Em 2014, tive a oportunidade de abrir meu coração para o Draft, na seção Negócios Criativos, e falar um pouco da virada de mesa profissional que dei ao deixar de ser sócio de um grande grupo de publicidade aos 54 anos para investir na produção de narrativas transmídia para marcas.
Se fosse resumir aquela matéria (que você pode ler aqui), diria: “Abri mão de ‘uma vida ganha’ em uma agência com escritórios em São Paulo, Rio e Porto Alegre, para iniciar do zero um negócio que, apesar de lidar com os mesmos players (criação, produção, mídia e marcas), tem uma dinâmica totalmente diferente, com muito menos dinheiro envolvido”.
Comecei a Conteúdos Diversos Produções com uma grande vantagem competitiva pelo fato de minha mulher, que é a produtora executiva dos meus projetos, ser há mais de 25 anos dona de uma produtora de animação muito respeitada no mercado, a Cinema Animadores.
Além de talentosa, Silvia Prado é extremamente atuante em diversas associações (Abranima, Apace, Bravi, Siaesp e +Mulheres do Audiovisual, entre outras) e, juntos, participamos de muitos eventos do mercado de produção audiovisual, como MIPCOM (Cannes), KidsCreen (NY), Festival Internacional de Animação de Ottawa e Cannes Lions, entre outros.
A Conteúdos Diversos Produções é o que o mercado audiovisual chama de “produtora butique”, um pequeno núcleo de produção muito experiente que estrutura a equipe necessária para cada projeto, contratando os talentos adequados para cada função, dentro do budget.
O lado bom deste modelo é que os custos fixos são baixos. O lado ruim é que no dia a dia os gestores carregam o piano
Apesar de ter começado a produtora com algum capital obtido com a venda da minha participação na agência de publicidade, eu não tinha clientes fixos.
Ao contrário da publicidade, em que tudo acontece de maneira veloz e, muitas vezes, do briefing à veiculação passam-se poucos dias, uma produção audiovisual que nasce como projeto próprio pode levar de dois ou três anos.
Da gestação da ideia, desenvolvimento de roteiro, captação de patrocínio (se for em lei de incentivo ainda tem toda uma burocracia e processos para aprovação que consomem facilmente um ano) até chegar à realização e negociação com a emissora de TV vai tempo e paciência…
Essa característica do negócio trouxe um grande aprendizado. É fundamental para uma pequena produtora ser viável, trabalhar apenas com projetos próprios ou, na melhor das hipóteses, ser sócio majoritário com poder de decisão em projetos de terceiros. Caso contrário, você pagará para ter um patrão
O dinheiro foi minguando e tivemos que rever todo o modelo de negócio e reeducar meu mindset.
Utilizando o expertise adquirido nos tempos de publicitário, no entanto, conseguimos, aos poucos, ter uma boa interlocução com as marcas e instituições que apoiam ou patrocinam nossos projetos.
Fui aprendendo o novo ofício realizando websérie sobre educação financeira para o Bradesco, 24 episódios do Prof. Pasquale Explica, Receitas de Sucesso União, além de projetos educativos como a animação “Turma da Criança Ecológica” para a Secretaria do Meio Ambiente, adaptada para livro e peça de teatro.
Transportar nossos projetos audiovisuais para outras plataformas foi ficando natural no nosso modelo de negócios. A lista do que já produzimos e suas adaptações podem ser vistas no site da produtora.
Entre eles, menciono o documentário “Mulheres de Peito”, sobre câncer de mama para o laboratório Roche e veiculado nos canais Globosat, e dois documentários para a Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência em parceria com a TV Cultura.
Todo este aprendizado nos levou a ser convidado pela Apex para fazer a direção artística e integração de plataformas de mídia do Pavilhão Brasil na Expo Milão 2015, que tinha como temática “Feeding the planet, energy for life”
Na Expo, 145 países em espaços expositivos tratavam das questões da produção agrícola, do agronegócio ao slow food, passando da mais moderna tecnologia israelense ao “alimento social” do Vaticano. Todos levavam propostas para acabar com a fome no mundo.
Desenvolvemos a linguagem audiovisual para um vídeo wall com 56 metros, bancadas interativas e mesas de games, além de um corredor onde alinhamos 22 telas com sensores de imagem e som, iniciados com a presença do visitante.
O assunto da Expo me envolveu e acabei conhecendo Luciana Chinaglia, fundadora do Banco de Alimentos, que queria contar a história da ONG, prestes a fazer 20 anos naquela época.
Essa conversa evoluiu para um documentário intitulado “Cultura do Desperdício – por uma sociedade mais consciente”, que estreou na Virada Sustentável de 2017 e foi licenciado pelos canais Globosat. Fomos convidados a exibir o documentário seguido por mesa de debates nas mais diversas instituições, centros culturais e escolas.
A partir daí, a “tal da sustentabilidade” passou a ser foco da nossa produtora.
Acredito que o ativismo em favor de qualquer causa nasce da indignação com uma realidade que poderia ser diferente e o contato com essas questões está nos transformando pouco a pouco, todos os dias
Pensadores, ativistas, especialistas e técnicos da iniciativa privada e poder público passaram a fazer parte de nossas rodas de conversa e a nos inspirar para que, através do nosso trabalho, colocássemos luz naquilo que importa.
Na sequência, produzimos “A água que falta” (2019) sobre as questões hídricas e “Campo e Sustentabilidade” (2020), que buscava responder como alimentar 9 bilhões de pessoas de maneira sustentável.
Em 2020, passamos a ser signatários da Rede Brasil do Pacto Global, com objetivo de estarmos mais informados e engajados nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 e temos contado com apoio da The Nature Conservacy (a maior organização de conservação ambiental do mundo) em boa parte da nossas produções.
Este processo todo vem nos transformando não só enquanto profissionais, mas como pessoas. Faz mais de dois anos que abrimos mão de ter carro.
São muitos os recursos — do metrô ao Uber — e eventualmente, alugamos veículos para viajar. Também assumimos a caminhada como uma forma prática de conhecer a cidade.
Passamos a reciclar o lixo, evitar sacolas plásticas e embalagens desnecessárias, comer menos carne e — todos os dias — nos desafiamos a dar mais um passo nessa direção.
Estamos adequando a produtora para nos tornar lixo zero, carbono neutro e fazendo força para nossa horta produzir.
Desenvolvendo uma nova vida profissional acabei encontrando um propósito.
Ao pesquisar os arquivos da nossa produtora me deparei com muitas horas de entrevistas gravadas que ficaram fora da edição final de nossos documentários.
Já com essa mentalidade sustentável, me surgiu um sentimento de que estávamos desperdiçando pensamentos, palavras e imagens de pessoas incríveis que haviam se disposto a compartilhar conosco suas visões de mundo
Fizemos uma primeira tentativa de montar um portal para abrigar esse conteúdo e tivemos uma enorme dificuldade em encontrar parceiros que compartilhassem dessa visão.
Foram meses de consultorias, conversas e protótipos até desenharmos o portal É Conosco, que nasceu como um hub de informação e interação com as questões da sustentabilidade.
Estamos ressignificando alguns depoimentos, contextualizando-os dentro dos temas responsabilidade social, consumo consciente, meio ambiente, cidades sustentáveis e engajamento e criando novos projetos e parcerias.
A ideia é que a plataforma se utilize dos serviços da produtora e abra espaço para ativistas, dando voz a iniciativas que contribuam para maior sustentabilidade das atividades humanas no planeta.
Aprendi que a economia circular, por meio de novos modelos de negócios e otimização nos processos, prioriza insumos mais duráveis, recicláveis e renováveis — e essa regra vale para todas as áreas da nossa vida.
Tudo o que produzimos pode ser colocado na ótica da economia circular. Dentro dessa visão, estabelecemos parceria com o Instituto Europeo de Design para adaptar o documentário já citado “Cultura do Desperdício” para o formato de obra literária, com organização do Marcelo Candido de Melo, responsável pelo roteiro do doc.
O trabalho carrega conceitos da cultura da convergência e nele usamos diferentes plataformas de mídia para alcançar mais pessoas. Com QR Codes, por exemplo, permitimos que, ao longo da leitura, as pessoas acessem vídeos com outros pontos das conversas com os entrevistados e todo o material digital fica abrigado numa landpage que dá acesso ao making of da produção e à versão áudio book da obra.
Intitulado “O que é a Cultura do Desperdício – Se não interromper é a gente que acaba”, o projeto atrasou quase dois anos por conta de perrengues burocráticos da Lei Rouanet e acaba de ser lançado em evento seguido de debate na sede do IED em São Paulo.
Sua tiragem de 1 000 exemplares está sendo distribuída gratuitamente para escolas, bibliotecas e instituições que se relacionam com o tema e faremos uma experiência de comercialização na Amazon.
Considerando o tempo de maturação de cada iniciativa, a sustentabilidade da produtora acontece na medida em que desenvolvemos simultaneamente diversos projetos em diferentes estágios de produção, como um malabarista que gira diversos pratos no picadeiro.
Agora estamos finalizando o documentário “Campo e Sustentabilidade 2 – O amanhã é hoje”, com foco em tecnologias que permitem um agronegócio mais sustentável, com menos desmatamento, agroquímicos e desperdício de água.
A pré-estreia, com exibição seguida de debate em São Paulo, está programada para 31 julho na Unibes Cultural e também teremos a estreia no Belas Artes Petra, em agosto (a data ainda será definida).
Além disso estamos produzindo uma série em animação para o Instituto Água Sustentável e captando patrocínio para o documentário “Consumo Insustentável – Para onde vai seu lixo eletroeletrônico?”, que tratará de economia circular.
Gosto muito da definição que o “Lifehackers” dá sobre as pessoas que participam deste projeto editorial nos chamando de “hackers que inovaram radicalmente em suas trajetórias pessoais”.
Eu inovei a minha a partir da sustentabilidade e te convido a conhecer esse caminho!
Sérgio Lopes é produtor audiovisual, fundador da Conteúdos Diversos Produções, estrategista transmídia e ativista.
A falência do pai marcou a infância e mudou a vida de Edu Paraske. Ele conta os perrengues que superou até decolar na carreira – e por que largou a estabilidade corporativa para empreender uma consultoria e uma startup de educação.
Na faculdade, Marcos Valeta fez grandes amigos, mas depois cada um foi viver num canto do planeta. O publicitário conta como o vínculo resistiu ao tempo e à distância – até que a decisão de fundar sua própria empresa reuniu o grupo novamente.
Câncer era um tema cercado de tabus quando a médica radiologista Vivian Milani se iniciou na profissão. Ela fala sobre sua trajetória e o projeto itinerante Mulheres de Peito, que só neste ano já realizou mais de 15 mil mamografias gratuitas.