“Pense antes de partir. Para ser feliz como imigrante é preciso esquecer o ‘sonho canadense’. Ele não existe”

por Alexei Michailowsky 

Vivo no Canadá com minha mulher há pouco mais de um ano. Viemos como residentes permanentes após um processo de imigração que durou quase três anos.

Desde os primeiros passos, decidimos compartilhar nossas experiências para ajudar outras pessoas que desejassem seguir pelo mesmo caminho. Enfrentamos muitos obstáculos por não dispor de informações confiáveis sobre o processo de imigração e a adaptação ao Canadá, e precisamos aprender muito na base da tentativa e erro. Por isso, criamos o Vida Que Segue – Canadá, um canal no YouTube onde mostramos nossas experiências e falamos sobre os desafios da vida canadense.

Ao mesmo tempo, sempre estivemos prontos para ajudar quem vinha chegando a Ottawa. Até mesmo com uma palavra amiga para os que estavam com dificuldades de adaptação. Assim, aprendemos bastante também com a experiência de outras pessoas.

Nos últimos meses, temos percebido que a procura pelo Canadá como destino de imigração pelos brasileiros tem crescido muito. Mais e mais pessoas nos procuram buscando informações, sem esconder seu desespero com a situação atual do nosso país.

Chegar aqui é como nascer de novo. Por isso, me refiro aos novos imigrantes como born-again Canadians. Enfrentamos dificuldades a todo momento.

Alguns se decepcionam. Suas expectativas não necessariamente se concretizam, e elas desistem e voltam para o Brasil.

Por tudo isso, apresento alguns pontos fundamentais para você refletir antes de decidir se realmente quer vir para cá:

1) Um planejamento realista e seguro é fundamental para o processo de imigração e o início de sua vida no Canadá;

2) Se você já tem conquistas pessoais, sociais e profissionais no Brasil, saiba que aqui seu padrão de vida poderá cair bastante. Certos luxos e confortos de que você dispunha podem não caber no seu orçamento ou não se compatibilizar com a cultura canadense (um exemplo seria ter empregados domésticos, que aqui são raros);

3) Avalie as referências de imigrantes bem-sucedidos com visão crítica. Você está vendo a situação deles hoje, após anos de luta e começos difíceis que nem sempre são relatados;

4) Os imigrantes são selecionados a partir de sua formação e experiência profissional, mas obter emprego no Canadá (ainda mais na sua área de formação) não será necessariamente fácil. Há a “barreira da experiência canadense”, pela qual empregadores sistematicamente favorecem candidatos que já estudaram ou trabalharam no país por considerá-los mais adaptados. Isso faz com que o país desperdice talentos. Há até um movimento para oficializá-la como violação de direitos humanos, mas isso faz parte da cultura profissional do país e precisa ser levada em conta e enfrentada;

5) Nos primeiros tempos, você pode ter que aceitar cargos que jamais consideraria no Brasil: faxineiro, vendedor em loja, lavador de pratos…. Ou voltar à faculdade para obter uma graduação canadense. Nesse caso, é fundamental dar o seu melhor em 100 % do tempo para destacar-se em meio aos alunos nativos;

6) Há muitas vagas de emprego para tecnologia da informação, onde a “barreira da experiência canadense” não é tão visível. Mas a concorrência é pesada. Por isso, você precisará ser excelente para seduzir os empregadores canadenses;

7) Não pense que basta fazer um curso relacionado a TI partindo do zero para obter bons empregos facilmente. Até certos estágios exigem experiência, visto ser comum haver estudantes que começaram a formar portfólio ainda crianças;

8) Mestrados e doutorados brasileiros podem não significar muito por aqui;

9) A chance de conseguir um emprego canadense estando no Brasil, sem visto de trabalho ou residência permanente, é ínfima;

10) Na propaganda, o Canadá precisa de médicos, dentistas e outros profissionais qualificados brasileiros. Mas isso não é verdade. O reconhecimento de sua formação poderá demandar um processo longo, penoso e caro junto às entidades de classe. Talvez você precise voltar para a escola para se adequar aos standards canadenses;

11) Inglês e francês são essenciais, mas acredite: há brasileiros residentes permanentes chegando sem falar uma palavra desses idiomas. O português é quase inútil aqui. Procure vir com algum domínio das línguas. Do contrário, enfrentará barreiras e poderá experimentar muita solidão no início;

12) Você sempre será lembrado de que tem uma desvantagem: veio de outro país. Por isso, seja humilde e trabalhe para ser tão bom ou melhor do que os donos da casa. Respeite integralmente as leis e deixe para trás o jeitinho brasileiro, a malandragem e a Lei de Gérson;

13) Pense muito bem antes de vender tudo e vir com a família em qualquer situação que não lhe garanta a residência permanente desde a chegada. Vir para estudar contando com a possibilidade de tornar-se residente permanente no futuro, por exemplo, é um plano muito caro e arriscado. Sem encontrar quem patrocine o seu processo de imigração após o esgotamento de seus prazos, a opção será a volta para o Brasil sem a mesma estrutura que tinha no passado. Sem falar no stress e nas dificuldades de readaptação para seu cônjuge e seus filhos;

14) Nem pense em ser um imigrante ilegal no Canadá. Nem você nem sua família receberão os benefícios destinados a residentes permanentes e cidadãos, e suas chances de legalização ficarão bem restritas;

Apesar de questões como essas, o Canadá é um ótimo país. Nos esforçamos muito, mas estamos felizes e nossa adaptação tem sido tranquila por aqui. Minha mulher chegou com pouco domínio do idioma inglês, mas disposta a aprendê-lo e buscar fluência para, em seguida, buscar seu crescimento profissional aqui. Para isso, está frequentando cursos subsidiados pelo governo federal para recém-chegados. Quanto a mim, voltei à faculdade para ampliar meus horizontes profissionais e venho obtendo bons resultados. De acordo com meus professores no curso de Interactive Media Design, eu faço um bom trabalho “apesar de ter vindo de outro país”…

Não pensamos em voltar para o Brasil.

Acreditamos que as conquistas vêm aos poucos, com perseverança, e que a principal chave para ser feliz aqui como imigrante é integrar-se ao país sem se deixar levar por uma ideia de “sonho canadense” criada em torno de possibilidades de consumo.

Esteja aberto para rever seus conceitos! Esse “sonho canadense” não existe.

Mais do que uma linda e ampla casa, carros na garagem e outras conquistas materiais, pense na imigração a partir de benefícios que o dinheiro não compra: um melhor uso dos impostos em favor do contribuinte, uma maior igualdade social, leis que geralmente funcionam, um maior respeito às diferenças e individualidades, educação de qualidade, melhor acesso à cultura, melhores opções de transporte coletivo, valorização do trabalho e do empreendedorismo em qualquer atividade,um sistema público, gratuito e universal de saúde que funciona bem e, por fim, segurança para ir e vir em paz. São esses elementos que fazem a vida aqui ser melhor do que o que tínhamos no Brasil.

Imigrar sempre representa uma aventura e pode trazer um crescimento muito grande para nossas vidas, em todos os sentidos. Os desafios serão inúmeros e diários. Mas com realismo, humildade, fé e disposição para nos reinventarmos a cada dia, acredito que podemos ser muito felizes e aproveitar plenamente a experiência!

Alexei Michailowsky, 43, é doutor em Música e desde abril de 2015 reside em Ottawa, no Canadá. Criou o canal “Vida Que Segue – Canadá” para compartilhar experiências e informações que ajudem os novos imigrantes brasileiros no país.