O sujeito na rede, na foto aí acima, com a família, é um idealista. Felipe Kraskoff, 37, é o empreendedor da Faz a Feira, que se define como uma “plataforma ativista para e-commerce de pequenos produtores”.
Ênfase no adjetivo ativista. Colocar os produtores em primeiro lugar é, de fato, uma prioridade do negócio.
Dentro da plataforma, cada produtor pode montar sua loja e gerenciar o processo de venda sem gastar um tostão, já que o serviço é gratuito. Felipe conta:
“Eu não conseguia ver isso se mantendo a partir de uma cobrança mensal do produtor, porque sei da realidade econômica deles. O estalo veio baseado no modelo da Benfeitoria, de trazer para consumidor a noção da sua importância ao contribuir para manter o projeto de pé”
A Faz a Feira pivotou seu modelo de negócio e hoje monetiza exclusivamente através da doação dos consumidores, que, ao final da compra, são convidados a dar uma contribuição à parte (de R$ 1, R$ 2,50, R$ 5 ou R$ 10).
A plataforma tem atualmente 70 lojas ativas que reúnem 400 produtores de várias regiões do Brasil (sobretudo dos estados do Sudeste e de Santa Catarina).
Em setembro de 2021, a Faz a Feira adotou oficialmente o novo modelo de trabalho, trocando seu CNPJ tradicional por outro de ONG.
“Quando viramos ONG, assumimos o compromisso de que a nossa prioridade não é ficar rico ou morar na Zona Sul do Rio de Janeiro e colocar nossos filhos nas melhores escolas… Nosso compromisso é com a prosperidade do produtor”
Segundo ele, os desafios são os mesmos de uma empresa convencional — inclusive o alto risco de não dar certo.
“A única coisa que mudou é que não existe lucro, mas um teto possível de remuneração. Hoje, o desenvolvedor que trabalha com a gente é remunerado de forma adequada – mas eu ainda estou no risco”
Depois da mudança de CNPJ, o Faz a Feira fechou novembro de 2021 com 340 mil reais em vendas de produtos, fazendo desse o melhor mês do negócio até aqui.
Para ter uma loja no Faz a Feira, é preciso se cadastrar no site e passar pelo filtro do empreendedor. A curadoria leva em conta produtores que trabalham com produtos in natura ou beneficiados, porém sem usar químicos na produção.
“Não necessariamente [o produtor] precisa ser orgânico ou agroecológico, mas precisa estar em busca disso e ter essa consciência”, diz Felipe.
O embrião desse negócio surgiu na época em que Felipe ainda vivia no Rio de Janeiro e ia semanalmente fazer compras na feira orgânica perto de onde morava (na Gávea, Zona Sul carioca).
Quando não encontrava um produto na feira orgânica, ele precisava recorrer à feira convencional e, em último caso, ao supermercado. Uma solução bem longe do ideal, na sua visão:
“Pra mim, é muito importante saber onde invisto meu dinheiro, que iniciativas eu quero que perseverem”
Ele até tentou articular um sistema de delivery na região da feira, aproveitando a ociosidade dos caminhões que ficavam horas parados por ali, mas a ideia não avançou.
Aí, veio a pandemia, que pôs todo mundo dentro de casa e fez o movimento das feiras livres despencar. Em contrapartida, os aplicativos de delivery bombavam com os pedidos.
Felipe entendeu então que era a hora de agir.
“Comecei o Faz a Feira com vontade de fazer o produtor não perder o bonde da tecnologia e ajudá-lo a ter a chance de competir com os mercados e com os aplicativos de delivery – e conseguir uma remuneração minimamente adequada”
Naquele momento, ele empreendia na MateRate, startup fundada em 2014 com uma pegada totalmente distinta: ajudar pessoas a escolher filmes e séries para assistir.
Essa startup entrou “em standby” (até ser encerrada definitivamente no fim de 2021) para que o empreendedor pudesse se dedicar inteiramente ao novo negócio.
Felipe recrutou dois desenvolvedores que já trabalhavam com ele no projeto anterior e investiu 150 mil reais de recursos próprios para criar a plataforma.
Hoje, ele toca o Faz a Feira com sua companheira e sócia, Aline Matulja, e o apoio de um desenvolvedor fixo.
O intuito: colocar os produtores no circuito online de uma forma mais profissional, eficiente e com credibilidade, que desse segurança ao consumidor na hora de comprar e facilitasse o trabalho do produtor na hora de vender e entregar.
“Criamos um sistema gerencial que vem acoplado a essa loja e viramos um braço tecnológico do produtor. Todo pedido feito é automaticamente transformado em relatório para simplificar e automatizar a burocracias do dia a dia”
O primeiro cliente foi o Sítio Copaíba, um grupo de produtores do interior de São Paulo convidado a utilizar o serviço em setembro de 2020.
Através deles, Felipe foi percebendo as necessidades do produtor e fazendo as adequações necessárias, buscando tornar a ferramenta cada vez mais intuitiva.
Não cobrar taxas dos produtores e nem atrelar o valor da contribuição ao valor da compra tem a ver com o objetivo de não ser intermediário, mas sim uma ferramenta que beneficie todas as pontas da transação. Segundo Felipe:
“Com o mínimo de intermediação, é possível fazer com que o produtor seja próspero e que o consumidor possa comprar no valor mais baixo possível”
O desafio é como manter esse negócio de pé — já que a contribuição é voluntária — e convencer o consumidor a contribuir. Hoje, o ticket médio de contribuição na plataforma está em apenas 1 real.
“Eu sinto que quando a pessoa lê ‘contribuição consciente’, o automatismo fica de lado e ela tende a pensar se deveria contribuir”, diz Felipe. “No meu uso, pelo menos, é assim…”
O empreendedor, porém, sabe que essa percepção “varia de acordo com o processo interno de cada um”:
“Ao mesmo tempo, quem contribui está fazendo por vontade própria, sem nenhum tipo de pressão. E isso é bem legal”.
Depender apenas da boa vontade das pessoas não basta para sustentar um negócio.
Uma frente que está sendo trabalhada é encontrar formas de oferecer variedade ao consumidor, para que ele não queira resolver a vida no mercado, onde encontra tudo que precisa.
Outro ponto-chave é a logística. Nesse caso, a aposta é em um modelo que concentre as vendas e entregas em polos como empresas, escolas e universidades. Trabalhadores e frequentadores fariam suas compras na plataforma e receberiam os produtos no local uma vez por semana.
Assim, em vez de pulverizar os envios para vários endereços – gastando assim mais combustível (e emitindo mais CO2) –, os produtores podem concentrar as entregas, fechar grupos maiores de compradores e vender por um preço mais baixo
“Hoje, o produtor é achatado pelos mercados, já que apenas R$ 0,05 de cada real gasto vai para ele. Vendendo para o consumidor final, é possível cobrar menos e ganhar mais”
O Faz a Feira quer, em 2022, ser o articulador dessas conexões.
“A questão é chegar cada vez mais no consumidor final”, diz Felipe. “Assim, vamos nos tornando interessantes mesmo pra quem não está com a consciência tão aberta a doações.”
Felipe hoje vive em Ubatuba, no litoral norte de São Paulo, com a mulher e a filha Tiê, de 7 meses. A família está em busca de um terreno para construir uma ecovila.
Além de apostar na viabilidade desse modelo de contribuições, ele acredita que, ao promover o contato das pessoas com os pequenos produtores, é possível levar esperança a um mundo conturbado.
“Quando comecei o Faz a Feira, o contato com esses produtores me trouxe algum grau de esperança. Só de estar agindo no micro e conhecendo essas pessoas já me ajuda internamente”
Para o empreendedor, talvez nenhuma ação ou decisão ao nosso alcance seja tão potente quanto passar a comprar de pequenos produtores locais e sustentáveis, orgânicos ou agroecológicos.
“Sinto que parte da nossa cura está no micro, nessas ações que podemos fazer no dia a dia.”
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