por Barbara Mattivy
Eu sou uma pessoa bem pragmática, e, sempre que tenho que tomar uma decisão, tento avaliar todas as cartas na mesa para ter educação e consciência que fiz a melhor escolha que poderia. Claro, nem sempre fui assim. Mas, por sorte, minha mãe, que é mãe solteira e sempre lutou para que eu pudesse viver as experiências que ela não pôde, me colocou em uma posição de privilégio e me incentivou a partir para a tentativa e erro, a experimentar, até eu encontrar minhas verdades verdadeiras.
Algo sempre me incomodou no modus operandi brasileiro, mas nem sempre tive a maturidade ou a inteligência necessária para compreender exatamente o que era. Então, lá fui eu, atrás das respostas.
Morei nos Estados Unidos, achava que Nova York era a cidade dos meus sonhos e onde seria incondicionalmente feliz, pois tinha “tudo que eu precisava”. Até ter a oportunidade de morar lá, consegui uma vaga de trabalho e enfrentei todas as falsidades da indústria da moda, toda a velocidade desenfreada na forma de consumo, e toda a frieza de uma cidade onde poucos têm tempo para dar um bom dia ao vizinho. Fiquei desconcertada, mas não conseguia ainda decifrar os porquês.
Fui para Milão fazer uma pós, ainda insistindo na moda, mas dessa vez focando um pouco mais em comunicação. Presenciei muito preconceito, um machismo enraizado, uma cultura que me agregava em alguns quesitos, mas me prejudicava em outros.
Dali, parti para Londres. Consegui trabalho em uma rádio local, e fui construindo minha futura carreira dentro do marketing digital. Me sentia muito à vontade na cidade, pois via uma aceitação legítima ao “diferente” e uma vontade constante de inovar e evoluir. Acabei voltando para o Brasil, pois em Londres entendi que queria empreender, que era isso que funcionava para mim, e no meu país me sentia mais segura, pois já conhecia boa parte das leis, e tinha mais contatos. Isso foi em 2009.
E desde então, me tornei empreendedora. É estranho escrever isso, mas posso dizer que sou empreendedora há 10 anos. Tenho 33. E em 2009 é claro que não tinha todas as minhas questões internas resolvidas — ainda não tenho e nem nunca terei — mas continuei na tentativa e erro, tendo que lidar com a futilidade da moda e da publicidade, e aprendendo o que eu queria e não queria pra minha vida. Mas uma certeza eu já tinha: quero ter meu negócio.
Empreendendo no Brasil aprendi, acima de tudo, a equilibrar minha impulsividade e amadurecer minha ingenuidade
Essas duas palavrinhas me fizeram quebrar a cara algumas vezes, e me trouxeram muito sofrimento. Já resolvi virar sócia de gente que não tinha sinergia nenhuma comigo, ou não se alinhava nem minimamente com meus valores. Já quase fali minha empresa, porque alguém “mais experiente” me disse que eu tinha que ter uma fábrica própria, pois só assim o negócio conseguiria crescer. Já escutei que sou jovem demais e estou brincando de fazer empresa, e só um homem hétero branco com o dobro da minha idade poderia resolver “meus problemas”. Que minha sócia não poderia engravidar porque isso prejudicaria o crescimento da empresa.
Aprendi que vivemos em uma sociedade muito individualista, que não pensa no coletivo e por isso não entende porque existe uma gigantesca desigualdade social, desumana e cruel.
E, graças à muita terapia, e ao fato de eu me colocar nas mesmas situações repetidas vezes, comecei a captar facilmente as armadilhas. E essas situações, às vezes horríveis, me deixaram muito mais forte, determinada e decidida. Tem um poema da Ryane Leão que eu amo muito, e que sempre me conforta nessas horas. Ele diz:
as mudanças mais bonitas
não vêm com calma e sossego
são uma ventania incontrolável
jogando tudo pra cima
nada cai no mesmo lugar
nem as coisas
nem o coração
nem você
o tempo fechado nos abre
Então, depois de 10 anos de Brasil, levando tapas na cara, mas também colhendo frutos de um crescimento anual de 30%, decidi me aventurar de novo, voltando para o Canadá, país onde morei por um ano em 2014, e o que mais admirei na minha trajetória.
Chegou a hora novamente, e entendi que é lá que vou buscar um pouco mais de fé na humanidade.
Sabe? Eu acredito que política é tudo, está em tudo e tem o poder de consertar muito dos problemas que já temos enraizados há anos no Brasil. Mas…
Não consigo empatizar com as escolhas políticas atuais da grande maioria dos brasileiros, e me atormenta pensar no caminho que escolhemos trilhar
Nenhum desses ideais vão de encontro ao que prego para o meu negócio e para a minha vida.
Também preferi viver em uma cultura que valoriza um pouco mais a qualidade de vida. Que trabalha para viver, e não vive para trabalhar. Que incentiva ambientes de trabalho mais produtivos, onde se resolve tudo de forma mais objetiva, onde as reuniões começam e terminam no horário previsto, onde chegar atrasado é considerado falta de consideração com o próximo, onde as relações de trabalho são verdadeiramente profissionais, e às 17h todo mundo consegue ir para casa e ainda ter bastante tempo do dia para ter vida pessoal.
Decidi ir embora, talvez para nunca mais voltar
Todas essas experiências me trouxeram os aprendizados e a consciência para poder listar claramente meus inegociáveis, e o que eu busco pra minha vida. Voltar a morar no Canadá é um deles.
Tenho amigos que me brincam: se você conseguiu empreender no Brasil, você consegue fazer o que quiser da vida.
E, mesmo indo embora, não vou com a intenção de abandonar meu país de origem. Vou expandir minha marca internacionalmente. Continuo empreendendo e investindo aqui, lutando pelo que eu acredito, tentando causar alguma microrrevolução, fomentando a indústria local.
Vou sentir falta dos abraços calorosos do escritório, do jeitinho sempre otimista de lidar com os problemas, dos dias ensolarados, do jogo de cintura, da família, dos amigos que viraram família, do caos charmoso que é São Paulo.
Se vai dar certo? Não sei. Mas tenho a consciência que busquei o máximo de vivência e informação pra tomar a melhor decisão que eu, Barbara, poderia tomar. Dessa vez, com menos impulsividade e ingenuidade, e num ambiente um pouquinho mais controlado.
Barbara Mattivy, 33, é fundadora da Insecta Shoes, marca de sapatos ecológicos e veganos que transforma peças de roupa vintage e garrafas PET em sapatos — e realiza um bazar este sábado, 2 de fevereiro. Formada em Marketing
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