Por Alexandre Carneiro
Por muitos anos, visitei diversos lugares pelo mundo. Foram viagens turísticas (Egito, Espanha, França), a trabalho (Itália, Suíça e Turquia) ou para estudar (Alemanha, Estados Unidos, Líbano e Síria). Com o avançar da idade – hoje tenho 53 anos –, percebi que minha real motivação não era o turismo, o trabalho ou estudo, mas a procura por um lugar onde pudesse ter experiências significativas, amadurecer e me tornar uma pessoa melhor. Quando me tornei pai, aos 43, essa busca se intensificou. Já não era uma procura individual – fazia parte do legado que eu queria gerar para o meu filho.
Todo pai e toda mãe deseja que seus filhos cresçam saudáveis e felizes. Trata-se de um desejo simples, mas que vem sempre cercado de incertezas. Qual a melhor maneira de ensinar? O que ensinar? Como aumentar as chances de que eles tenham uma vida bacana, lá na frente? As perguntas surgem todo dia, numa eterna sequência de tentativas, erros e acertos. Mas surgem também algumas certezas.
Nesse momento, como pai, estou desistindo do Brasil. Ou melhor: estou decidindo que o Brasil não é o melhor lugar para eu educar meu filho.
Não existem países nem povos perfeitos. Nosso planeta é uma infindável mistura de diferenças – e essa é a beleza da humanidade. Entretanto, há sociedades vivendo estágios diferentes de valores e estilos de vida. De alguma forma, me identifico com alguns desses grupos sociais. E repudio o modo como as coisas acontecem em outros. No caso do Brasil, país em que nasci, cada vez mais me sinto mais distante do jeito de viver e de fazer as coisas.
A insegurança talvez seja o principal problema para um pai que olha para o seu filho crescendo no Brasil. Em 2012, nosso país registrou mais de 56 mil homicídios. Isso é igual a 154 mortes diárias ou a quase um massacre e meio do Carandiru por dia. Levando em conta as taxas mais atualizadas de homicídios em 100 países, o Brasil fica em 7º lugar. Estamos atrás apenas de El Salvador, Guatemala, Trinidad e Tobago, Colômbia, Venezuela e Guadalupe. Para qualquer outro lugar do mundo aonde você for, incluindo todos os países da África, a sua chance de ser assassinado será menor.
Exatamente hoje, 29 de junho, dia em que escrevo este artigo, meu filho completa 10 anos. Quando penso que a maior taxa de mortalidade da população brasileira está na faixa dos 20 aos 24 anos, fico realmente preocupado. E penso que a minha responsabilidade como pai é defender a sua integridade diante dessa ameaça. O que, para mim, equivale a deixar o país. Aqui os bandidos matam. A polícia mata. O cidadão comum mata – considerando acidentes de trânsito, entre os mesmos 100 países analisados, o Brasil ficou com a 4ª posição.
A frase a seguir é um baita clichê e expressa uma baita verdade: a vida vale muito pouco no Brasil.
Nós não vivemos apenas uma cultura do medo no Brasil – esse aspecto de brutalidade da alma brasileira é real. Todo dia há relatos de arrastões, assaltos e latrocínios nas ruas, invasões a residências, estupros, sequestros de todo tipo. São muitas as atrocidades que nos acometem. A ponto disso ter se tornado “natural”, um item cotidiano, uma parte fundante da nossas realidade e do modo como nos comportamos.
O tempo passa e fico cada vez mais incomodado com hábitos que parecem ser cada vez mais normais no Brasil: jogar lixo por toda parte, fazer xixi pelas ruas, desrespeitar o descanso noturno do cidadão que acorda cedo para trabalhar no outro dia… a lista não tem fim! O homicídio é o suprassumo da falta de respeito pelo outro. Mas essa indiferença pelo próximo acontece numa longa escala de gestos de incivilidade e insensibilidade. Em 1980, aos 18 anos, fiz um intercâmbio nos Estados Unidos. Morei 6 meses em Cincinnati, Ohio. Num passeio de carro pela cidade, atirei inadvertidamente pela janela do veículo um chiclete mascado. Toda a família americana estava no carro e imediatamente me olhou surpresa. Maior ainda foi a minha surpresa quando meu “pai americano” estacionou o carro e gentilmente me explicou que não era correto sujar a rua. Todos me ajudaram a procurar o chiclete perdido, numa temperatura de dez graus negativos.
Quero viver com meu filho em um país em que a corrupção seja uma exceção entre os líderes políticos, e não a regra, como no Brasil. Aqui todo mundo leva vantagem – do presidente da multinacional ao chefe do almoxarifado. Dos vereadores aos membros do Executivo. Do policial de rua ao juiz corregedor. Do síndico ao zelador do seu prédio. Quem é honesto é visto como trouxa – outro imenso clichê que expressa uma imensa verdade.
Busco um país que invista na educação – de verdade –, por acreditar realmente que o futuro de todos os seus habitantes, e da própria nação, depende disso. No Japão, desde o Ensino Fundamental, são os alunos que cuidam da limpeza da escola e do preparo e oferecimento do lanche aos colegas. Os professores se dedicam incansavelmente para desenvolver metodologias de ensino que facilitem o aprendizado e motivem seus alunos. O trabalho em equipe e a troca de experiências entre colegas é a regra. Compare isso com o ensino público brasileiro (e porque não dizer, com o ensino privado também…).
Estive no Líbano na década de 90, no período da guerra civil (que durou 15 anos, de 1975 a 1990) e presenciei diariamente a força da solidariedade humana. Apesar de toda a destruição, dos bombardeios, das áreas minadas, das colunas de tanque que invadiam zonas da cidade, as pessoas se ajudavam, compartilhavam o que tinham (um simples pacote de biscoito, ou uma barra de chocolate ou uma garrafa de água). Em países como Marrocos e Tunísia é comum ver crianças saindo da escola e entrando em casas que não são aquelas de seus pais para lanchar. As famílias se consideram corresponsáveis por elas, independentemente se são ou não seus filhos de sangue.
O brasileiro é considerado um povo solidário. Mas cada vez mais assisto por aqui o mais frio dos individualismos regendo o convívio social.
Na Itália, há o sentimento de respeito pela família e a tradição de todos estarem reunidos na hora da “cena”. O jantar dura de 2 a 3 horas e as pessoas conversam entre si. Nós estamos cada vez mais comendo sozinhos em frente à TV ou teclando smartphones – mesmo quando moramos em família.
Na Alemanha há o respeito pela pontualidade nos compromissos, valorizando o tempo da outra pessoa. Aqui nos acostumamos ao atraso sem ao menos dar um telefonema para diminuir o estresse de quem nos aguarda.
Na minha busca, experimentei muitas profissões. Fui contador, auditor, perito contábil, consultor financeiro, professor universitário, corretor de imóveis. Até que comecei a ler e saber um pouco mais sobre os Nômades Digitais, pessoas inquietas que adotaram um estilo de vida pessoal e profissional independente, com alta mobilidade geográfica, usando cada vez mais a internet e uma lista infindável de aplicativos para tocarem suas vidas e suas profissões.
Minha aposta é que seja possível levar meu filho pelo mundo, para viver experiências mais edificantes, em culturas e sociedades que têm mais a lhe ensinar do que a nossa.
Talvez já seja hora de perceber que a programação mental que nos foi imposta pelo sistema educacional tradicional está ultrapassada. Estou plenamente convencido de que acumular diplomas formais, ter um emprego convencional e sonhar com uma aposentadoria sedentária é um caminho velho que não trará felicidade a meu filho. Tento mostrar isso a ele – e à mãe dele também. Quero motivá-lo a experimentar, a arriscar, a confiar nos seus instintos. Como pai, quero estar sempre perto o suficiente para dar a mão sempre que ele tropeçar. Ou para ajudá-lo a levantar-se quando ele cair.
Esse é o meu projeto. Preparo dia após dia as etapas necessárias ao seu sucesso. Sei que não sou o primeiro a seguir por esse caminho. Há muitos exemplos de pais que andam pelo mundo com seus filhos. E respeito os brasileiros que ainda acreditam no desenvolvimento e na melhoria do Brasil. Eu, infelizmente, não compartilho mais dessa crença.
Sei que sentirei falta de muitos momentos felizes que tive por aqui, dos amigos e familiares, mas estou sereno com minha decisão de procurar sociedades mais de acordo com minha visão de mundo, em vez de ficar por aqui tentando empurrar uma montanha com a qual eu tenho cada vez mais estranhamentos.
Alexandre Carneiro, 53, é Consultor Financeiro e Coach em Business e Finanças em programas de formação de executivos japoneses no Brasil.
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