Estamos em 2007. Uma época em que pouco, ou quase nada, se falava sobre ESG no Brasil. A Mercur, indústria sediada em Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul, conhecida por suas borrachas de apagar – aquelas que compõem os estojos das crianças em idade escolar – já iniciava uma gestão baseada em responsabilidade social, ética e sustentabilidade em todas as áreas.
O segredo do pioneirismo da empresa – que fabrica não apenas as simpáticas borrachas escolares como também outros derivados de borracha, além de produtos para a área de saúde –, como explica Eduardo Assmann, coordenador da área de impacto ambiental, foi envolver todos os setores desde o início do planejamento. “Claro que cada área tem o seu expertise, o seu foco, mas todas foram envolvidas no tema da sustentabilidade e da responsabilidade socioambiental”, conta.
Há vinte e dois anos trabalhando na Mercur, o executivo lembra que foi preciso romper com alguns padrões para implementar as ações de ESG na empresa, que hoje mais de 600 funcionários e um faturamento que, no ano passado, chegou a aproximadamente R$ 130 milhões.
“O que é sustentabilidade e ESG na nossa visão? É uma ruptura. É romper padrões. E a pergunta que fica é: do que você está disposto a abrir mão? Porque, se eu tenho que descarbonizar, eu tenho que fazer algo diferente. Ou trabalhar mais, ou instalar uma usina de energia renovável, ou então fazer um investimento diferente. Ou seja, eu tenho que colocar a cabeça para funcionar”.
COMO ALIAR RESPONSABILIDADE E LUCRO
Eduardo Assmann conta que a busca por soluções inovadoras não deve parar na questão ambiental. A empresa criou, por exemplo, um Laboratório de Inovação Social onde são feitos produtos customizados na área de saúde para pessoas com necessidades especiais ou mobilidade reduzida. “Elas nos ajudam, a partir das suas próprias necessidades, a desenvolver novos produtos e a pensar em soluções para todas as pessoas”.
Entretanto, esta não é uma produção em escala, o que acaba, por vezes, impactando o financeiro da empresa. O que fazer, então?
“Algumas vezes a Mercur já precisou deixar parte do seu lucro em prol de decisões coerentes com suas estratégias. No passado, a preocupação era produzir em escala e vender volume. Hoje, o foco é vender soluções sustentáveis de valor agregado maior. Mas este valor agregado custa mais caro e vende em escala menor. Então, como equilibrar isso em uma indústria que tem concorrentes de grande porte? Como equilibrar o financeiro, o social, e o ambiental? Esse é o nosso desafio constante e, por vezes, bastante complexo”.
DECISÕES POLÊMICAS
Outra decisão que pode ser vista como polêmica para o faturamento da empresa foi a de reduzir ou cortar certas linhas de produtos. Para frear o excesso de consumo das crianças, uma das linhas que deixou de ser produzida, por exemplo, foi a dos licenciados, ou seja, produtos que traziam personagens que precisam de licença para ilustrarem os materiais.
“As crianças queriam uma borracha de cada personagem, elas queriam colecionar. E isso, muitas vezes, onera as famílias, porque os produtos licenciados custam mais caro e acabam não sendo educativos como poderiam”, relata o executivo.
“É preciso ser coerente em discursos e ações quando se trata de sustentabilidade e responsabilidade social”.
Em vez de personagens e estímulo a consumo, a Mercur decidiu investir na Coleção Biomas, na qual as borrachas de apagar trazem estampados os biomas que existem no Brasil e os animais de cada um deles. “É uma das formas que encontramos para favorecer a educação ambiental”, explica.
A ideia, segundo o executivo, é nunca usar menores de idade em nenhuma estratégia de vendas ou com o objetivo de vender mais. “A gente sabe que uma criança não tem discernimento, e não sabe as coisas que um adulto sabe. Nossa venda precisa ter um cuidado especial para não enganar a criança e fazer com que ela deseje comprar algo que não é para ela. O foco é o pai e a mãe saberem o que a criança está querendo”.
Ainda na linha de questionar o lucro a qualquer preço, Assmann lembra que os mercados com restrições são definidos estrategicamente. “A gente não faz negócio com empresas de tabaco, bebidas alcoólicas, maus tratos a animais, jogos de azar, agrotóxicos. É um posicionamento bem marcante porque não é coerente com os nossos compromissos institucionais e de valorização de todas as formas de vida”.
É PRECISO INQUIETAÇÃO CONSTANTE
Um ponto importante levantado por Assmann dentro da gestão dos negócios é sempre fugir da zona de conforto.
“Tudo o que produzimos tem que ser cada vez mais renovável. Se hoje nós temos um produto com 20% de material renovável, a meta é aumentar para 30%. E assim toda a nossa linha tem esse mesmo olhar. Claro que cada tipo de produto tem uma característica. Nossa busca constante é por produtos naturais, por soluções inovadoras”.
Um dos exemplos é a tradicional borracha de apagar produzida pela Mercur. Hoje ela traz fécula de mandioca em sua fabricação. A matéria-prima vegetal possibilita que a borracha tenha uma composição até 77% renovável. Outro exemplo é a bolsa térmica natural feita com caroço de açaí. A manta externa é feita com algodão orgânico e a interna com caroço de açaí, que retém calor, o que torna o produto ainda mais renovável.
APRENDIZAGEM, COMIDA ORGÂNICA E MENOS HORAS DE TRABALHO
Cuidar dos funcionários e trazê-los para um engajamento é uma das principais lições de ESG levadas a sério pela Mercur.
Dentro da empresa há o chamado “Espaço de Aprendizagem”, um local para capacitação no qual as pessoas podem se dedicar à temática socioambiental. “Precisamos fazer com que as pessoas entendam a importância e a necessidade da discussão sobre esses temas, para que depois possamos implantar as inovações necessárias”.
No refeitório da indústria, 70% da alimentação é orgânica e os fornecedores são produtores locais. A carga horária dos funcionários foi baixada para 36 horas semanais, ou seja, não há expediente nas tardes de sexta-feira. O terceiro turno foi encerrado, e houve uma redução do degrau entre o maior e o menor salário.
No mês de setembro de 2022, a Mercur dará início a mais uma ação interna de sustentabilidade. Entrará em operação a usina fotovoltáica da empresa, que vai produzir, com 2.700 placas, 50% da energia necessária para as operações da indústria. “Toda a nossa energia hoje vem de fonte renovável, do mercado livre. Agora nós mesmos vamos produzir metade da energia que precisamos para exercer as nossas atividades”, conta Assmann.
Referência em ESG, a Mercur recebe visitas de empresários e executivos de todo o país para mostrar seu funcionamento, suas ações em sustentabilidade e responsabilidade social, e como foram estudadas e implantadas as soluções hoje presentes na empresa.
“Nós vemos essas visitas, esse interesse de outros empresários, como uma maneira de difundir as práticas de sustentabilidade que fazem parte das nossas operações para que outras empresas também entendam a importância de mudar, de tentar fazer algo ainda melhor do que aquilo que já é feito”.
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