Para ser fiel a si mesmo, às vezes é preciso deixar de ser quem você sempre foi – a incrível história da Sarau

Adriano Silva - 28 nov 2014Sede da Sarau, em São Paulo: poesia espalhada pelas paredes, talvez na busca de gerar relações mais inspiradas entre as pessoas
Sede da Sarau, em São Paulo: poesia pelas paredes, talvez na busca de gerar relações mais inspiradas e inspiradoras entre as pessoas
Adriano Silva - 28 nov 2014
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Em 1992, Paulo Bittencourt, aos 19 anos, criava a Mais Comunicação, em Porto Alegre, com Rodrigo Dias, seu colega de faculdade. Eles só se formariam em Publicidade, pela UFRGS, em 1994. Mas ao receberem o canudo, já eram donos de agência.

“Eu era estagiário na Martins&Andrade, uma agência grande no mercado gaúcho. Rodei por várias áreas e fui parar na mídia. O trabalho era bem compartimentado e aquilo me frustrou”, diz Paulinho, como todos o conhecem. “Na paralela, o pai de Rodrigo, meu colega e futuro sócio, que era advogado, começou a passar alguns trabalhos e clientes para a gente. Aí uma coisa foi puxando a outra e quando vi estávamos registrando a empresa para podermos emitir nossa primeira nota fiscal”.

A Mais trabalhava com clientes pequenos, fazendo pequenos trabalhos. Até que passaram a atender as lojas Obino, uma grande rede de varejo gaúcha, sediada em Bagé. “Aí amadurecemos como agência. Até que em 1996 começamos a trabalhar com a indústria”, diz Paulinho. “Nosso primeiro cliente foi Nori Lermen, na época na Perto S.A. – Periféricos para Automação. Aquela foi uma mudança mais profunda do que podíamos imaginar e que marcaria o futuro da agência. Entramos no mundo do B2B, da comunicação entre empresas, que tinha realidades específicas e exigia conhecimento diferenciado. Antes fazíamos só publicidade, visando o consumidor final. Ali começamos a escrever folhetos técnicos, produzir eventos, a entregar uma série de outros serviços”.

Em 1998, já com oito funcionários, a Mais recebia uma estagiária – Andréa Fortes. Ela também gerou uma mudança mais profunda do que se poderia imaginar e que marcaria o futuro da agência.

Andrea Fortes, da Sarau, já subiu e desceu montanhas atrás de montar um negócio cada vez mais parecido com quem ela é e com o que busca para si

Andréa Fortes já subiu e desceu montanhas atrás de montar um negócio cada vez mais parecido com quem ela é e com o que busca para si e para os outros

Em 2000, Rodrigo saiu da sociedade e Paulinho chamou um consultor, Aristeu Kautzmann, para organizar a gestão da empresa, em especial a administração financeira. A Mais tinha então 12 clientes e 12 funcionários. Andrea entrou na sociedade, ficando com metade da empresa. Foi feito o primeiro programa de participação nos lucros. “Fomos pioneiros nessa distribuição de ganhos. Pagávamos semestralmente e a turma chegava a receber 16 salários por ano. A gente dividia 15% do lucro líquido. Antes do Aristeu a gente nem sabia quanto dava de lucro”, diz Paulinho.

Foi feito também o primeiro planejamento estratégico. “Sempre fizemos comunicação integral – utilizando recursos de publicidade, jornalismo e RP. Ficou claro que aquele era o nosso diferencial para nos tornarmos uma referência no mercado B2B, que elegemos como nosso caminho”, diz Andréa.

Com foco na comunicação entre empresas, a Mais deixou de trabalhar com o varejo, que representava 70% do seu faturamento. “Fizemos um plano de saída desse setor para focar a empresa no mercado B2B. Esse processo durou de 2001 até 2006 e impactou muito o negócio”, diz Paulinho. “Chegamos a ficar com cinco funcionários e o faturamento caiu pela metade, antes de começar a subir de novo.”

“Além de aprender a provisionar, a calcular depreciação, essas coisas, aprendemos também a defender a margem de lucro com a economia dos pequenos custos – o táxi, o motoboy, o Correio. Aprendemos que isso faz milagres”, diz Andréa.

Mais ou menos por essa época, conheceram José Carlos Teixeira Moreira, o JCTM, do Instituto e da Escola e da Revista de Marketing Industrial, por meio de um cliente – Luis Binotto, presidente da Sindus Andritz, empresa de outsourcing industrial. “Nossos clientes sempre foram coaches para nós. Tínhamos a idade dos filhos deles. Então nossos clientes foram nossos professores, nossos conselheiros. Eles nos estimularam a ousar. E confiaram na gente”, diz Andréa.

Em 2006, JCTM deu uma palestra em Porto Alegre e fez um desafio a Paulinho e Andrea – criarem uma agência de comunicação B2B que não tivesse os cacoetes do mercado publicitário direcionado a bens de consumo. A Mais já atendia empresas como Todeschini, Springler, Dell e Aracruz. Começava, com JCTM, outro relacionamento que gerou uma mudança mais profunda do que se poderia imaginar e que marcaria o futuro da agência.

JCTM os instou a vir para São Paulo. “Tivemos medo. Era o melhor momento da empresa. Éramos referência no mercado gaúcho e tínhamos concluído um longo processo de reestruturação”, diz Paulinho. Aí eles consultaram seus mentores, ou melhor, clientes. Como Cloger Lehmen, da Mercur. E seus clientes, ou melhor, tutores, aconselharam-nos a vir. E eles vieram.

Paulinho Bittencourt: redução voluntária no faturamento e troca de escopo pela segunda vez na história da empresa, em nome de caminhar mais leve e com mais propósito

Paulinho Bittencourt: redução voluntária no faturamento e troca de escopo pela segunda vez na história da empresa – em nome de caminhar mais leve e com mais propósito

A empresa aportava em São Paulo, em setembro de 2007, com nome novo – Sarau. “JCTM nos disse que tínhamos que chegar em São Paulo com uma nova empresa, e não com uma empresa que vinha de uma história em outro lugar”, diz Andréa. E a Sarau chegava com seu primeiro cliente paulistano – a Papirus.

A Mais, comandada por Paulinho, em Porto Alegre, subsidiou a Sarau, gerida por Andrea, em São Paulo, por quase dois anos. “Escolhemos o nome pela veia literária que ambos tínhamos. Somos mais do texto, da prosa e da poesia, do que dos números”, diz Andréa. “Queríamos que a nova empresa representasse um encontro inusitado entre pessoas”.

Aí veio 2008 e a empresa sofreu sua segunda grande retração. Esta, fruto de uma crise externa. E mundial. “A Aracruz, nossa principal cliente, quase faliu. Todos os nossos clientes sofreram muito com a hecatombe financeira. Nosso faturamento caiu pela metade de 2007 para 2008. Dos 22 funcionários, ficamos com 10”, diz Paulinho.

E como todo bom empreendedor sabe bem, debaixo da tempestade o que está ruim sempre pode piorar. Veio 2009, o ano da realização dos prejuízos do tsunami global. “Passamos 2009 consumindo nossas poupanças. Mas tínhamos confiança no negócio e na recuperação”, diz Paulinho.

“Foi um ano sem clientes, sem faturamento, prospectando, expandindo o networking, participando de cursos, de eventos. Foi aí que me tornei definitivamente a mulher-ponte”, diz Andréa, fazendo referência ao seu gosto por estar no meio de gente, fazendo contatos. “Aí, no final do ano, começaram a ressurgir clientes e trabalhos. Em setembro de 2009, começamos a trabalhar com a Fibria, e isso nos deu novo alento.”

Ainda em 2009, com a Sarau de volta aos trilhos, a marca Mais foi aposentada. Tudo virou Sarau. E aí outra inquietação começou a surgir no horizonte. “A gente estava dedicado aos clientes – Perto, Syngenta, Digicom, Fibria, Papirus. Queríamos voltar a crescer junto com eles. Mas já não sabíamos se o formato de agência era o mais adequado para o valor que desejávamos entregar a eles”, diz Andréa. “Queríamos continuar produzindo peças publicitárias, com estruturas de criação, produção e mídia? Ou nosso caminho era atuar como consultores, nos adequando aos problemas específicos de cada cliente? Criamos uma empresa de consultoria, a Fortes&Bittencourt, para testar esse modelo. Mas tínhamos um sentimento ruim de traição em relação a Sarau”.

Essa reflexão se agudizou em 2013. A equipe da Sarau se via como agência. “Testamos trabalhar em rede, mas não rolou. Tem quem queira uma relação mais objetiva e simples com o trabalho, quem queira fazer o job e ir embora para casa”, diz Andréa. “E a gente queria mais espaço inclusive para tocar projetos individuais. Começaram a pintar convites para palestras e aulas que nos trouxeram ainda mais para fora do desenho de agência. Quando percebemos, Paulo e eu, os sócios, já não cabíamos naquele modelo de Sarau”.

Você não imagina a quantidade de post-its e canetas hidrocor gastas até eles chegarem a essa síntese em pincel atômico sobre papel A4

Você não imagina a quantidade de post-its e canetas hidrocor gastas até eles chegarem a essa síntese em pincel atômico sobre papel A4

Em janeiro de 2014, Paulinho e Andrea reuniram o time, então com 12 funcionários, em São Francisco Xavier, cidadezinha pitoresca do interior paulista, e oficializaram o nascimento da nova Sarau – uma empresa líquida, pronta para se moldar às necessidades do cliente. “A nova Sarau quer trazer conceitos de inovação social, como colaboração, construção coletiva do conhecimento e ética da generosidade, para a relação entre empresas. Nossa missão a partir de agora é construir histórias que deixem legado”, diz Andréa. Em junho de 2014, abriram mão da última conta no modelo tradicional de agência.

“Apesar de trabalharmos para empresas, no fundo trabalhamos para as pessoas dentro das empresas com quem comungamos visões de mundo”, diz Paulinho. Gente como Hildo Henz, presidente da Solazyme Bunge Produtos Renováveis, um dos primeiros clientes da nova Sarau. “Nosso trabalho com eles é investigar a essência da empresa e buscar formar de expressar essa essência aos vários públicos por meio de narrativas”.

A nova Sarau tem ainda como clientes a construtora ETM, a Papirus e uma empresa de construção e manutenção de indústrias, para a qual desenvolve um projeto ainda sigiloso em que a inovação já começa na forma de remuneração. “Nesse projeto, que envolve a aproximação entre duas empresas, a Sarau vai receber pela consultoria, por um determinado prazo. Dali para frente, os ganhos financeiros da Sarau existirão na medida em que houver troca financeira entre as duas empresas. Se não houver, a Sarau e todos os envolvidos sairão mais ricos – em conhecimento”, diz Andréa.

O escritório da Sarau em Porto Alegre, a partir de 2015, vai virar um espaço de coworking. E eles manterão três funcionários fixos – um gerente de projeto, um planejador criativo, um gerente financeiro-administrativo. O resto do time será alocado por projeto. “Queremos estabelecer relações baseadas em valores compartilhados. Seja com clientes ou com parceiros ou com talentos”, diz Andréa. “Queremos também nos certificar como uma empresa B, nessa virada de agência de publicidade para consultoria, trabalhando para a sociedade e não para os acionistas”.

“Nosso faturamento cairá uns 30%. Estaremos com menos dinheiro no bolso. Mas nossos custos cairão proporcionalmente. Estaremos mais leves. E certos de estarmos trilhando o caminho certo para nós nesse momento”, diz Paulinho.

Ele tem 42 anos e uma filha de 2 anos, Cora. Andréa tem 38 anos e uma filha de 2 anos, Carolina.

E ambos acabaram de dar à luz uma nova empresa. O caçula e os pais passam bem e, de fato, parecem felizes.

 

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Sarau
  • O que faz: Consultoria em comunicação de marcas
  • Sócio(s): Paulo Bittencourt e Andrea Fortes
  • Funcionários: 3
  • Início das atividades: 2007
  • Investimento inicial: R$ 400.000
  • Faturamento: NI
  • Contato: [email protected]
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