“Para me tornar mãe, não acreditava ser necessário matar a profissional ambiciosa que sempre fui”

Nathalia Fernandes - 6 set 2019
No Brasil, para lançar um livro, Nathalia Fernandes conta como a maternidade impulsionou a criação de sua empresa em Londres, de seu novo estilo de vida profissional e mudou sua visão de mundo.
Nathalia Fernandes - 6 set 2019
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por Nathalia Fernandes

Não sei bem se a jornada que vou contar aqui começou no fim de 2008, quando cheguei em Londres, no meio do caos de uma crise econômica mundial, sem saber ao certo porque estava vindo para cá. Ou se começou ano passado em uma cerimônia simples, ao lado de outros estranhos, que ali como eu se tornavam oficialmente britânicos. Ou ainda se começou em 2014, quando nasceu minha primeira filha e mergulhei de cabeça nessa experiência maravilhosa, difícil e transformadora que é a maternidade. Talvez todos estes tenham sido inícios.

Para desenrolar um pouco esse fio, começo contando que há cerca de oito meses criei em Londres minha primeira empresa, a Social River, especializada em criação de conteúdo, copywriting e mídias sociais.

Esta não é uma história de sucesso. Tampouco é uma história de fracasso. Sinto que estou ainda muito no início, com muito chão pela frente

Trabalho hoje com quatro clientes, dois de maneira fixa, um ocasionalmente e o quarto prestando uma espécie de consultoria. Ainda sinto que estou ajustando o foco e aprendendo muito com pessoas interessantes e maravilhosas que passaram a cruzar meu caminho desde que decidi empreender.

As ambivalências de adotar um novo país como casa

Gosto de pensar que esta é, afinal, uma história sobre aprender a viver com algumas ambivalências e sobre seguir tocando a bola apesar de tantos medos. Embora a Social River tenha oficialmente “nascido” em setembro de 2018, sei que ela surgiu antes. Talvez em uma cerimônia de cerca de duas horas em um prédio público em Chelsea, no oeste de Londres.

Ali jurei lealdade à rainha da Inglaterra e me tornei britânica, com direito a certificado e chá acompanhado de biscoito de manteiga para comemorar. Ali tive meu clique. Entendi que teria que me esforçar mais para dar conta dessa ambivalência de saber que aqui, bem longe do país onde nasci, é onde está minha casa. Naquela cerimônia enterrei questionamentos se um dia voltaria ou não para o Brasil. Ali entendi que este agora é meu país e que já era hora de deixar de perder tempo e começar a construir um futuro que fizesse sentido aqui, um futuro pouco dependente da minha experiência profissional anterior no Brasil.

No meu caso: um futuro escrevendo e criando conteúdo em inglês, para o mercado de língua inglesa. (Isso não significa que jogaria no lixo muitas das minhas habilidades ou minhas conquistas anteriores. Afinal, estou aqui escrevendo este texto e logo mais vou te contar sobre o livro que vou lançar no Brasil.)

Escrever em uma língua que não é sua língua materna pode ser um desafio. Mas o que venho descobrindo (para minha maravilha) é que trabalhar em inglês pode ser também um grande prazer

Venho descobrindo que minha escrita em inglês me parece mais simples e por isso mesmo mais elegante. É uma escrita mais precisa, pareço precisar de menos palavras e palavras menos rebuscadas para transmitir uma mensagem, enquanto em português sinto que precisaria de mais, muito mais.

Gosto de pensar, do alto da minha pretensão, que ao escrever em inglês consigo estar alguns milímetros mais próxima de Ernest Hemingway e da arte de fazer com que cada palavra seja extremamente necessária. Em seu texto, não há gordura, não há o que cortar, cada palavra está ali para cumprir uma função específica e todas trabalham juntas para criar aquele mundo intenso que ele nos apresenta em livros como O Velho e o Mar.

Escrever em inglês também vem me provando que escrever é sobretudo uma técnica. E como toda técnica, quanto mais você exercita, melhor seu desempenho. Além do mais, se você dominar a técnica, já não importa tanto a matéria-prima. A grande diferença acaba sendo o tempo que me toma. Talvez escrever em inglês me tome hoje mais tempo do que me tomaria escrever o mesmo texto em português? Talvez.

Tenho que reconhecer que minha jornada também está sendo facilitada por morar em Londres e por esta cidade ser verdadeiramente cosmopolita.

Ao empreender, descobri que muitos estrangeiros bem-sucedidos aqui não eram imunes a esse mesmo medo e insegurança que sinto ao abrir a boca e revelar meu sotaque

Uma colega alemã me contou outro dia que antes de empreender, quando tinha um emprego no mundo corporativo, ela buscava amenizar seu sotaque ao máximo e “blend-in”. Hoje ela busca o oposto, ela busca “stand-out” e usa sua origem como um atrativo, um diferencial. Ela por exemplo nunca agradece, em qualquer mensagem, com o tradicional “thanks”. Parte da sua “personal brand” é sempre agradecer com a versão alemã, “danke”.

E isso me leva a um outro aprendizado. Em uma cidade que se tornou um hub internacional de freelancers, que atrai gente boa das mais diferentes áreas, você tem, sim, que se diferenciar. No entanto, para ser sincera, talvez este deva ser o tema de um artigo futuro, porque ainda, infelizmente, não dominei bem meu “USP” como chamam aqui, meu “unique selling point”. Estou trabalhando nele, mas ainda não sinto que esteja redondo como deveria ser.

Mais do que um início, uma revolução

E chego então ao último dos tais inícios que citei lá em cima. E deixei este início para o fim porque ele é muito especial e tem uma forte carga emocional. Meu coração me diz que a Social River não nasceu ano passado, nem em sua criação oficial e nem na cerimônia para a cidadania britânica.

Para o meu coração, a Social River surgiu anos antes, em 2014, quando me tornei mãe e passei a desejar ser mais dona do meu tempo

Para mim era essencial passar tempo com minha filha e me sentir presente em seu desenvolvimento. E durante um bom tempo pude trabalhar meio período em um esquema bem flexível. E senti que havia um bom equilíbrio. Até que as regras do jogo mudaram e as peças se desencaixaram todas. Houve uma reestruturação, uma boa dança de cadeiras e eu teria que começar a trabalhar full-time.

Tentei negociar para voltar a ter um esquema de trabalho viável, mas tudo o que ouvi foi não. Tentei por um tempo trabalhar em período integral, mas foi muito sofrido, um sacrifício que começou a pesar em toda família. E sem a família expandida por perto, não tive muito a quem pedir ajuda. Até que pedi demissão e sai de cabeça baixa, como se o problema fosse meu, como se a falha fosse minha e como se o desejo de passar mais tempo com minha filha fosse uma aberração irracional.

Foi um período duro. Foi barra porque, para poder ser a mãe que queria ser, eu não acreditava ser necessário matar a profissional ambiciosa que sempre existiu dentro de mim

Tentando fazer sentido sobre tudo aquilo que estava vivendo, comecei a estudar e a ler muito. E foi nessa pesquisa que encontrei minha tribo. Uma tribo que vai além de qualquer fronteira, que existe no Brasil, nos Estados Unidos, na Inglaterra, no Quênia. Uma tribo de mulheres que perceberam que negociamos muito mal nossa entrada no mercado de trabalho; uma tribo que entende que a barreira da maternidade é real e urgente. Que sabe que enquanto não for feita uma reengenharia no nosso modo de produção não vamos conseguir resolver nunca o insistente problema da desigualdade de gênero.

Mas essa tribo não é formada apenas por mães ou mulheres. É uma tribo democrática que inclui também todos aqueles que acreditam que o modelo de trabalho tradicional de 9h às 18h está morto; um modelo criado século passado antes da transformação trazida pela internet e pelo imenso avanço tecnológico da última década.

Minha tribo sabe que trabalho é algo que você faz e não um lugar para o qual você vai, e que produtividade não pode ser medida pela quantidade de horas sentadas em um escritório, de frente para um computador

Para mim foi tão revolucionário encontrar minha tribo que escrevi um livro, que será publicado no Brasil dia 11 de setembro (na Livraria da Vila, Fradique Coutinho) pela Pólen Livros, a mesma editora da coleção Feminismo Plurais, coordenada pela filósofa Djamila Ribeiro, entre outros títulos que procuram ampliar e colocar foco sobre as realidades das mulheres, especialmente as brasileiras. Este ano completo 40 anos e não poderia haver melhor data para lançar Feminismo Materno – O que a profissional descobriu ao se tornar mãe.

O livro é um misto de relato pessoal com uma rigorosa pesquisa jornalística sobre o que há de mais atual na discussão sobre maternidade e carreira. Nele conto como me pegou de surpresa descobrir quão indispensável é ainda hoje o movimento feminista.

“Feminismo Materno – O que a profissional descobriu ao se tornar mãe” será lançado no dia 11 de setembro.

Educada para poder ser o que quisesse, a maternidade escancarou para mim quão capenga é a atual igualdade entre gêneros, como bem definiu a socióloga Rosiska Darcy de Oliveira.

Em um dos muitos livros que li para minha pesquisa, a autora fala em uma hemorragia de mulheres saindo do mercado de trabalho ao se tornarem mães e descreve esse “êxodo silencioso” das profissionais como um dos mais bem guardados segredos das últimas décadas. Para escrevê-lo fui a campo e entrevistei gente aqui fora, mas também muitas mulheres maravilhosas que estão levantando essa bandeira no Brasil e exigindo mudanças.

Minha tribo me permitiu sonhar com uma outra realidade. E, desse sonho, no qual afinal a profissional não era assassinada para que a mãe pudesse existir, nasceu a Social River. Hoje sou uma “mumpreneur”, parte desse movimento mundial chamado empreendedorismo materno.

Hoje, no Reino Unido, existem quase 5 milhões de autônomos (self-employed, como chamam aqui), que representam mais de 15% da força de trabalho do país. Dentro desse movimento, a força da mumpreneurs é enorme, com uma contribuição para a economia de cerca de 7 bilhões de libras por ano (algo em torno de R$ 35 bilhões).

Não está sendo fácil. Quase sempre trabalho de casa e minha rotina de trabalho é muito pautada pela rotina da minha filha e do meu filho, de 5 e 2 anos. Ela passa cerca de seis horas na escola pública de ótima qualidade. Eu tenho ajuda com meu filho apenas pelas manhãs. À tarde conto com uma boa soneca do meu filho para poder avançar um pouco mais, até que chega a hora de buscar minha filha na escola.

Quando aperta, trabalho à noite depois que eles já dormiram ou nos fins de semana, quando meu marido — que tem um emprego formal — assume o papel de capitão do barco. Não está sendo fácil, mas por tudo que te contei acima, posso dizer que está valendo muito a pena tentar montar este quebra-cabeça.

 

Nathalia Fernandes é mãe da Sofia e do Luca. Também é jornalista, copywriter e produtora de conteúdos bilíngue. Nascida brasileira, adotou a Inglaterra como sua casa há mais de 10 anos, após ganhar uma bolsa de estudo do governo britânico para completar seu mestrado em Londres. Trabalhou em grandes redações dentro e fora do Brasil, como BBC, Reuters e TV Globo. Em 2018, fundou sua primeira empresa, Social River, especializada em mídias sociais e produção de conteúdo. Ao completar 40 anos, retorna ao Brasil para lançar seu primeiro livro.

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