por Marcio Orlandi
Tenho 48 anos, sou divorciado e gay assumido. Trabalhei 13 anos em uma grande empresa de consultoria, depois dez em uma gigante de cosméticos e dois em uma gigante de video games. Passei por diversas transformações profissionais e pessoais e estou aqui para tentar dividir um pouco da minha vida e, quem sabe, ajudar alguma pessoa que esteja em uma encruzilhada parecida.
Me formei engenheiro, mas já no final da faculdade sabia que queria trabalhar em consultoria, graças a uma experiência de mais de dois anos com o movimento Empresa Júnior (sou um dos fundadores da Mauá Júnior e também da Federação das Empresas Juniores do Estado de São Paulo).
Acabei sendo selecionado para trabalhar em uma consultoria internacional, a Accenture, e tive experiências incríveis por todo o Brasil, além de vivência internacional. Foram anos de muito trabalho e foco na minha profissão, recompensados com reconhecimento e promoções. Mas sobrava pouco tempo para procurar relacionamentos ou pensar na vida amorosa.
Naquele momento, não sabia o que queria em termos de relacionamento. Acho que é hora de explicar: eu sempre soube que tinha atração por homens, mas também tinha atração por mulheres. E, naquela época, muito mais do que hoje em dia, isso era um grande tabu.
A verdade é que me convenci de que viveria uma vida hétero e nunca daria vazão a nenhum desejo homossexual
Uma das maiores diversões que eu e minha turma tínhamos era dançar música country (pois é, mais uma faceta minha, dançarino country no saudoso Hollywood Project). E foi lá que conheci a menina que viria a ser minha namorada e depois esposa. De repente, lá estava eu, com 28 anos, bem-sucedido no trabalho e completamente apaixonado. Parecia que minha vida estava toda traçada.
O namoro foi ficando sério e, no fim de quatro anos, decidimos morar juntos, ficamos noivos e casamos. Não podia ser mais feliz. A questão de sentir atração por homens estava muito bem resolvida na minha mente (pelo menos, eu achava). No trabalho, tudo ia bem também, com clientes excelentes e projetos super desafiadores. Cheguei, inclusive, a passar mais de um ano na Argentina em um projeto e, nesse meio tempo, minha esposa decidiu deixar o trabalho e se mudou para lá comigo. Foi um ano mágico.
Dois anos depois de voltarmos ao Brasil, algumas coisas começaram a mudar. Um dia, visitando um antigo cliente, fiquei surpreso e espantado de ver como um projeto simples que havia coordenado tinha transformado completamente a empresa e a forma como todos trabalhavam. Não podia ficar mais orgulhoso e contente, mas uma pergunta ficou na minha cabeça: como teria sido ficar no cliente e viver toda aquela transformação que ajudei a causar? A natureza de uma consultoria é ingrata nesse sentido: orientamos a transformação e não ficamos lá para colher os frutos ou viver as consequências. Me deu uma vontade de viver essa experiência.
Por outro lado, começava a pensar que era chegada a hora de ter filhos. Mas minha esposa ainda estava reconstruindo sua carreira depois do hiato me acompanhando na Argentina. E, no trabalho, mais e mais projetos aconteciam fora de São Paulo e até do país. Ficou claro para mim que, com ou sem filhos, eu não queria ficar afastado de casa por tanto tempo. Resolvi, então, me abrir para a possibilidade de deixar a consultoria.
Nesse momento, apareceu a oportunidade de ir para uma empresa de cosméticos extremamente respeitada, a Natura. Era minha oportunidade de “sentar do outro lado da mesa”. Aceitei a proposta e uma nova vida começou. Não foi fácil. Logo descobri que meus 13 anos de experiência em consultoria me ajudavam muito, mas não eram tudo. Tinha muito a aprender em um ambiente altamente competitivo e político. Estava na área de TI, estratégica para o crescimento da empresa, e atendia diversos clientes internos. Consegui o que queria, estava do outro lado da mesa e vivendo as dores e delícias desse processo. Tive sucessos e fracassos.
Quando notei, estava completamente apaixonado pela empresa e queria fazer a diferença nela. Mas sentia que em meu papel em TI, teria pouca oportunidade para isso. Quando apareceu uma chance de mudar de posição, passando para o marketing e, especificamente, para ser responsável pela presença da empresa na internet, me joguei. Descobri um mundo novo de mídia, links patrocinados, design, SEO, UX etc. Me bateu um medo, mas decidi que era novamente hora de aprender e me reinventar. E tive muita sorte com uma equipe incrível que me ajudou, ensinou e soube aproveitar o melhor de mim.
Claro que tive altos e baixos, momentos em que duvidei se estava no lugar certo. Mas entendi que para poder me vender ao mercado, precisaria ficar, enfrentar os desafios e criar minha história toda de novo. Nesse período, o preço na vida pessoal foi fatal.
Minha esposa continuava focada na carreira e filhos pareciam cada vez mais distantes. Não coloco a culpa em nenhum de nós. Nossas vidas e prioridades já começavam a se distanciar. Acredito que o amor ainda nos unia, mas já não era a mesma coisa. Pouco a pouco, a situação foi ficando insuportável. No início de setembro de 2012, ela me deixou e se mudou para um flat. Fiquei arrasado, a vida que tinha vislumbrado, ao lado dela, com filhos e netos, estava desmoronando. Me afundei ainda mais no trabalho.
Ficamos praticamente três meses sem conversar e sem nos vermos. Quando nos reencontramos para um papo, tinha esperança de uma chance de reaproximação. Muito pelo contrário, nosso papo deixou explícito que não havia essa possibilidade. Choramos juntos e nos despedimos. Naquele dia, meu casamento tinha acabado. Já estávamos no começo de dezembro e logo chegariam as festas. Decidi que iria refletir até o final do ano e começar 2013 um novo homem, cortando meus laços com o passado.
Até ali, minha vida amorosa e sexual tinha sido totalmente dedicada ao meu casamento. Havia negado e ignorado toda e qualquer outra vontade que sentia. Finalmente, sentia que não devia nada a ninguém. Nesse momento me deparei com as perguntas:
O que quero agora? Será que tenho coragem de ficar com um homem? Será que vou gostar?
Nessa hora, a vontade de experimentar veio com toda a força. Não haviam mais impeditivos morais e éticos da minha parte, já que o casamento tinha acabado. Mas, por onde começar? Ir a um bar? Chat do UOL? A verdade é que tendo passado uma vida toda apartado do mundo gay eu não fazia ideia de onde experimentar minha suposta homossexualidade.
Me ocorreu procurar por garotos de programa na internet. Não tenho vergonha do fato: eu queria, precisava, experimentar o sexo gay, mas não sabia como. Paguei. Fiz sexo com garotos de programa em três ocasiões diferentes naquele início de 2013. E gostei. Simplesmente isso, e nada mais do que isso. Estava claro para mim que eu gostava de fazer sexo com homens, mas que não queria essa vida de sexo pago. O que não sabia era como incorporar isso na minha rotina.
Foi nessa época que decidi fazer uma longa viagem de férias. Fui para o Havaí e mais algumas cidades dos Estados Unidos. Na viagem, aproveitei e criei coragem de instalar o primeiro aplicativo de encontros no meu celular: o Grindr. Tinha medo de me expor e ser descoberto por pessoas mal intencionadas, mas o que seria melhor do que testar o aplicativo fora do Brasil, onde o risco era menor?
Instalei o app e comecei a conversar com algumas pessoas. Entendi que podia mostrar ou não meu rosto se quisesse. Entendi que a minha privacidade podia ser protegida se tomasse cuidado com minhas informações. E cheguei, inclusive, a criar coragem e me encontrar com uma pessoa pela primeira vez.
Voltei para o Brasil e abri o aplicativo no meu bairro. Comecei a conhecer pessoas. Fiz sexo com algumas. Era MUITO excitante. Mas me dava muito medo. Apesar de feliz por finalmente explorar minha sexualidade, eu estava bem confuso. Acho que nesse momento vale acrescentar que, desde 2011, fazia análise. E durante todo o final do meu casamento, discuti muito com meu analista meus sentimentos. Até o início de 2013, nunca tinha tido coragem de falar com ele sobre minha sexualidade. Refleti que não contando para ele, não estava me protegendo, mas fugindo da realidade e da oportunidade de discutir tudo o que se passava na minha cabeça. Por volta de março, contei para ele e foi libertador. Meu psicólogo foi a primeira pessoa que ouviu da minha boca que eu gostava de homens. E me fez sentir que tudo bem, que eu podia ser assim e que isso não era da conta de mais ninguém.
Eu não queria viver uma vida paralela. Só que, para ser eu mesmo, precisava me redescobrir
Conclusão: ainda não era hora de contar para ninguém. Era hora de me conhecer e me fortalecer. E assim foi. Continuei usando o app e acabei conhecendo o cara que viraria meu primeiro namorado. Infelizmente, terminou em nove meses e não foi um fim amigável. Em resumo, ao longo de dois anos e pouco, namorei três caras diferentes e fiquei com diversos outros. Aprendi muito sobre minha orientação sexual. Nesse momento, já não importava mais se era bissexual ou homossexual.
Mas tudo isso teve um custo. Na esfera pessoal, havia me afastado de amigos de longa data. Queria isolá-los da minha nova vida, até porque muitos continuavam amigos de minha ex-esposa e eu não queria que eles se sentissem na obrigação de zelar por um segredo meu. Eu os via muito menos e eles sentiam que estava escondendo algo. Acreditava que seria aceito por meus amigos eventualmente, mas não achava que era o momento de contar para ninguém.
No trabalho, meu maior medo era que alguém descobrisse e isso de alguma forma me prejudicasse. Trabalhava em uma empresa de cosméticos, com um grande número de funcionários LGBTI+, mas a verdade é que poucos ocupavam cargos altos.
Obviamente que eu ouvia piadinhas homofóbicas, comentários sobre pessoas da empresa. Mas, agora, eu era um dos alvos
Confesso que, antes de tudo isso acontecer comigo, eu também contava piadas, fazia comentários maldosos, talvez como forma de me negar e proteger. Certo dia, indo para uma reunião, ouvi de um colaborador um dos comentários mais homofóbicos da minha vida, sobre seu próprio chefe, que estava atrasado: “Ele não chegou ainda porque deve estar dando para algum caminhoneiro”. Fiquei chocado com a raiva e com a homofobia daquela pessoa. Eu devia ter respondido, ido a uma ouvidoria, feito alguma coisa. Não tive coragem. Me acovardei e não fiz nada, por medo de me expor. Me arrependo disso até hoje. E, mais uma vez, me vi convicto de que não queria ser uma pessoa vivendo nas sombras. Assim que pudesse, queria me assumir no ambiente de trabalho e ser uma força para favorecer o respeito aos direitos LGBTI+.
E assim fui seguindo minha vida, conhecendo o mundo gay, fazendo amigos, amantes. Já estava no terceiro namorado, no fim de 2014. Me sentia completamente à vontade para admitir que era gay, mas queria achar um jeito de dividir isso com meus amigos. Resolvi que faria um teste, contando para minha melhor amiga primeira, a Fernanda, que me conhecia desde a infância e nunca foi muito próxima da minha ex-mulher. Tive que tentar duas vezes porque, na primeira, acabei não tendo coragem. Na segunda, vomitei tudo quando estávamos a caminho de uma pizza com amigos. Ela me disse que nada mudava, que éramos amigos e nada interferiria nisso. E, realmente, nossa amizade continua sólida até hoje.
Em pouco tempo, revelei minha orientação sexual para mais duas amigas que também não eram próximas da minha ex. Ainda corri o risco e contei para o meu melhor amigo de infância. Desse tinha muito medo. Ele é muito meu amigo, sou até padrinho do filho dele e a minha ex é a madrinha da criança. Ela convivia com eles regularmente e eles seriam os primeiros a ter que guardar meu segredo. Para minha surpresa, não só ele e a esposa levaram numa boa, mas também me deram uma bronca por não ter falado antes.
Enfim, 2014 chegava ao fim e eu estava mais feliz do que nunca. Aos poucos, um grupo de pessoas ao meu redor já sabiam do segredo, incluindo dois colegas do trabalho. Foi aí que a tempestade veio bagunçar meu mundo. No Réveillon, fui com meu namorado a uma festa em uma balada gay. Foi uma delícia, nos divertimos muito. Dias depois, era aniversário dele, fizemos uma festa aqui em casa e convidei meus amigos que já sabiam de tudo. Foi um evento delicioso, com direito a várias fotos no Facebook, embora eu não tenha postado nada (por razões óbvias).
Qual não foi minha surpresa quando minha ex-mulher me liga, no começo de fevereiro, pedindo para eu ir na casa dela conversar. Fui, achando que talvez finalmente fôssemos falar do divórcio, embora tivesse medo de que ela pudesse ter descoberto algo sobre mim. Quando cheguei, ela perguntou, na lata:
“Desde quando você é gay? Quem é Murilo? Você me traía com outros homens enquanto estávamos casados? Todos seus amigos sempre souberam e riam da minha cara?”
Que susto! Achei que ia ter um infarto. Mas o jeito era enfrentar a situação. Contar tudo, ser honesto e explicar que nunca houve traição nem nada. Devo ter ficado umas cinco horas na casa dela conversando. Ela me contou que um primo, que também é gay, estava na balada do Réveillon, me reconheceu e mandou um vídeo com um beijo meu e do meu namorado por WhatsApp, para toda a família!
Depois disso, ela ainda ficou me investigando nas redes sociais, descobriu fotos do aniversário do meu namorado, viu nossos amigos e até meu histórico de Netflix foi olhar. Ou seja, quando me chamou para conversar, já fazia mais de um mês que ela sabia de mim e estava como uma panela de pressão, pronta para explodir. Não foi uma conversa fácil. Até hoje me lembro de como meu mundo girava naquele momento. Mas, ao mesmo tempo, tive que encontrar calma para conversar e explicar tudo, com muito cuidado e não piorar as coisas.
Repeti várias vezes que nunca a tinha traído em nosso casamento. Que, sim, sempre tinha sentido atração por homens, mas que era fiel à ela e que se nosso casamento fosse para sempre, nunca teria experimentado nada com homens. Que, de fato, depois que nos separamos, acabei me sentindo livre para experimentar e gostei. Que Murilo era meu namorado e que nossos amigos sabiam de mim há poucos meses. Ela foi se acalmando ou, pelo menos assim me pareceu. Mas estava magoada, sentia que tinha sido enganada por todos os anos que ficamos juntos. Entendo e respeito esse sentimento.
Ficamos juntos por 15 anos e, traição ou não, o fato é que tinha um lado da minha vida que ela nunca conheceu. É compreensível que estivesse com raiva
Saí de lá com um misto de emoções. ALÍVIO porque, para o bem ou para o mal, ela já sabia, não era mais um segredo. PÂNICO porque ela disse várias vezes que quase ligou para meus pais e contou tudo. RAIVA porque aquele maldito primo dela (que vi três vezes ao longo de nosso casamento) tinha me exposto daquele jeito. APREENSÃO pelo que viria nos próximos dias. Mas diria que a principal sensação foi de alívio mesmo e DETERMINAÇÃO. O segredo já não existia e, agora, precisava conversar logo com meus pais e irmã.
No dia seguinte, tinha um churrasco com minha irmã e meu cunhado na casa do meu melhor amigo. Aproveitei o momento e já contei. Foi tudo acelerado. Eles reagiram bem, mas minha irmã não queria que contasse para os meus pais de jeito nenhum. Ela estava tão assustada e com medo da reação que chegou a me pedir para chamar uma ambulância na porta de casa. Saí do churrasco e fui direto para casa dos meus pais. Esse foi definitivamente um dos momentos mais difíceis da minha vida. Quando cheguei lá, minha tia estava com eles. Ótimo, ela é umas das pessoas mais importantes da minha vida, então, poderia matar três coelhos com uma cajadada só.
Tudo correu exatamente como eu temia. Pedi para sentarem no sofá porque tinha algo importante para falar. Contei que sou gay, que tinha um namorado, que minha ex-mulher tinha descoberto, que meus amigos já sabiam. E terminei dizendo que tinha muito medo daquele momento porque, embora soubesse que eles me amavam, receava como iriam reagir.
Silêncio. Os segundos mais longos da minha vida. Meu pai olhou para mim, disse que já estava desconfiado de algo porque via minha mudança, mas que eu continuaria sendo seu filho e que me amava. Saiu da sala e não voltou mais. Talvez tenha ido chorar, não sei. Na sequência, minha tia, com lágrimas nos olhos, disse que me amava muito, que sempre estaria ao meu lado. Me deu um beijo e um abraço maravilhosos.
Minha mãe ficou de cabeça baixa o tempo todo. Não me olhou em nenhum momento. Disse que não aceitava, não queria conhecer ninguém e que preferia que eu não tivesse falado. E saiu da sala…
Minha tia me consolou, me pediu para ter paciência com eles e disse que tudo iria ficar bem. Os próximos meses foram terríveis. Minha mãe passou uns três meses sem conseguir olhar no meu olho. E meu pai também ficou estranho por muito tempo. Mas, aos poucos, as coisas foram melhorando, embora até hoje eles não tenham conhecido meu namorado e raramente toque no assunto. Parece tempestade o suficiente? Mas não era.
Dias depois, no trabalho, recebi uma ligação de uma pessoa que se apresentou como advogado da minha ex-mulher, dizendo que dali em diante ela não responderia minhas mensagens ou falaria comigo, que eu não deveria entrar em contato, que ela queria o divórcio e que ele seria nosso ponto de contato. Não posso dizer que fiquei surpreso com o pedido de separação, mas, definitivamente, fiquei assustado pela maneira. Acabei entrando em contato com um amigo advogado que me ajudou a encontrar um bom escritório.
Meu mundo girava muito rápido e, ao mesmo tempo, na minha vida profissional, outra tempestade se aproximava. Estava pensando em sair da empresa onde estava há dez anos e acabei entrando em dois processos de seleção ao mesmo tempo. Em um deles, precisava viajar até Los Angeles para uma bateria de entrevistas. Meu medo, naquele momento, era que o processo do divórcio me impedisse de viajar porque o advogado dela chegou a dizer que poderia congelar minhas contas bancárias se eu não aceitasse logo os termos dela. Para completar a confusão, meu namorado ia viajar por 30 dias pela Europa com os colegas de teatro e eu ficaria sozinho em São Paulo. Eu gostava muito dele, mas sabia que não ia conseguir ficar quietinho em casa esse tempo todo.
Foi uma loucura. As negociações do divórcio seguiram, mas eu precisava arrumar dinheiro para pagar minha ex e manter o apartamento onde moro. As entrevistas nas duas empresas iam bem e acabei recebendo propostas para ambas.
Conversei com meu chefe, expliquei a situação do divórcio, saí do armário e fiz um pedido inesperado: que me demitisse
Eu precisava ter acesso ao FGTS e dinheiro para pagar pela minha separação. No dia 1º de abril, fui demitido, aceitei um novo emprego e negociei para começar o outro no início de maio. Assim, teria um mês inteiro para descansar e arrumar a vida.
Consegui dar entrada na papelada, vender ações e levantar o dinheiro para o divórcio. Tive tempo para descansar e me divertir, além de me preparar para uma nova fase, muito excitante, da minha carreira, em uma empresa de video games, a Riot Games. Nesse mês, uma tempestade boa também aconteceu na minha vida amorosa: enquanto meu namorado viajava pela Europa, confesso que saí muito para baladas e acabei indo conhecer a Ursound (para quem não conhece, uma balada gay bastante famosa).
Por volta das duas da manhã, estava dançando com amigos na pista, quando notei um carinha encostado em um espelho, tomando uma cerveja e me olhando. Resolvi chegar perto para conversar. Foi mágico. Quando me apresentei, não sei por que, falei meu nome todo e ele respondeu: “E eu sou Wellington Sousa, com ‘S’, Castro”. Acabamos ficando juntos, dançamos até às sete da manhã e fomos para a minha casa.
Eu estava encantado. Ele era comissário de bordo. Tinha que viajar no dia seguinte. Nós continuamos conversando por mensagens. Nos encontramos de novo na quarta, quando ele voltou para São Paulo e, já na quinta, voava de novo. Até aí, eu não sabia se aquilo era uma aventura ou algo mais. Foi só no domingo seguinte, quando ele chegou de volta à capital paulista que as coisas ficaram mais claras. Eu tinha marcado de ir a uma outra balada, a Gambiarra, e acabei chamando ele para vir me encontrar. Meu coração disparou, eu parecia uma criança de tão excitado ao vê-lo chegando para me encontrar pela terceira vez. Estava claro que aquilo não era uma aventura. E significava que eu precisava tomar uma nova decisão difícil.
Confessei que tinha namorado e que estava completamente apaixonado por ele. Falei que, se ele me quisesse e confiasse em mim, eu terminaria meu namoro assim que meu companheiro chegasse em São Paulo. Ele disse que também estava apaixonado, só que não iria mais ficar comigo até que eu terminasse meu namoro. No sábado seguinte meu agora ex-namorado chegou. Tive que criar coragem e terminar tudo. Ele é um cara muito especial. Sabia que estava esmagando seu coração e que gostava muito de mim. Tanto que não tive coragem de falar que tinha conhecido alguém.
E foi assim que abril de 2015 terminou. Estava prestes a me divorciar, a começar o emprego dos meus sonhos, não precisava mais ficar no armário, terminei um namoro com alguém por quem tinha um carinho imenso, mas não amava e estava completamente apaixonado, talvez, pela primeira vez na vida. O ano prometia! Prometia e entregou. 2016 e 2017 foram ainda melhores. Acabei ficando dois anos na empresa de video games.
Desde o início, decidi ser completamente assumido e na primeira festa da empresa já levei o Well comigo e o apresentei a todos como meu namorado. Foi incrível
Me sentia completo, trabalhando em uma empresa que amava, por incrível que pareça, mais do que as duas em que trabalhei anteriormente. Pela primeira vez, me sentia completo na vida profissional e pessoal.
Corta para junho de 2018. Muitas águas rolaram e eu e o Well estamos juntos já há três anos. Inclusive, estamos noivos. Ele já conhece meus pais e eles gostam bastante dele, o que me fez muito feliz. Já saí da empresa de video games e hoje estou em uma fintech que promete ser um estouro, a VC+. Também nessa empresa já entrei assumido e me sinto muito feliz assim.
Tenho muita sorte. Aos 48 anos, tenho uma vida bastante agitada. Feliz com o trabalho. Feliz com o relacionamento. Feliz com a família. Rodeado de amigos (gays e héteros). Até onde eu sei, ninguém se afastou de mim por causa da minha orientação sexual.
Tanto que, nesse ano, resolvi que estou pronto para o próximo passo e quero tentar ajudar mais pessoas compartilhando a minha história e a minha experiência. Estou trabalhando com um grupo de amigos e formando um Coletivo LGBTI+ (quem sabe vira um ONG ou algo assim no futuro?). Queremos ajudar pessoas LGBTI+ que não se sentem inteiras no trabalho por meio de trocas de experiências, grupos de apoio, produção de conteúdo que ajude o ambiente corporativo a ser mais diverso e inclusivo. Acredito que achei minha vocação. E que venha o futuro!
Marcio Orlandi, 48, é engenheiro e lida com tecnologias digitais e inovação há 25 anos. Trabalhou na Accenture, Natura e Riot Games. Atualmente, é CPO VC+ e membro do Coletivo Caneca LGBTI+, que fará um encontro no próximo dia 14 de julho, em São Paulo.
Grávida no começo da pandemia, Thais Lopes resolveu ajudar a construir um país melhor para a sua filha. Deixou a carreira corporativa e fundou a Mães Negras do Brasil, negócio de impacto com foco no desenvolvimento desse grupo de mulheres.
O jornalista André Naddeo sentia-se estagnado, até que deixou a carreira e foi viver um tempo num campo de refugiados na Grécia. Ele decidiu então se desfazer de suas posses para ser mais livre e acolher imigrantes por meio de uma ONG.
Nascida na periferia de Manaus, Rosângela Menezes faz parte da primeira geração de sua família a ingressar na faculdade. Ela trilhou carreira no marketing digital e conta como fundou uma edtech para tornar esse mercado mais diverso.