por Paulo Camossa Júnior
Sou publicitário e trabalhei na área de mídia de agências de publicidade por 29 anos – 17 deles na AlmapBBDO. Curti imensamente o período: gostava do que fazia e tinha uma posição bacana. Ao longo do tempo, passei a notar um distanciamento entre as coisas que eram importantes para o negócio da agência e aquelas que me davam prazer (eu ficava especialmente feliz quando ajudava a viabilizar novas iniciativas, especialmente projetos autorais de conteúdo). Enxergava uma entrega adicional à função publicitária: contribuir para entregar uma indústria cultural mais rica e diversificada, e mais alternativas de mídia, e mais empregos. Comecei a visualizar para o futuro uma consultoria pequena, afetuosa e artesanal, dedicada a oferecer este serviço.
Pensando nisso, aceitei o convite da Abril para assumir uma das suas diretorias de Marketing em 2013. Fazia sentido estar numa das maiores produtoras de conteúdo do mundo para ver de dentro como as coisas funcionam. Foi um período bom e conheci gente querida e talentosa, mas um ano depois minha posição desapareceu da estrutura e pela primeira vez em 30 anos fiquei sem emprego.
Decidi então fazer um período sabático. Não só para descansar e celebrar três décadas de trabalho contínuo: se eu já vislumbrava levar uma vida diferente, era sensato evoluir o modo como aprendi a funcionar para me adaptar à nova fase
Começou em agosto de 2014 e terminou no mesmo mês de 2015. Um ano, certinho.
Meu sabático foi, profissionalmente, o período mais produtivo e transformador dos meus 50 anos de vida
Sou o mesmo cara, diferente em muitos aspectos – e algumas coisas que fiz tiveram a ver com isso.
É este processo que vou compartilhar. Tenho amigos queridos que, diante da mesma situação, tomaram caminhos diferentes e bem sucedidos. O que divido, portanto, é a descrição de um processo pessoal que pode (ou não) fazer sentido para alguém.
1) Tomei uma decisão consistente
A decisão pelo período sabático não foi decorrência da falta de alternativas (até recebi abordagens interessantes, todas ligadas ao meu histórico profissional, mas preferi seguir por outro caminho). Foi uma decisão tomada com um propósito claro: renovar sinceramente minhas crenças e meus hábitos no período de um ano. Num caso desses, parece ser importante ter uma retaguarda financeira que permita passar pelo período sem preocupações materiais — não importa se três meses ou dois anos. Para mim foi fundamental saber que meus custos estavam cobertos para que eu pudesse me jogar na experiência como ela merecia.
2) Defini objetivos específicos
Conceder-me um período tão prazeroso quanto funcional e me preparar para a próxima fase da vida é um objetivo um tanto quanto genérico. Resolvi especificar o que estava querendo, e cheguei a um conjunto de atividades e experiências que pretendia viver nos doze meses seguintes.
– ter acesso a conhecimentos que nunca tinha tido oportunidade ou vontade suficiente para aprender;
– passar a me virar sem os confortos da vida corporativa, como lidar com as contas cotidianas ou pagar o seguro de saúde;
– ficar um tempo fora do país, outro na minha cidade natal e conhecer melhor a cidade onde vivo;
– experimentar uma vida sem agenda;
– estruturar a minha consultoria e deixá-la pronta para ser lançada em agosto de 2015
3) Nunca me afastei dos meus objetivos
Eu sabia o que queria viver ao longo do ano, mas não planejei com rigor as etapas: fui fazendo, sem jamais perder de vista os objetivos. Hoje, olhando para trás, percebo que organicamente (e sem perceber) dividi o meu período sabático em três partes.
Comecei fazendo vários cursos, nenhum deles ligados à minha profissão, e fiquei um tempo fora do país.
Me mantive ocupado, aprendendo o que queria e me acostumando a responder com leveza perguntas como “e aí, o que você está fazendo?”
Na sequência, vivi uma segunda parte na qual não fiz nada — “fiz bastante coisa, agora vou dar um tempo”. Eu queria saber como era viver sem demandas externas, passar mais tempo em Pirassununga e pela primeira vez realmente viver em São Paulo. Sem carro.
Eu já sabia, de antemão, que na última parte do período iria estudar e estruturar a minha consultoria.
4) Fiquei ligado no “modo aprender”
Sempre achei que quando a gente não sabe muito bem o que fazer, não tem tempo para nada — e continuo achando. Percebi também que, quando se sabe exatamente o que se quer, tudo ensina – inclusive aquilo que não está objetivamente em questão.
Na primeira parte do período, fiz cursos de mixagem, edição de livros e mergulho. Passei um tempo fora do país e participei de um workshop sobre o universo da música. Curti cada um deles e todos me deram insights legais para fortalecer a ideia do que eu queria fazer adiante.
O de mixagem, por exemplo, mostrou que combinar coisas diferentes de forma harmoniosa pede técnica, criatividade e disciplina. O de edição de livros martelou a conexão entre rigor e sensibilidade, e a necessidade fundamental de enxergar o prioritário. O de mergulho focou na capacitação para lidar com imprevistos, e deixou a agradável sensação de que com equilíbrio, determinação e planejamento qualquer coisa pode acontecer — inclusive um caipira sem intimidade com o mar aprender a mergulhar.
Se for ver, eu queria combinar conhecimentos adquiridos em anos de profissão para criar um negócio caprichado e focado nas coisas que mais gostava de fazer – e me preparar para os riscos de uma vida empreendedora, algo até então inédito para mim. Tudo a ver com o que eu queria fazer no futuro.
5) Simplifiquei o estilo de vida
A segunda parte foi certamente o período de aprendizados mais radicais. Para quem trabalhou por 30 anos, não ter nada para fazer pode ser bem estranho. O risco de pintar uma desconfortável sensação de improdutividade pode amortecer o prazer do ócio. Falei algumas vezes sobre isso com o querido Miguel – brinco que ele é o segundo melhor psicólogo do Brasil, depois do Técnico Tite. E beleza: como objetivei fazer nada, estava cumprindo meu objetivo.
Todo dia, na real, eu fazia alguma coisa: ia para algum lugar a pé, conhecia bairros, tinha contato com lugares e pessoas diferentes. Sempre sem o celular para não desviar o olhar
Eu já gostava de correr pela rua, mas caminhar é mais intenso, permite observar tudo com mais profundidade. Passei também a andar de transporte coletivo – o metrô eu já usava esporadicamente, mas ônibus nunca (é bem viável, especialmente na possibilidade de fugir dos horários de pico). Ambos permitem não só absorver a cidade, como também fazer parte dela. Multiplica enormemente os contatos humanos e, portanto, as referências. Hoje uso o carro bem de vez em quando.
Entre as coisas mais interessantes estava a quantidade de pessoas no horário comercial vestidas como eu, vivendo nas ruas uma parte do dia que no mundo corporativo se passa dentro de um escritório. “Essa galera toda não está num ano sabático”, eu pensava. Isso reforçou a ideia de que era viável ter uma experiência profissional organicamente ligada à vida, na leveza e na flexibilidade dos relacionamentos e da ocupação do dia. Naqueles meses, fui abordado por algumas empresas digitais – convites que teria desejado meses atrás, mas que naquele momento não faziam mais sentido: eu queria fazer o que precisava fazer.
6) Planejei a volta
Planejei a empresa última parte do período. Engraçado falar assim, agora. Porque nesta terceira parte continuei fazendo o que fiz na primeira e na segunda. E provavelmente não deveria ser considerado parte do período sabático, na medida em que trabalhei bastante. Mas eu considero.
Dois amigos queridos, sabendo dos meus planos, recomendaram que eu fizesse o Empretec, uma metodologia desenvolvida pela ONU e aplicada no Brasil pelo Sebrae para estimular comportamentos fundamentais para o empreendedorismo. Eu tinha recebido salários por toda uma vida, achei que era um bom conselho e me inscrevi. Como parecia ser bem puxado, decidi fazer numa cidade diferente para me dedicar integralmente ao curso – e fui para Campinas. É incrível mesmo, deixa uma série de insights práticos para materializar uma ideia. Curti especialmente o sentimento que ficou em mim, algo entre a determinação e o destemor.
Depois do Empretec, coloquei em prática o que me propus a fazer nesta última parte do período sabático. Criei o nome para a consultoria e defini sua identidade visual. Ampliei o escopo de suas entregas, oferecendo serviços para veículos e marcas. Agilizei as paradas burocráticas todas e contratei as plataformas digitais. Fui convidado para ser um dos residentes na Oito Zero Oito, uma hub de profissionais e empresas de comunicação que trabalha de forma colaborativa. Fiz laboratórios das minhas futuras entregas, testando sua aderência e possíveis modelos comerciais. No fim de um ano eu estava pronto para voltar.
7) E voltei
Em agosto de 2015, a Piraporanó começou a operar e eu voltei a trabalhar. Sou a Piraporanó, mas não é um trabalho solitário: sempre estou ligado a outras pessoas e empresas, invariavelmente diferentes, dependendo do trabalho. Doze meses depois minha essência estava preservada, e adaptei radicalmente comportamentos e convicções na direção da vida que desejo. Meço os resultados de duas formas.
Do ponto de vista financeiro, ainda não rolou como imaginava – em parte por conta das circunstâncias econômicas e políticas do período, em parte porque eu mesmo continuo aprendendo e estudando o negócio que criei, e em parte porque acho que leva mesmo um tempo para uma proposta dessas ser percebido e lembrada pelo mercado.
Revi os objetivos dessas primeiras horas: é tempo de semear e aprimorar a proposta e o modelo de negócio. Estou satisfeito
Do ponto de vista cotidiano, tenho vivido exatamente como imaginei. A cada dia conheço pessoas diferentes e tenho a agradável perspectiva de me ligar pessoal e profissionalmente a elas a qualquer momento. É uma vida livre e muito simples, estou feliz. E não seria a mesma se eu não tivesse me preparado para ela, por muitos anos e mais especificamente por doze meses.
Paulo Camossa Júnior nasceu em Pirassununga há 50 anos. Formado pela ESPM, trabalhou em algumas das principais agências do país. Desde 2015 está na Piraporanó, sua consultoria artesanal de Marketing Publicitário para produtores de conteúdo, veículos de comunicação e marcas.
A falência do pai marcou a infância e mudou a vida de Edu Paraske. Ele conta os perrengues que superou até decolar na carreira – e por que largou a estabilidade corporativa para empreender uma consultoria e uma startup de educação.
Na faculdade, Marcos Valeta fez grandes amigos, mas depois cada um foi viver num canto do planeta. O publicitário conta como o vínculo resistiu ao tempo e à distância – até que a decisão de fundar sua própria empresa reuniu o grupo novamente.
Juliana Curi alcançou seu sonho de fazer carreira na publicidade. Até que o ritmo puxado e um período sabático a levaram a repensar a vida, descobrir o gosto pelo desenho e empreender uma marca de bolsas com estampas multicoloridas.