está acontecendo e simplicidade na explicação. A própria jornada digital tem sido um processo mais devagar porque é um público mais velho, que não tem o hábito de utilização de vários aplicativos. São mais ressabiados, usam mesmo é o WhatsApp. 

Eles gostam de ser motoristas, precisam pagar as contas, sustentar a família, e [querem] ajudar a tornar a profissão mais atrativa para que familiares se tornem também motoristas. Sempre teve muito isso: do pai passar para o filho, o tio para o sobrinho. 

É um mundo ainda muito masculino. Encontram-se mulheres, mas é um número muito pequeno comparado ao número de homens, infelizmente. Temos discutido internamente como fomentar isso, eventualmente, mas não é trivial. 

Como tem sido o investimento em tecnologia e a captação – e a adesão – de novos motoristas?
Novos motoristas, a gente pode ou captar de forma analógica, nos entroncamentos onde tem muito motorista, ou ele baixa o aplicativo e faz o cadastro. A ideia é que todos sejam digitalizados e comecem a usar o aplicativo. 

Hoje, dentro da nossa base, mais de 60% dos nossos motoristas fazem tudo via aplicativo: dão o match na carga, chegam na unidade, avisam qual a carga que vão pegar, vão à filial, quitam pelo aplicativo e assim por diante 

Pouco menos de 40% ainda não utilizam na frequência necessária. Estamos investindo para chegar, um dia, a 90%, 100% desses fornecedores usando o aplicativo.  

Agora, estamos começando a construir a jornada do motorista via WhatsApp – para que tudo que ele faz via aplicativo possa fazer via WhatsApp. Hoje, em 40% das viagens a gente conversa com ele online e direciona para uma filial onde ele faz o carregamento da forma mais tradicional. 

Quando ele chega na nossa filial, nosso time instrui e mostra o aplicativo. Mas dependemos um pouco da aptidão dele, e de ele querer aprender e usar. Alguns falam assim: “Estou com o aplicativo baixado aqui, mas não gosto desse negócio”.  

A Motz reinveste boa parte do dinheiro que gera de caixa – cerca de 95% é para a tecnologia, anualmente. Temos inteligência artificial para o processo de quitação, reconhecimento de canhoto, assinatura

No ano passado crescemos muito em novos clientes, principalmente no agronegócio e construção civil, além de outras empresas concorrentes da Votorantim Cimentos. Estamos operando em todos os estados do Brasil. 

O ano passado foi muito positivo: a Motz faturou 1,5 bilhão de reais bruto e 1,2 bi líquido. Este ano vamos crescer em volume também, mas começamos a olhar com cuidado para as margens [de lucro], para melhorar nossa rentabilidade.

Com relação ao impacto ambiental, a maioria das empresas tem a sua maior parte das emissões de gases de efeito estufa no escopo 3, que são os fornecedores, como os de transporte e logística. Adotar combustíveis menos poluentes é interessante para um fornecedor se tornar mais atraente. Isso está no escopo da Motz?
Está nas discussões nossas para o futuro. A Votorantim Cimentos tem um plano robusto de redução de pegada de carbono até 2030; a Motz otimiza rotas e digitaliza quitações para reduzir quilômetros rodados. 

Estamos discutindo a renovação de frota com a BV, mas adquirir equipamentos modernos não é trivial. E quando ele renova a frota dele, não compra um zero, mas um seminovo. Se anda com um caminhão de 15, 20 anos, vai para um de 10.

A transição para caminhões elétricos está em discussão, mas ainda longe de ser concluída, de fazer algum tipo de teste. 

Fazer investimento “para inglês ver”, ou seja, comprar dois caminhõezinhos elétricos e sair comemorando que tem não é o que queremos… Se é para colocar caminhão elétrico, temos que colocar muitos para funcionar, algo de longo prazo 

E depende também do envolvimento de vários setores para que realmente se consiga viabilizar algo gênero no Brasil. Para longa distância não tem ponto de abastecimento [elétrico] ainda. O país não está preparado.

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