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Perguntas nada convencionais para as 6 brasileiras vencedoras do Programa 25 Mulheres na Ciência da América Latina

Cláudia de Castro Lima - 24 mar 2022
A cientista Rosangela Silqueira Hickson Rios, em ilustração para e-book feito pela 3M (Ilustrações desta reportagem: Eliane Mancera, Carolina Martínez, Emilia Schettino)
Cláudia de Castro Lima - 24 mar 2022
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Rosangela queria ser um cachorro. Gabriela vive “dando um Google” em seu nome. Caso tivesse outra profissão, Thamy seria pintora de aquarela.

Se precisasse salvar apenas dois objetos seus, um dos que Renata levaria consigo seria o ultrafreezer. Andreza criaria um algoritmo para eleger seus amigos verdadeiros. E Esther queria poder viajar no tempo.

Hein? Do que exatamente estamos falando aqui? Vamos antes apresentar propriamente essas seis mulheres acima.

Rosangela Silqueira Hickson Rios desenvolve novos fármacos para o tratamento da esquistossomose. Gabriela Venturini da Silva identifica marcadores de doença isquêmica.

Thamy Lívia Ribeiro Corrêa descobriu novas enzimas que promovem reciclagem de plásticos sem afetar sua qualidade. Renata Bannitz Fernandes criou um biofármaco inovador para tratamento de leucemia infantil.

Andreza Martins validou um método mais barato para a detecção do vírus que provoca a Covid-19. Esther Pereira pesquisa biomateriais para aplicações biomédicas.

Todas elas são cientistas brilhantes que foram vencedoras da segunda edição do Programa 25 Mulheres na Ciência da América Latina, promovido pela 3M.

O objetivo é reduzir a diferença de gênero, aumentar o acesso às disciplinas STEM (relacionadas à Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) e assegurar mais diversidade nessas áreas.

Mas que história é aquela de uma delas querer ser cachorro e outra ter vontade de viajar no tempo?

Explicamos: para apresentá-las de uma forma diferente, resolvemos fazer às seis algumas perguntas que nunca ninguém havia feito antes. As respostas são tão surpreendentes quanto reveladoras. Conheça-as melhor (e baixe aqui o e-book que a 3M preparou sobre elas, fonte original das ilustrações desta reportagem):

ROSANGELA SILQUEIRA HICKSON RIOS

Filha de uma médica e professora, Rosangela teve desde cedo despertada em si a vontade de trabalhar com ciência. Voltar seus estudos para a saúde também foi, em grande medida, uma ideia relacionada à mãe. Com câncer no pulmão e um prognóstico de apenas seis meses de vida, a médica vivia com a possibilidade da morte muito de perto.

Felizmente, ela viveu mais 20 anos, mas essa incerteza fez com que a filha quisesse melhorar a vida de pessoas com doenças graves. Formada em Engenharia Mecânica, com mestrado em Ciências Técnicas Nucleares e em Ciências da Computação e doutorado em Clínica Médica, Biomedicina e Bioinformática, hoje ela usa a inteligência artificial para executar simulações que substituem experimentos laboratoriais caros e demorados para o tratamento da esquistossomose.

Rosangela já descobriu 16 novos medicamentos potenciais contra essa doença tropical causada por parasitas transmitidos por caramujos que infecta mais de 200 milhões de pessoas todos os anos e mata 280 mil.

Se você fosse um animal, qual seria?
Gostaria de ser um cachorro. Eles são fiéis, afetivos, não discriminam, não julgam, não te abandonam. São fiéis toda vida. Eu tenho cinco cachorros. Quatro já estão velhinhos e uma foi resgatada pela minha filha. Meu marido os chama de minhas sombras. Onde eu vou eles estão juntos.

A brincadeira é deixar a modéstia totalmente de lado: o que você faz para tornar o Brasil um lugar melhor?
O que eu tento fazer para tornar o Brasil um lugar melhor é trabalhar para ajudar as pessoas que são carentes e desiguais. As que não têm acesso à educação, saúde, moradia. As pessoas invisíveis para um sistema que privilegia a desigualdade social. Infelizmente a pandemia escancarou ainda mais essa desigualdade.

GABRIELA VENTURINI

Nascida no pé da Serra da Canastra, em Minas Gerais, Gabriela teve uma infância de muito contato com a natureza. Os pais a levavam para expedições explicando sobre as espécies que encontravam e o equilíbrio entre elas. Para Gabriela, tudo passou a ser pesquisa. Nem a cozinha escapava da curiosidade: por que, ao acrescentar levedura à massa de pão, ela crescia?

Gabriela fez Biologia, mestrado e doutorado, além de pós-doutorado pela Escola de Medicina de Harvard, nos Estados Unidos. Seus esforços de pesquisa se concentraram nas doenças cardiovasculares. Várias delas, como infarto e acidente vascular cerebral, são precedidas por pequenas lesões, as isquemias. E o projeto desta cientista é identificar moléculas capazes de diagnosticar essas isquemias – e, assim, prevenir doenças no coração.

Qual a coisa mais bizarra que perguntaram a você em relação ao seu trabalho e o que você respondeu?
Tem uma pergunta que me fazem com muita frequência: você trabalha ou só faz pesquisa? Já cheguei a discutir de fato, falar da importância da pesquisa, mas hoje eu falo: só faço pesquisa mesmo, não faço mais nada, não [risos]. A segunda mais bizarra foi quando comecei a trazer novas propostas pro laboratório em que eu trabalhava.

Consegui levar verbas, montar uma linha nova que começou a dar certo, fui conseguindo colaboradores e dinheiro.

Isso com muito trabalho, network, escrevendo, lendo e analisando dado dia e noite. Quando viram que eu consegui comprar vários equipamentos e tinha uma equipe, me perguntaram se eu tinha um caso com o meu chefe. Na visão machista que temos, se uma mulher jovem consegue construir várias coisas só pode ter um homem por trás tendo algum lucro sexual. Fiquei muito chocada. A pessoa disse que tanta gente trabalhava lá fazia tanto tempo e nunca ninguém tinha conseguido. Então dei uma bela resposta: “É porque ninguém sentou para escrever um projeto, se dedicou a isso, passou fim de semana até tarde resolvendo problema”.

Você já se deu um Google? Por quê? Algo a surpreendeu?
Já dei vários Googles em mim mesma. Queria saber o que o mundo sabe sobre mim. E isso foi mudando ao longo do tempo. No começo era minha lista de aprovada no vestibular. Depois foram vindo meus papers, minhas publicações e aprovações de projetos, as verbas que consegui levantar. O que eu descobri é que pro Google sou só uma pesquisadora, não sou mais nada.

Mas fico feliz, porque acho que isso é uma das principais coisas que o mundo devia saber sobre mim mesmo.

Descobri ainda que existem várias Gabrielas Venturinis pesquisadoras, que eu não conheço – o que é bem legal. E, pela primeira vez, este ano vi uma foto minha associada com meu nome no Google. Meu Google está melhorando.

THAMY LÍVIA RIBEIRO CORRÊA

Decidida, depois de aprender sobre as técnicas de clonagem em uma aula de biologia quando era adolescente, Thamy resolveu que seria cientista. Formou-se em Ciências Biológicas, fez mestrado em Produção Vegetal, doutorado em Microbiologia Agrícola e pós-doutorado no Laboratório de Genômica.

Hoje bióloga do CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais), Thamy estuda uma família de enzimas com inédita capacidade de atuação em polímeros PET e outros plásticos, que abre caminhos para o reaproveitamento de plásticos – com a mesma qualidade de antes da reutilização.

Se você não tivesse que trabalhar para ganhar a vida, o que você faria – e por quê?
Estaria cada semana em um lugar diferente em busca de ver gente nova e paisagens novas para pintar em aquarela.

Se sua vida fosse um filme, qual seria o título dele? Me explica sua escolha?
“O lado bom do desconforto”. Não consigo me manter na superficialidade de nada que faço. Trazendo isso um pouco para a ciência, se tenho uma ideia, pode apostar que vou trabalhar e ler exaustivamente até que eu consiga comprovar ou refutar uma hipótese. Costumo dizer que às vezes tenho a sensação que “esgoto todo o sumo” do meu cérebro para descobrir algo.

ESTHER MACHADO PEREIRA

Aos 16, disposta a entender os mecanismos para alívio e tratamento da dor, esta menina oriunda da periferia e do ensino público foi aceita na primeira turma do programa de licenciatura em Radiologia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Antes dos 30, fez mestrado e doutorado em Ciências e Técnicas Nucleares. Sua ideia é contribuir para a saúde das pessoas – especialmente as que estão em situação de vulnerabilidade social.

Como cientista, ela atualmente trabalha com biomateriais mais eficientes e mais baratos para oferecer mais acesso à população, já que boa parte dos dispositivos que existem estão restritos a uma minoria. Em sua pesquisa, ela desenvolveu um biomaterial para implantes visível em técnicas de raio x e ressonância.

Se você fosse um medicamento, qual seria sua composição, sua indicação e sua contraindicação?
Se eu fosse um medicamento seria composto apenas por ingredientes naturais extraídos do cerrado. Ele seria indicado para curar os portadores da doença de Alzheimer, restaurando suas memórias e devolvendo sua independência e dignidade. Teria como contraindicação o uso em cardiopatas não tratados, em função das fortes emoções que poderiam surgir.

Qual o superpoder que você como cientista gostaria de ter? Por quê?
Eu gostaria de poder viajar no tempo, porque poderia aprender com grandes cientistas que já se foram e com aqueles que ainda estão por vir – e, assim, conseguiria trazer grandes contribuições para o tempo presente.

RENATA BANNITZ FERNANDES

Profundamente preocupada com problemas ambientais e nosso impacto no mundo desde bem pequena, Renata queria se dedicar a uma profissão que envolvesse compreensão dos fenômenos naturais. Assim, optou pela Biologia – e começou a fazer pesquisas em um laboratório de Genética e Biologia Molecular e Estrutural.

Foi lá que percebeu sua enorme paixão pela pesquisa, mas que entendeu também como o conhecimento científico produzido na universidade ainda está muito afastado da indústria e da população. Justamente por isso, resolveu abrir uma startup de tecnologia, a Biobreyer, cujo principal projeto é o desenvolvimento de um medicamento inovador para o tratamento da leucemia infantil.

Qual foi a pesquisa mais estranha que você já quis fazer e por que não a realizou (ou a realizou)?
Quando engravidei da minha filha, comecei a pesquisar sobre as transformações que me chamavam mais a atenção durante a gestação. Até criei uma série de posts no perfil do Instagram de divulgação científica que tenho com mais três amigas. A série chamava “Quando uma cientista engravida”.

Enquanto eu pesquisava e montava os posts, fiquei muito interessada em estudar mais a fundo diversas questões.

Por exemplo: como funcionam os testes de gravidez, quantos litros de sangue a mais estava circulando no meu corpo, se os anticorpos gerados pelas vacinas contra Covid-19 passavam para o feto, quais são as possíveis causas do rompimento da bolsa, como ocorre a produção do leite materno, entre outras questões.

Se você tivesse que salvar apenas dois objetos de seu laboratório, quais seriam eles e por quê?
Humm… pergunta difícil essa! [risos] Mas acredito que o primeiro seria o ultrafreezer. Ele funciona numa temperatura de -80 graus C e é onde armazenamos todos os microorganismos com os quais trabalhamos. Temos microorganismos que produzem um biofármaco para o tratamento de leucemia infantil, outro que produz um ácido hialurônico vegano, outro que produz enzimas que vão nos testes de Covid-19 e outros tantos utilizados na agricultura para aumento de produtividade e diminuição de uso de substâncias químicas.

Ou seja, ele é nosso tesouro do final do arco-íris!

O outro equipamento seria o biorreator. Ele possui diversos controles como temperatura, pH e agitação, e é nele que crescemos os nossos supermicroorganismos e onde eles produzem todas as proteínas e substâncias com poderes biotecnológicos.

ANDREZA FRANCISCO MARTINS

Quando Andreza tinha 8 anos, seus pais perderam, por causa dos negócios da família, tudo o que tinham, inclusive a casa. Essa reviravolta fez com que a menina passasse a frequentar escola pública e a trabalhar desde os 14. Mas ela não perdeu a vontade de entender o mundo que carregava desde a infância, a despeito das dificuldades.

Graduada em Farmácia, fez mestrado em Ciências Farmacêuticas e doutorado em Ciências Médicas, sempre trabalhando para pagar seus estudos. Dedicada à pesquisa e professora adjunta da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), ela está desenvolvendo um método inovador para a detecção do vírus Sars-Cov-2, que causa a Covid-19. Nele, utiliza marcadores microbiológicos e proteicos para um diagnóstico rápido e mais barato.

Como você gostaria que a Wikipedia a descrevesse?
Andreza Francisco Martins é farmacêutica bioquímica e microbiologista. É professora na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e atua nos programas de Pós-Graduação em Microbiologia Agrícola e do Ambiente e de Ciências Farmacêuticas. Atua como professora e pesquisadora no Laboratório de Pesquisa em Resistência Bacteriana e no Núcleo de Bioinformática, ambos no Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

Em 2019 participou do Programa de Internacionalização da CAPES, atuando como Professora Visitante na Universidade de Washington.

Desde o início da pandemia em 2020, dedicou seu conhecimento na área de análise genômica para estudar as características do Sars-CoV-2 e desenvolver um método custo-efetivo para o diagnóstico da Covid-19. Com esse projeto, recebeu o prêmio da 3M 25 Mulheres na Ciência: América Latina, 2ª edição, no ano de 2022.

Nascimento: 20 de dezembro de 1976
Cidadania: Brasil, Porto Alegre, Rio Grande do Sul
Alma mater: Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Ocupação: Professora e Pesquisadora
Prêmios: Infectious Diseases Fellows Program, American Society of Microbiology (2017), 25 Mulheres na Ciência: América Latina 2a edição, 3M (2022)
Empregador: Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Cientistas costumam pensar com metodologia. Se você tivesse que usar um método para escolher seus amigos, como seria ele?
Eu desenvolveria um algoritmo matemático com pontuação diferenciada para cada um dos itens. Faria uma lista das características e valores que são mais importantes, daria um peso (uma nota) diferente para cada um deles e determinaria um valor de ponto de corte. Ao final das respostas, aqueles que atingissem o score mínimo determinado seriam considerados amigos.

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