Piracicaba conectada: o que quer a AgTech, o primeiro coworking dedicado ao agro do país

Thadeu Melo - 6 dez 2017José Tomé e Adriana Lúcia apostam em novos formatos de empreendedorismo no primeiro coworking do país dedicado ao agronegócio (foto: Ju Penteado).
José Tomé e Adriana Lúcia apostam em novos formatos de empreendedorismo no primeiro coworking do país dedicado ao agronegócio (foto: Ju Penteado).
Thadeu Melo - 6 dez 2017
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A cidade de Piracicaba, no interior de São Paulo, tem fama de pioneira. Foi uma das primeiras do Brasil a ter água encanada, energia elétrica, iluminação pública e outras conquistas “modernas” no século passado. Mais recentemente, se destaca no enfrentamento de desafios como o tratamento de resíduos sólidos e a restauração ecológica. Ali nasceu, também, o primeiro coworking especializado em empresas de tecnologia voltadas para o setor agro, o AgTech Coworking.

“Piracicaba precisava ter um coworking”, diz Adriana Lúcia, 40, fundadora e diretora executiva do espaço, que existe desde meados de 2013. Estamos longe da capital, mas o depoimento dela sobre as vantagens desse tipo de opção para quem quer trabalhar sem uma infraestrutura fixa, reverbera em qualquer lugar em que existam mulheres às voltas com as demandas da vida profissional. Ela diz o que a fez abrir o espaço:

“O grande motivador do empreendedorismo feminino é a questão materna. Conseguir conciliar o lado profissional com o de mãe é o xis da questão”

Natural de Formiga (MG), engenheira agrícola e mestre em irrigação e drenagem pela Universidade Federal de Lavras (UFLA), Adriana se mudou em 2002 para Pira, como os íntimos costumam chamar a cidade. Seguindo com os estudos sobre irrigação, chegou para o doutorado na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiróz (Esalq-USP), instituição brasileira que é uma das cinco melhores em ciências agrárias, segundo um ranking global especializado.

Adriana conheceu seu marido (e sócio) José Tomé, 34, quando trabalharam juntos no Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), um centro de pesquisa em cana-de-açúcar entre os mais desenvolvidos do mundo. José é engenheiro químico, formado na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

ELES QUERIAM EMPREENDER E CUIDAR DA FAMÍLIA

Casados em 2011, começaram a pesquisar qual seria o melhor negócio que poderiam abrir para que tivessem o máximo de tempo disponível para Artur, 4, e Heitor, 2. “Chegamos a cogitar abrir uma cafeteria com móveis rústicos, mas, quando fomos ver, o negócio não era nem escalável nem inovador como gostaríamos”, diz Adriana. “Foi aí que conhecemos o conceito de coworking e nos encantamos”, completa José.

Com o foco definido, eles encontraram um casarão centenário no centro da cidade. Bem localizado, pé-direito alto, janelas amplas, piso original, o espaço foi construído para um cafeicultor, havia sido usado como escola de enfermagem e estava fechado há dois anos. Eles tinham 170 mil reais de investimento inicial no negócio, e fecharam. Adriana (grávida de seu primeiro filho, Artur) tocou a maior parte da reforma do local, que levou apenas 30 dias. José seguia trabalhando na área industrial do CTC, onde ficou até o segundo semestre de 2016, garantindo assim uma renda estável para a família.

Em Piracicaba, o AgTech Coworking abriga 30 empresas e comporta a frequência regular de mais de 50 pessoas.

Em Piracicaba, o AgTech Coworking abriga 30 empresas e comporta a frequência regular de mais de 50 pessoas.

“Pari o coworking e o Artur quase ao mesmo tempo”, brinca Adriana. Cerca de um mês depois do nascimento do filho, ela já começou a encarar o cotidiano do negócio que também tinha acabado de nascer. É nessa fase, quando o sonho se torna fato, que a realidade obriga muitas vezes o empreendedor a fazer mudanças no que havia planejado. Neste caso, até no nome do business: “Como a gente tinha muito network no negócio de cana, abrimos o coworking pensando nesses profissionais, mas percebemos que focar só no setor de cana não era suficiente”. O espaço chegou a se chamar CanaTec Coworking… Mas deu errado:

“As pessoas liam ‘CanaTec’ e pensavam que era alguma coisa de cana. Isso as bloqueava para conhecer o espaço. Acabamos mudando o nome”

Mas, se o nome não definiu o público do espaço, também não impediu a chegada dos primeiros clientes, do setor de florestas plantadas. Com cerca de três meses de operação, na época, a Atrium Forest foi uma das primeiras a se estabelecer no casarão da rua Tiradentes. A empresa de gestão florestal abriu mão do escritório próprio e mudou-se com seis pessoas para o novo endereço, onde segue sediada.

Na sequência, chegaram outras do ramo agro: a Adubai Consultoria Agronômica, uma parte da equipe de agroindústria da Totvs e a equipe da 4Tree, esta, uma startup que nasceu dentro do espaço. Mais recentemente, o coworking virou a sede paulista da startup catarinense JetBov, e base de uma equipe de tecnologia da Raízen, além de passar a abrigar consultores independentes que adotaram o espaço, configurando-o — finalmente — como o primeiro coworking do Brasil dedicado ao agronegócio. Detalhe interessante é que eles trabalham não somente com startups, mas também com empresas já mais consolidadas: é a forma de fazer o business girar e se pagar.

Hoje o espaço tem 30 clientes e mais de 50 pessoas com frequência regular. Os planos vão de 50 reais, a diária da estação de trabalho avulsa, a 770 reais, a mensalidade, com direito a 4 horas de uso da sala de reuniões, internet, telefone personalizado, água e café. Os modelos intermediários contemplam 10 horas por mês (125 reais), 30 horas por mês (245 reais) e 80 horas por mês (490 reais), com benefícios semelhantes, além de planos especiais para equipes de uma mesma empresa.

QUANDO SE TROCA O PLANO A PELO PLANO B, NOVAS IDEIAS SURGEM

Somente três anos depois da abertura do espaço, em 2016, é que o negócio atingiu o ponto de equilíbrio financeiro que permitiu a José se desligar do CTC e reassumisse, assim, sua veia empreendedora (em 2011, ele havia investido na criação de uma plataforma de solução de desafios do setor canavieiro, a Biorrefinaria Brasil, hibernada, com o surgimento do coworking).

Quando o plano B finalmente toma o espaço do plano A, muitas vezes, o momento é fértil para o surgimento de novas ideias. José tinha em mente estimular o ecossistema de inovação aberta e a vontade ressurgiu quando, além de passar a colaborar mais na rotina do coworking, ele criou a AgTech Garage. Estabelecida em sociedade com Marcelo Carvalho, da AgriPoint, a iniciativa é um hub de inovação que conecta startups e empresas do agronegócio.

Somente nesta fase é que Adriana e José decidiram lançar a nova marca do espaço colaborativo, rebatizado com o nome que carrega hoje: AgTech Coworking. São negócios irmãos.

Pela AgTech Garage, ele conduziu o primeiro censo de startups do agronegócio do Brasil, revelando, em dezembro de 2016, haver 75 startups de tecnologia voltada para o campo no país, sendo 37 do estado de São Paulo, 13 de Minas Gerais e sete do Paraná. Quase 20% das iniciativas identificadas estavam sediadas em Pira, fato que deu força ao movimento do Piracicaba AgTech Valley, desenhado por José e outras lideranças locais para consolidar a cidade como o “Vale do Silício” da agricultura. Hoje, a rede da AgTech Garage reúne mais de 140 startups de todo o Brasil.

O empreendedor, que é recifense e chegou a Piracicaba em 2008, conta que o casal teve que ter mais paciência que o previsto, para ver tudo isso acontecer: “A gente sempre acreditou, apesar da curva de crescimento demorar bem mais do que a gente imaginava. Foi um processo lento, mas sempre crescente, o que nos manteve motivados”. A motivação não estava errada, tanto que lhe rendeu o prêmio de Profissional do Ano no EmpreendeTec 2017, premiação da EsalqTec que prestigia os destaques em tecnologia, inovação, ciência e empreendedorismo da cidade.

ABRE A PORTEIRA QUE A INOVAÇÃO VAI PASSAR

É para atender uma demanda cada vez maior que os donos do AgTech Coworking se preparam para “multiplicar por sete” o tamanho do negócio. Fisicamente. Ele passarão de 200 para 1.500 metros quadrados, de 15 para 85 estações de trabalho, com 32 salas privativas e cinco salas de reuniões, com a previsão de efetivar os dois estagiários que já ajudam na rotina do casarão.

O futuro endereço, que deve ser inaugurado em abril de 2018, ocupará dois galpões históricos da antiga tecelagem Santa Francisca, criada pelo industrial pioneiro Luiz de Queiróz, no final do século XIX. O atual proprietário do imóvel “comprou” a ideia de Adriana e José e, juntos, eles elaboraram o projeto arquitetônico que está em fase de captação de investidores — o custo é de 2 milhões de reais, e o projeto visa revigorar uma região histórica da cidade.

“Queremos expandir rapidamente para os principais polos do agronegócio no Brasil”, diz Adriana. Ela está buscando parceiros para levar o modelo para cidades como Ribeirão Preto (SP), Uberlândia (MG), Londrina (PR) e Rio Verde (GO). A depender do esforço do casal, as fronteiras da nova economia seguirão se expandindo no interior do país.

DRAFT CARD

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  • Projeto: AgTech Coworking
  • O que faz: Espaço compartilhado de trabalho para startups agro
  • Sócio(s): Adriana Lúcia e José Tomé
  • Funcionários: 5 (incluindo os sócios)
  • Sede: Piracicaba (SP)
  • Início das atividades: 2013
  • Investimento inicial: R$ 170.000
  • Faturamento: R$ 280.000 (estimativa 2017)
  • Contato: info@agtech.network
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