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Por que defendo que todo recém-nascido faça um sequenciamento genético

Daniel Schneider - 17 jan 2025
Daniel Schneider, criador do canal DNA Dan.
Daniel Schneider - 17 jan 2025
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Sou jornalista de formação, mas sou também apaixonado por genética desde que conheci o tema na escola. A paixão está registrada até no meu nome. As pessoas mais próximas me chamam de Dan, um anagrama de DNA. É por isso que meu canal no YouTube se chama DNA Dan. Nele eu falo de genômica para genealogia e saúde.

O DNA é uma solução de armazenamento de informações com altíssima eficiência, que cria e é criado por mecanismos fabris celulares microscópicos e intrigantes. Nos últimos anos nós temos feito descobertas fantásticas sobre como o DNA funciona e também sobre como editar as letrinhas desse código de programação biológico, seja para melhoramento genético de safras ou para cura de doenças de base genética, antes incuráveis.

Em 2022 eu tive sintomas de um distúrbio que se tornou muito conhecido recentemente: burnout. Estava trabalhando em excesso já há alguns anos, com poucos períodos de folga ou lazer. Meu foco estava na produtividade, eficiência e renda necessárias para sustentar minha família e os planos que havíamos traçado.

Fiz o que não deveria e ignorei os sintomas, como se fosse atropelar o burnout, mas fui atropelado por ele. Comecei a ter crises de fibrilação atrial e taquicardia (o excesso de sedentarismo certamente colaborou para isso)

Tomei algumas providências e segui insistindo até o fim de 2023. Considero que errei. Deveria ter me afastado do trabalho antes, dado mais atenção à saúde, como estou fazendo hoje. Mas o lado bom é que consegui criar uma reserva financeira que hoje me dá o fôlego que preciso para empreender.

Há um ano pausei meu trabalho de produção de conteúdo para grandes empresas, tirei dois meses de férias e comecei a estruturar uma ideia que eu já nutria há mais de dois anos: iniciar um empreendimento na área de genômica. O canal que estreei no YouTube em abril de 2024 é o primeiro passo desse empreendimento.

MINHA PAIXÃO POR GENÉTICA ME LEVOU A DIAGNOSTICAR O MEU PRÓPRIO FILHO COM UM TESTE DE DNA

A bem da verdade, o primeiro passo já havia começado antes que eu percebesse.

Já faz alguns anos que eu participo de comunidades na internet sobre genética, onde gosto de ajudar as pessoas a progredirem em suas buscas genealógicas e de saúde. Acabei criando uma reputação que hoje colho no canal, que tem esse mesmo objetivo de ajudar, e também de jogar holofote na importância dos testes genéticos.

Não só porque a genômica é a base da nova medicina, que tem um potencial gigantesco para melhorar a saúde das pessoas, mas também porque eu tenho um motivo pessoal muito forte.

Meu filho, Benjamin, nasceu com uma condição chamada íleo meconial (quando o primeiro cocô do recém-nascido fica impactado no intestino delgado em vez de seguir para o intestino grosso). Houve erros de diagnóstico, mas, mesmo assim, a cirurgia foi bem sucedida. Entretanto, ele teve choque séptico e por muito pouco não morreu, tendo passado por muito sofrimento durante a internação de 64 dias

Benjamin sobreviveu sem sequelas detectáveis. Um milagre, diziam alguns dos médicos, depois de tudo o que ele passou. Entretanto, ele teve alta sem um diagnóstico muito importante: qual foi a causa do íleo meconial? Os testes feitos não apontaram nada e os médicos nos garantiram que havia sido apenas uma coincidência e dali para frente era “vida normal”.

Pois foi em 2022, em meio ao meu burnout, que eu fiz a descoberta que caiu como uma bomba em minha família. Benjamin já estava com 6 anos de idade, com diagnóstico de TEA (Transtorno do Espectro Autista), mas sem nenhum diagnóstico para os sintomas gastrointestinais que ele tinha.

Numa madrugada sem sono, em casa, eu investigava o genoma dele, buscando marcadores genéticos para autismo e, como não encontrava (existem milhares de possibilidades), resolvi pausar e procurar outra coisa muito mais simples de encontrar: Fibrose Cística. Isso porque cerca de 90% dos casos de íleo meconial são decorrentes de FC.

Eu busquei isso por desencargo de consciência, apenas porque já estava com o genoma em mãos. Afinal, o teste do pezinho já havia descartado a doença, bem como testes genéticos mais simples que já havíamos feito. Entretanto, para minha surpresa, lá estava: Benjamin tinha Fibrose Cística. O teste do pezinho havia trazido um diagnóstico falso negativo!

(Contei um pouco sobre isso nesta entrevista que concedi ao portal Future Health.)

Essa descoberta mudou nossas vidas, porque, de repente, aquele diagnóstico inicialmente descartado explicava todos os sintomas do Benjamin. Com todas as intervenções extremas que ele passou no hospital quando recém-nascido, isso pode explicar até mesmo o autismo.

Quando contei para a mãe dele (ainda minha esposa na época), choramos ao mesmo tempo de emoção por finalmente termos a explicação que buscávamos e de preocupação pelo que significa ter uma Fibrose Cística; uma doença potencialmente grave e, até então, com prognóstico de muito sofrimento e baixa expectativa de vida.

Atordoados, seguimos em frente com os próximos passos e, à medida que fomos progredindo, os sintomas do Benjamin foram sendo controlados. E eu, que já tinha os planos do empreendimento, não tinha mais dúvidas: precisava estrear o canal e contar essa história lá, para chamar atenção para o erro no teste do pezinho (que os médicos haviam nos garantido ser confiável) e a importância de introduzir testes genéticos para recém-nascidos e assistentes de IA para médicos. Fiz isso recentemente e você pode assistir aqui:

Eu, que não sou uma pessoa religiosa, me vi incrédulo com o conjunto de coincidências que compunham esse destino. Existe um motivo para que eu desde criança me interessasse tanto por genética? Existe um motivo para a mãe do Benjamin também ser estudiosa do assunto? Por que justamente o nosso filho nasceu com FC, se a doença é rara e afeta 1 a cada 10 mil nascidos vivos no Brasil?

Por que o teste do pezinho não funcionou para ele? Por que nós estamos entre os primeiros curiosos no mundo a fazerem Sequenciamentos Completos do Genoma vendidos diretamente ao consumidor, sem pedido médico nem objetivo específico? Por que os médicos não diagnosticaram a condição do meu filho, mas sim eu, em casa? Dentre outras coisas.

Não sei. Talvez sejam apenas coincidências mesmo. Talvez a gente tenha uma tendência a entrar nas estatísticas raras, por algum capricho do destino. Mas o importante é que a descoberta foi feita, ainda que tardia. E, com isso, meu filho pôde iniciar o tratamento, eliminar os sintomas e retomar o desenvolvimento

Ele está ótimo e, para nossa sorte, não apresenta sintomas respiratórios, que são comuns na doença. E os sintomas gastrointestinais que ele tem são mais fáceis de controlar. Apesar das variantes genéticas que ele carrega para FC serem raras, uma delas já passou por estudos e se mostrou suscetível aos modernos moduladores gênicos (substâncias capazes de corrigir a função da proteína que, quando torta, causa a doença).

Estamos esperançosos de que ele vá conseguir receber esses moduladores antes dos sintomas se agravarem. Além disso, temos esperança de algo ainda mais poderoso: uma cura.

COM POTENCIAL GIGANTESCO, OS TESTES GENÉTICOS VÃO PERMITIR ACESSO À MEDICINA PERSONALIZADA

Em 2023, foi anunciada a primeira cura para uma doença genética. Uma não: duas. Com uma única edição gênica simples, cientistas conseguiram usar a técnica CRISPR (que deu o prêmio Nobel de Química à bioquímica americana Jennifer Doudna e à sua colega francesa Emmanuelle Charpentier) para corrigir duas doenças genéticas antes incuráveis: talassemia beta e anemia falciforme. E a Fibrose Cística já está na mira para próximas soluções como essa.

Os testes genéticos têm um potencial gigantesco e são o ingresso que cada um(a) de nós deveria adquirir para entrar no hoje seleto grupo de pessoas que, caso um dia precisem, podem ser tratadas com a nova medicina, que tem nome e sobrenomes: medicina personalizada e medicina de precisão. Afinal, pessoas diferentes são formadas de maneiras diferentes e reagem de formas diferentes a medicamentos, alimentos, exercícios e outros estímulos. E tudo isso está escrito no DNA.

Com isso em pauta, países como o Reino Unido já iniciaram projetos pilotos para começarem a sequenciar os genomas de todo recém-nascido (e armazenar de forma segura, obviamente), para que cada vez mais os tratamentos sejam mais eficientes e mais preventivos.

Isso é um excelente investimento, porque, embora os sequenciamentos tenham custos, é esperado que gerem uma baita economia com os tratamentos. Sem falar na possibilidade de planejamento concepcional, o que vai reduzir a taxa de crianças nascidas com condições genéticas. Na minha opinião, isso faz ainda mais sentido para um país como o Brasil, que é populoso e tem um sistema público de saúde.

Minha paixão mudou a minha vida e a do meu filho. E pode mudar a vida de muita gente. Esta é minha missão. É por tudo isso (e também pelas maravilhas da genealogia e por uma rotina sem burnout) que eu iniciei meu empreendimento, que está só começando. Muitas outras ideias estão no forno

Um viva à genômica! Um viva à edição gênica e à nova medicina! Um viva à luta pela implementação dos sequenciamentos para todos no SUS! Um viva à possibilidade de reduzir o número de diagnósticos errados e melhorar a qualidade de vida das pessoas desde antes da concepção! Um viva à expectativa de cura para mais doenças genéticas! Um viva ao meu filho maravilhoso, Benjamin. ❤🧬

 

Daniel Schneider tem 42 anos, é jornalista científico e produz conteúdo desde 2005. Foi repórter pela Revista Superinteressante e outras da editora Abril, editor no Projeto Draft, vencedor do Prêmio Malofiej com infográfico interativo e finalista do Festival Internacional Cannes Lions com projeto de marketing crossmedia. Apaixonado por genômica, descobriu a condição genética do próprio filho e hoje mantém o canal DNA Dan no YouTube.

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