Segundo a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), menos de 30% dos pesquisadores do mundo são mulheres. No Brasil, claro, a equidade também é um desafio.
Apesar de constituir 43,7% dos pesquisadores científicos no país (de acordo com o CNPq), as mulheres ocupam apenas três em cada dez ocupações em ciência, tecnologia, engenharia e matemática.
Muitas empresas promovem programas e processos com foco em recrutar cada vez mais mulheres para cargos científicos. Porém, os resultados com frequência demoram, e são poucas companhias com representatividade feminina real em cargos de liderança, principalmente em áreas científicas.
Nesse sentido, a P&G parece ser uma exceção. Dona de 65 marcas à venda em 180 países, a gigante de bens de consumo atualmente tem 58% do corpo de cientistas do LAIC (Latin America Innovation Center) formado por mulheres.
Inaugurado em 2019, o LAIC fica no complexo da P&G em Louveira, a cerca de 70km da capital paulista. Ali, marcas como Pantene, Downy, Gillette, Always, Pampers e Oral-B ganham inovações em maior ou menor escala graças às pesquisas (muitas com consumidores in loco) de um time de 178 cientistas, que diariamente põem à prova produtos que estão na lista de compras do mês de nove em cada dez lares brasileiros.
Ou seja, é muito provável que os produtos que você e eu usamos no nosso dia a dia tenham sido desenvolvidos por cientistas mulheres – mais especificamente mulheres latinas.
O que levou a P&G a alcançar uma maioria feminina no seu laboratório de inovação?
Segundo Cinthia Oliveira Simas, gerente de comunicação sênior, um dos desafios do time é trazer olhares diferentes de especialidades diferentes:
“Não é intencional ter mais mulheres, sempre buscamos o equilíbrio na verdade. O principal é refletir o que vemos na sociedade na companhia”
Essa tentativa de representar na equipe o que se vê no mundo fora dos laboratórios é parte do que a P&G entende por diversidade. E quando se trata de atender o Brasil e toda a América Latina, que é a intenção do LAIC, considerar a diversidade de consumidores é essencial.
“Por toda a nossa miscigenação [de cores, cabelos, texturas], é muito estratégico termos esse centro de inovação aqui”, diz Pamela Passarella, assessora de imprensa. “Além disso, o Brasil é o terceiro mercado potencial das categorias.”
A P&G foi fundada em 1837 pelo britânico William Procter e pelo irlandês americano James Gamble. E essa história de mais de 185 anos também foi marcada por um pioneirismo em termos de equidade de gênero.
Em 1884 a empresa foi uma das primeiras a empregar mulheres na linha de produção das fábricas, e seis anos depois, o primeiro laboratório de pesquisa da P&G recebeu a primeira mulher em um cargo técnico.
Cientistas célebres também fazem parte da linha do tempo da P&G, como Elsa Schulze, primeira PhD a integrar a companhia – que provocou uma reação em cadeia ao contratar outras 37 cientistas mulheres em 1926.
Além de Norma Becker, que liderou o trabalho de desenvolvimento da primeira fralda descartável acessível que chegou ao mercado em 1961.
Esses marcos históricos foram destacados durante a visita do Draft ao LAIC, promovida a convite da companhia para apresentar as cientistas por trás do centro de inovação.
Lá, a reportagem ouviu seis dessas cientistas a respeito de detalhes sobre o desenvolvimento de produtos, e pôde ver de perto a configuração do laboratório, que recebe consumidores de verdade para analisar a performance de fraldas, absorventes, lâminas e outros produtos das linhas cuidado oral, cabelo, roupas, cuidados íntimos e bebê.
No LAIC, consumidores reais são convidados a fazer a barba, tomar banho, lavar a roupa, ou trocar a fralda do bebê.
Além disso, existem equipamentos que simulam movimentos humanos para testar o encaixe de absorventes íntimos e fraldas, impressoras 3D que testam novas embalagens, amostras de diferentes cabelos para testar shampoos e condicionadores, e muitas outras ferramentas para desenvolvimento de produtos.
O laboratório é dividido em blocos – o primeiro apresentado ao Draft imita um apartamento com quarto, banheiro, cozinha, área de serviço e um pequeno quintal.
O objetivo é observar como os consumidores se relacionam com os produtos da P&G, em um ambiente que remete ao seu dia a dia. No entanto, as paredes se movem para se adaptar às necessidade da pesquisa – por isso o local já virou salão de beleza e até consultório de dentista.
Já no nível superior, outros laboratórios se dividem por categorias. Ali foram apresentados ao Draft alguns testes que a equipe do LAIC conduz de forma recorrente, e algumas das cientistas que lideram essas pesquisas.
Uma delas é Amanda Urdaneta, 29, engenheira química e cientista sênior na área de cuidados com o bebê. Amanda é venezuelana, assim como muitas outras cientistas do centro de inovação, e está na P&G há mais de oito anos. Recentemente, passou um ano nos EUA para trazer novas tecnologias ao LAIC.
“Nós usamos diversas metodologias para testar nossos produtos. Para saber se a nossa fralda sai ou vaza ao caminhar, por exemplo, temos um manequim que simula textura da pele do bebê, e que conta uma mangueira interna para simular o xixi”
Já no setor de cuidado oral, conhecemos uma das veteranas do laboratório – Leyla de la Hoz, 40, cientista sênior na área de cuidados com a saúde bucal. A mexicana, que também é dentista, há 11 anos ajuda a P&G a “devolver o sorriso para as pessoas”, segundo suas palavras.
Ela e sua equipe são responsáveis pelas inovações e melhorias dos produtos Oral B.
“O Brasil é o país que tem mais dentistas por número de habitantes, mas ainda carece de cuidado dental. Temos que buscar opções acessíveis para todos”
Ao lado da bancada de Leyla, conduzindo pesquisas e desenvolvendo produtos para cabelos, a brasileira Darielly Duarte, 26, manipula mechas de diferentes cores e texturas. A engenheira de materiais chegou a P&G como estagiária em 2019 e é cientista da marca Pantene há quatro anos.
Darielly conta uma curiosidade: “A P&G é a companhia que mais compra cabelo real humano do mundo”. E isso é particularmente importante para o mercado brasileiro, pois, segundo ela, “o consumidor brasileiro tem diversos tipos de cabelo diferentes, curvatura, textura, níveis de dano”.
“Além disso, existe um engajamento grande no segmento, porque a consumidora brasileira conhece muito sobre o próprio cabelo”, afirma Darielly.
E o que acontece depois que os produtos desenvolvidos por essas cientistas recebem o sinal verde para a produção em larga escala?
É aí que entra o FabLab com modelagem e impressão 3D do LAIC, onde trabalha Luisa Sivoli Mujica, 39, designer de inovação sênior:
“Aqui conseguimos trabalhar com geometrias mais complexas, embalagens flexíveis e rígidas, materiais extremamente finos etc. Nosso trabalho é fazer o ciclo do design thinking: prototipagem, testes, iteração e protótipo novamente”
Em outras palavras, o papel da venezuelana, que trabalha há sete anos na P&G, é estudar tendências em embalagens e tornar o entendimento dos produtos mais rápido, antes da produção na fábrica começar.
O LAIC hoje é considerado uma referência para a P&G, mas a maioria das futuras cientistas e pesquisadoras que ainda estão se formando nas universidades nem imaginam que ele existe.
“Quando rodamos pesquisas entre estudantes, descobrimos que 67% não sabiam que havia um centro dessa magnitude aqui em Louveira”, diz Karen Rodrigues, 34, HR Business Partner da P&G.
Ela complementa:
“Então estamos indo a eventos focados em recrutamento de mulheres para levar o nome do LAIC e dizer que não precisamos só de quem está fazendo Pesquisa e Desenvolvimento na faculdade – também queremos engenheiras mecânicas, químicas, biotecnólogas, farmacêuticas etc.”
Esse trabalho de popularizar e fazer do centro de inovação uma vitrine tem como objetivo atrair cada vez mais cientistas de diversas origens.
E considerando que mulheres representam quase a metade, 46%, do total de pesquisadores nos países da América Latina e do Caribe, segundo relatório do British Council em parceria com a Unesco, potencial intelectual é o que não falta.
Segundo Karen, a P&G está mais focada do que nunca em diversidade:
“O foco das iniciativas de recrutamento não é mulheres, porque isso não é um problema para nós, mas estamos fazendo parcerias com coletivos de pessoas negras e abrindo nosso leque de conhecimento, buscando pessoas curiosas de especialidades diversas, e não só Engenharia Química ou Produção”
O processo seletivo é concorrido, mas as futuras candidatas e candidatos a um estágio têm oportunidade de conhecer a companhia antes mesmo de aplicar a uma vaga: o Experience Day é um evento específico para conhecer a P&G, onde é possível conhecer até a sua futura gerência.
Além disso, Karen afirma que a taxa de efetivação após o período de estágio é muito alta, e que a companhia oferece mentoria um caminho claro de desenvolvimento tanto nas áreas mais técnicas quanto gerenciais.
Em 2015, uma campanha da P&G, mais especificamente de Always, ganhou o Grand Prix, festival de publicidade de Cannes.
Batizada de “Rewrite the Rules” (Reescreva as Regras, em tradução livre), ela deu origem a um filme que se propunha a pegar o insulto comumente usado “como uma menina” e capturar o poder sutil mas negativo que ele cria para inspirar um movimento para que “como uma menina” possa significar “da melhor forma possível”.
https://www.youtube.com/watch?v=F_Ep0O5fWN4
Alguém por trás das câmeras pedia a meninas e mulheres que “corressem como uma menina”, e depois que corressem simplesmente o mais rápido que pudessem. O contraste era enorme: na primeira vez, todas corriam de forma propositalmente desengonçada, mas na segunda vez mostravam garra e velocidade.
Para além do prêmio, a mensagem é poderosa: mulheres e meninas podem ser o que elas quiserem. E para a P&G ela parece não se limitar à publicidade – e ressoar internamente até hoje.
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