Sempre tive um traço marcante quando eu era criança e que fazia os meus pais me chamarem de “louquinha”: eu fazia o que acreditava que precisava fazer, seguindo minha intuição.
Acredito que esse traço seja o responsável pelo baixíssimo índice de arrependimento sobre cada passo que dei ao longo da vida.
Nasci em 1980, filha de baby boomers. Vi meus pais trabalhando das 7h às 22h, sem férias, tentando garantir para mim e meu irmão a melhor educação possível. Ela, professora da rede pública; ele, cartorário. As preocupações com bem-estar e equilíbrio não existiam — a realidade era trabalhar.
Estudei numa escola particular até a crise pós-Plano Collor, em 1990. Depois, precisei ir para uma escola pública: pichada, banheiros sem porta, colegas de 12 anos grávidas, traficantes rondando na porta.
Fiquei em pânico, percebi que vinha de uma redoma — mas descobri que foi a melhor coisa que poderia ter acontecido
Ter estudado por oito anos na rede pública fez com que eu carregasse dois aprendizados ao longo da minha vida:
1. Cada pessoa tem sua história, suas referências, sua realidade… e, por isso, não podemos agir igual com todos;
2. Ninguém acorda querendo dar o pior de si. Todos querem dar o seu melhor — só que o ambiente afeta profundamente nosso comportamento.
Essas reflexões me levaram à Psicologia — para desespero dos meus pais, que temiam meu fracasso financeiro. Acabei entrando no mundo corporativo em Recursos Humanos e, como executiva, passei a ganhar mais do que eles acreditavam que era possível.
Sigo o coração, mas mantenho os pés no chão. Sou otimista na medida certa, consciente dos perrengues e possibilidades
Recentemente, li uma frase de um autor desconhecido que me definiu bem: “Na tempestade, o pessimista reclama do vento, o otimista espera passar e o autorresponsável ajusta as velas”.
Acho que sempre ajustei as velas. Não significa que não sofra ou não questione minhas escolhas, mas uso essas dúvidas para me reorganizar e seguir em frente.
Minha carreira de mais de 20 anos se dividiu basicamente em três organizações.
A primeira foi uma consultoria com cultura transparente e colaborativa, onde aprendi muito sobre resultados e reconhecimento. A segunda, uma multinacional de comunicação em que trabalhei por 10 anos, chegando a diretora de RH.
Era um ambiente criativo, cheio de altos e baixos, líderes difíceis, contextos muitas vezes tóxicos — mas essa vivência me fez crescer
Construí uma cultura de RH estratégico que influenciava o negócio, e aprendi que sem insucesso não há evolução. Erros e feedbacks duros moldaram meus aprendizados e me tornaram resiliente.
A minha maior realização coincide justamente com o momento de mudança para a terceira fase da minha carreira. Quando chegou a pandemia, em março de 2020, tivemos que mandar todo mundo pra casa às pressas.
Tudo virou do avesso. Pessoas afastadas por depressão e ansiedade, falta de rotina, pressão familiar e insegurança geral. E embora oferecêssemos vários benefícios de saúde e bem-estar, poucos colaboradores aderiam.
Percebi que saber o que fazer não basta: é preciso mudar comportamentos e adotar práticas sustentáveis
Para vocês terem uma ideia, pesquisas dentro da área da ciência comportamental mostram que, em média, um comportamento demora cerca de 66 dias para se tornar um hábito – isso, se exercitarmos esse comportamento diariamente, na prática.
Além disso, cerca de 42% das pessoas desistem de construir um novo hábito logo no primeiro mês… Ou seja: é difícil começar, mas é muito mais difícil manter.
Entendi então que eu precisava fazer com a equipe o mesmo trabalho que tinha feito comigo mesma sete anos antes…
Lá atrás, no começo de 2013, eu era aquela workaholic que chegava às 7h e saía às 22h, alimentando-me mal e praticamente sem vida social nem atividade física. O foco era 100% no trabalho e na carreira.
Até que, numa quinta-feira, dia 24 de janeiro, sofri um ataque de pânico no escritório.
Sozinha, tarde da noite, entendi que meus hábitos iriam me levar a um adoecimento sério no futuro. Decidi mudar completamente
Comecei a estudar hábitos e rotinas, fiz pequenas adaptações diárias e fui evoluindo. Passei a frequentar academia, depois corrida, e hoje sou triatleta.
Ajustei minha alimentação (sem abrir mão de um doce eventual), desativei todas as notificações de celular, voltei a ler, aceitei mais convites para eventos e revi meus valores, descobrindo tempo para voluntariado. Entendi que não existe “falta de tempo”, mas sim prioridades e gestão.
Minha vida pessoal e profissional mudaram completamente. Várias pessoas ao meu redor foram influenciadas por essa transformação, o que me deu uma clareza do quanto podemos impactar os outros.
Surgiu, então, a semente da Huna, que tomava forma durante a pandemia, quando decidi criar um programa para construir hábitos saudáveis no time
Ao lançar esse programa, um terço dos colaboradores se inscreveu. Tínhamos gente voltando de afastamento, familiares participando junto, e o projeto foi reconhecido globalmente na nossa multinacional.
Brinco que era o meu primeiro MVP. Entendi que eu queria levar esse impacto para ainda mais pessoas — e foi o que fiz.
Conversei com meu marido, coloquei no papel possíveis riscos, saí da empresa e, em janeiro de 2022, iniciei o planejamento da minha jornada empreendedora.
Tive crises de dúvida, quase voltei para o mundo corporativo, mas sentia que precisava ainda persistir. Após pesquisar tecnologias e validar ideias, fui selecionada para uma aceleração no InovAtiva, o que me ajudou a montar um segundo MVP.
Em janeiro de 2023, validei o MVP para o público B2C, divulgando como uma “jornada” de hábitos pelo Instagram da Huna. Surpreendentemente, conseguimos usuários pagantes desde a primeira turma.
Foi emocionante ver pessoas comprando minha ideia e confirmando que havia valor nesse projeto
Melhor ainda foi quando participantes levaram a iniciativa para suas empresas, permitindo que eu iniciasse pilotos B2B2C. Entendi, então, que não daria para operar sozinha. Construí um time, investimos em nossa própria tecnologia e participamos de vários programas de aceleração e incubação.
A Huna se expandiu e, em um ano atuando no modelo B2B, já tivemos mais de 6 empresas impactadas, mais de 10 mil check-ins na plataforma, 82% de retenção em 100 dias de uso diário, e usuários reportando melhora em bem-estar, produtividade e autoconfiança — benefícios que se refletem em suas equipes e resultados. Impactamos pessoas com ansiedade, depressão, líderes esgotados, mães sobrecarregadas, aposentados sem perspectiva.
Recentemente, num programa sobre bastidores de startups, perguntaram por que continuo empreendendo em um país tão desafiador como o Brasil. Emocionada, respondi: é pela transformação que vejo na vida das pessoas
Percebo que hábitos positivos se propagam, influenciando colegas, família e amigos. Quando alguém muda, cria um efeito dominó.
É isso que me motiva. Apoiar indivíduos, empresas e, quem sabe, o mundo inteiro, a terem melhores comportamentos, gerando impacto positivo. É esse pensamento que me faz levantar diariamente para pôr em prática o que acredito que precisa ser feito.
Renata Garrido, 44, atua na área de desenvolvimento humano em organizações nacionais e multinacionais desde 2004. Psicóloga de formação e especialista em Behavior Design, é investidora-anjo, conselheira, mentora e advisor em startups e no terceiro setor, além de fundadora da Huna Habits, que junta as ciências comportamentais e a tecnologia de aprendizagem conversacional para apoiar as pessoas na construção de hábitos saudáveis e mudanças de comportamento.
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