Pular corda, amarelinha, ciranda, queimada e esconde-esconde. Além de serem brincadeiras infantis, sabe o que essas atividades têm em comum? São realizadas em grupos e, geralmente, em lugares abertos, como praças e ruas tranquilas. No entanto, parece que a cada geração as brincadeiras em espaços públicos vão sendo deixadas de lado. Por medo medo e preocupação, os pais acabam mantendo as crianças fechadas em condomínios e clubes.
Mas há um pai, e também empreendedor, que deseja abrir as portas para que as crianças vivenciem o brincar, a arte e a cidade. O nome dele é Roni Hirsch, paulistano de 38 anos, fundador do Erê Lab.
Criado em 2014, o Erê Lab é uma empresa especializada em mobiliário urbano para crianças. Desenvolve brinquedos como casas de palafitas, labirintos e outros, que servem ao propósito básico de fazer os pequenos pularem, subirem e escorregarem – enfim, se divertirem ao ar livre.
Os produtos são desenvolvidos a partir de quatro pilares: criança, sustentabilidade, cidadania e brasilidade. Tudo tem início com um estudo sobre os movimentos que as crianças fazem ao brincar. Depois, é proposto um tema brasileiro para o brinquedo – que pode ser manifestações regionais, como Boi Bumbá, folclore ou movimentos artísticos, como modernismo e concretismo.
Roni diz que, para o brinquedo ter forma e função atrativa, a equipe de desenvolvimento precisa “descondicionar” o olhar, ou seja, parar de pensar “como um adulto careta”, como diz. Ele fala mais sobre este conceito: “Às vezes, os brinquedos do Erê Lab podem parecer estranhos para um adulto. Mas a criança, instintivamente, encontra infinitas utilidades nos equipamentos. Temos que desenvolver os produtos sob a ótica dos pequenos.”
Os equipamentos são feitos de metal, madeira e borracha – grande parte tem origem em processos industriais de reciclagem. Cubos em formatos de pedras, por exemplo, têm a estrutura de madeira e revestimento de grãos de borracha provenientes de pneus (o kit com cinco “pedras”, uma grande, duas médias e duas pequenas, custa 7 500 reais). Chamado de Horizonte, a estrutura de amarela e vermelha, uma espécie de trepa-trepa, que está na foto de abertura desta reportagem, custa 24 970 reais.
Atualmente, o Erê Lab tem quatro fontes de receitas. A primeira é a venda de produtos. Outra é o desenvolvimento de projetos de espaços lúdicos customizados. Há também o Erê Lab Educação, que consiste em oficinas para resgate de memória dos lugares onde os equipamentos são montados, com workshops também servem para orientar o público a zelar pela manutenção do espaço. A quarta origem de receita é o Erê Lab em Ação: a locação de equipamentos para serem montados temporariamente em eventos, por valores entre 6 mil e 15 mil reais, dependendo do tamanho da instalação. A empresa participou de eventos do movimento Slow Kids, que estimula as crianças a brincarem ao ar livre, e de ações no Clube Pinheiros, em São Paulo.
O CONCEITO É BOM, A APLICAÇÃO É DIFÍCIL
Por ter preferência em atuar em áreas públicas, os clientes do Erê Lab, teoricamente, deveriam ser governos. No entanto, não é bem isso que acontece. De acordo com Roni, ainda não há normas públicas em São Paulo que tratem de implantação de espaços lúdicos por organizações privadas em locais públicos.
Para driblar a dificuldade junto ao primeiro setor, o Erê Lab tenta ganhar escala com clientes privados. Nesse caso, há uma regulamentação que trata de concessão de praças públicas para empresas (por meio de um contrato, uma empresa pode adotar uma praça e cuidar da limpeza, paisagismo e manutenção do espaço em troca de implantar publicidade no local).
“Estamos desenvolvendo projetos para algumas praças paulistanas, para oferecer para as empresas. Os projetos incluem os equipamentos, instalação e paisagismo, que é feito por uma empresa parceria”, diz Roni. “Também podemos executar projetos que as empresas queiram desenvolver. No momento, estamos em busca de empresas que enxerguem o impacto social dos projetos e os patrocinem.”
Uma prévia dos projetos da Erê Lab já pode ser explorada na cidade. Em dezembro do ano passado, a empresa inaugurou a primeira instalação permanente em São Paulo, no Largo da Batata. O espaço saiu do papel após o Erê Lab vencer o concurso Batatalab, promovido pelo Instituto A Cidade Precisa de Você com patrocínio do Instituto de Pesquisa e Inovação em Urbanismo. Agora, Roni desejar aumentar o espaço por conta própria com ajuda de um patrocinador fixo. “Mas ainda estamos em busca desse parceiro também”, afirma.
A PATERNIDADE O LEVOU A EMPREENDER PARA CRIANÇAS
Em junho de 2013, Roni acompanhava pela televisão as manifestações que sacudiram o país. Apreensivo, queria estar ao lado dos manifestantes, mas um motivo especial o impedia de ir às ruas. Era Ravi, seu primeiro filho, que tinha nascido há poucos dias. Ela conta a sensação daqueles dias:
“Com meu filho no colo, eu via as manifestações na TV e refletia sobre os jovens que ocupavam as ruas. Aí, pensei nas crianças e em como ajudá-las a se desenvolver nesses novos tempos”
Após a reflexão, Roni cunhou o Manifesto da Criança do Século 21, um artigo que propõe um mundo melhor através da experiência do brincar – “também para os que desde pequenos têm que lidar com dificuldades”.
Nos meses seguintes, a rotina de Roni mudou bastante. Ele ficava bastante tempo em casa cuidando de Ravi, ao lado da esposa. Paralelamente, o ritmo de trabalho começou a esfriar no Estúdio Roni Hirsch, escritório de criação que o empreendedor mantém em São Paulo e muitas pessoas do estúdio pediram demissão.
Paralelamente, Roni começou a pesquisar o universo infantil com uma colega antropóloga que havia estudado na França. Este era o embrião do Erê Lab. Cerca de um ano depois, Roni foi convidado para participar pela segunda vez da feira de design Made, realizada no Jockey Club de São Paulo. Ele, então, propôs um projeto de espaço lúdico infantil. A aceitação foi imediata.
Roni, junto com a equipe de seu estúdio, desenvolveu os primeiros módulos de brinquedos, criados a partir de sobras de materiais que Roni havia utilizado em outros trabalhos.
Ele atuou como cenógrafo e diretor de arte em cinema, publicidade e eventos por mais de 10 anos. Entre os trabalhos mais importantes está uma campanha para a Grendene junto com o fotógrafo Bob Wolveson e Gisele Bündchen e o design do troféu da Superliga de Vôlei.
Com um investimento inicial de 50 000 reais reais na construção dos brinquedos, identidade visual e comunicação, Roni inaugurou o espaço infantil na feira. E, de cara, teve uma surpresa boa. “O evento não era para as crianças, mas muitas pessoas se interessaram pelos brinquedos e começaram a ir ao local para levar os filhos. Algo que tínhamos desenhado quase instintivamente estava dando muito certo”, conta.
No final de 2014, o Erê Lab realizou seu segundo trabalho – uma participação no 2º Festival de Diretos Humanos da Prefeitura de São Paulo. Os brinquedos foram montados na Praça do Patriarca, no centro da cidade. Neste momento, Roni se deparou com uma face mais preocupante da infância: “Foi uma ação bem diferente. No centrão foi porrada. Havia muitas crianças de rua cheirando cola e gangues que quebravam tudo. Dava para sentir a revolta deles naquele lugar. O que durou impecável por uma semana no Jockey, não durou nem dois dias no centro. Começamos a ter outra dimensão sobre como trabalhar”.
Ao ser questionado sobre quais são as maiores demandas das crianças, Roni diz que, como cidadão, prioriza a educação, seguidos de espaços de ação social e lazer. Ele afirma ser comum escutar que a criança da periferia, por brincar na rua, se diverte mais que as outras. Mas, para ele, essas crianças vão à rua para ocupar um tempo ocioso, enquanto continuam sentindo falta de cuidados e estímulos básicos. Por isso, para ele, o espaço de brincar democrático é algo que fortalece a cidadania — e quando essas famílias usufruem o espaço, elas passam a pensar em como melhorar todo o entorno “Primeiro falam sobre o parquinho, depois sobre a calçada, as ruas, o bairro e assim por diante”, ele diz, e prossegue:
“Se a criança usa o espaço público com qualidade, ela entende desde cedo que a cidade também é dela”
Atualmente, a sede do Erê Lab é no Estúdio do Morro, um coworking fundado por Roni para abrigar artistas plásticos, designers, arquitetos e outros profissionais da indústria criativa. O espaço está localizado no Morro do Querosene, próximo ao bairro do Butantã. “O local tem forte efervescência cultural. Há festas de Bumba-Meu-Boi, Cosme e Damião e cinema ao ar livre, tudo organizado pela comunidade” afirma Roni.
SINERGIA PARA FORTALECER OS NEGÓCIOS E MINIMIZAR RISCOS
Além do Erê Lab, o Estúdio do Morro também é a casa do Estúdio Roni Hirsch e já abrigou, por exemplo, o Barbatuques, grupo musical de percussão corporal. No coworking, a equipe de trabalho do Erê Lab atua também nos negócios do Estúdio Roni Hirsch e do próprio Estúdio do Morro. De acordo com Roni, a gestão do trabalho é horizontal, com organização flexível, mas cada membro possui responsabilidades frente aos projetos. Roni é o diretor criativo e também ajuda na área comercial e execução técnica. Seu braço direito é Heloisa Paoli, diretora executiva que supervisiona todos os projetos.
Atualmente eles estão à frente de mais um desafio: conseguir organizar todas as áreas da empresa para, no futuro, assumir a operação integral de desenvolvimento dos brinquedos. De acordo com Roni, a operação do Erê Lab envolve muitos riscos por se dar em áreas públicas, envolver crianças e ser de mobiliário urbano pesado. O equipamento em uma praça pode ser depredado. Com mal funcionamento, uma criança pode se machucar. Neste caso a responsabilidade pode ser tanto do Erê Lab quanto da empresa que patrocina e da terceirizada responsável por fazer manutenção.
“A área jurídica, comercial, de projetos e orçamentos precisam estar rodando direitinho antes de nós assumirmos a produção, que hoje é terceirizada e também bem desafiadora, pois pode envolver 40 troncos de eucalipto de 80 quilos cada um. É bem complexo”, diz.
Mesmo diante de todos os desafios, Roni está confiante, pois a empresa cresceu apesar da crise. “Em 2015, crescemos muito. Ganhamos visibilidade com o produto certo. Participamos mais de 20 ações, 90% delas em locais públicos”, conta. Outro motivo de orgulho do empreendedor foi o Erê Lab conquistar o segundo lugar do prêmio Artemisia Lab Primeira Infância, que reuniu startups inovadoras que prestam serviços para crianças de baixa renda. A iniciativa foi uma parceria entre a organização, que fomenta negócios de impacto social, a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal e o Instituto Alana, organizações voltadas a primeira infância. O prêmio também rendeu 10 000 reais ao Erê Lab.
Hoje, além de Ravi, que está com quase três anos, Roni também é pai de Gadi, de 10 meses. Assim como os filhos, sonhadores e cheios de energia, ele segue resgatando o gostinho do erê – “brincar” no idioma de origem africana yorubá.
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