Quando a Jacinda Ardern anunciou que deixaria o cargo de primeira ministra da Nova Zelândia, fiz um post no LinkedIn sobre os motivos que a levaram a tomar esta atitude drástica.
Eu reconhecia em seu discurso de renúncia alguns elementos que sugeriam um burnout, e por se tratar de um tema sensível e de uma figura carismática principalmente entre as mulheres, o post teve uma repercussão surpreendente
Minha reflexão foi a seguinte: “Será que sensibilidade e empatia são características incompatíveis com alta performance em cargos de liderança? Até quando pessoas com ‘corações grandes demais’ terão que ceder espaço para profissionais pragmáticos e focados em resultados?”
Esta dúvida — que também motivou o convite para este artigo — ficou me incomodando por semanas a fio.
Pensei em cada um dos líderes que conheço, tentando encontrar uma resposta. A vida do CEO está cada vez mais difícil, isso é fato.
Das CEOs mulheres, então, nem se fala. Depois de Jacinda, outras lideranças femininas deixaram seus altos cargos, como Susan Wojcicki, que ocupou a cadeira de CEO do YouTube de 2014 a 2023.
Logo agora que precisávamos tanto de líderes inspiradores e comprometidos com os grandes desafios do mundo.
Me lembrei da famosa carta anual de 2018 do Larry Fink, CEO da gestora BlackRock, na qual ele defendeu que o mundo precisava de um novo capitalismo, focado nos “stakeholders” e não nos “shareholders”.
Ali, tive a esperança que daríamos uma guinada no jeito de fazer negócios, priorizando o meio ambiente e a justiça social, valorizando as pessoas e as comunidades, e tentando construir o bem comum
Veio a pandemia e depois dela suas tristes consequências: um mundo polarizado, mais desigual ainda, à beira de um colapso climático. Recessão em vários países, uma guerra na Europa, uma epidemia global de saúde mental.
As empresas entraram em modo sobrevivência — inclusive demitindo milhares de funcionários — e os líderes passaram a sofrer uma pressão ainda maior por resultados.
Eu já estava perdendo as esperanças quando chegou o SXSW 2023. A edição deste ano esteve perto de ser engolida pelo assunto inteligência artificial, mas felizmente a curadoria sempre certeira do festival conseguiu equilibrar a programação com temas mais ligados às humanidades.
E para meu alívio, o evento trouxe em seu line-up uma nova safra de CEOs. Mais empáticos, humildes, sensíveis aos problemas do mundo, e fazendo sua parte para resolvê-los
Curiosamente, estes três que vou destacar aqui são também mais low-profile; mesmo procurando bastante, encontrei pouquíssimas informações sobre eles na mídia.
Alguns sequer tinham perfis abertos em redes sociais — um contraste enorme com os líderes que temos visto em redes como o LinkedIn e afins, que parecem extremamente preocupados em se estabelecer como referências de sucesso.
O primeiro deles foi Hamdi Ulukaya, imigrante turco que em 2005 conseguiu um empréstimo para comprar uma fábrica de laticínios desativada e acabou criando a Chobani, o iogurte mais vendido dos Estados Unidos, que hoje fatura 2 bilhões de dólares.
Ulukaya é um ativista pela causa dos refugiados e imigrantes, que somam 30% da sua força de trabalho, recebem aulas de inglês e têm tradutores de mais de 11 idiomas à disposição.
Em sua palestra no SXSW, Hamdi contou que seu maior objetivo era crescer a empresa sem se tornar “a pessoa que cresceu odiando”, e afirmou que, se agirem corretamente, as empresas são a plataforma mais poderosa para resolver os problemas do mundo
Hamdi mostrou ser possível colocar uma empresa a serviço de uma causa, gerando oportunidades de emprego para uma população frequentemente negligenciada pelo mercado.
Outro CEO que se destacou no festival foi Ryan Gellert, da Patagonia. No comando de uma das marcas maia ativistas do mercado desde 2020, Gellert sempre se considerou um profissional diferente; suas escolhas de carreira sempre estiveram ligadas à sua paixão pelos esportes, mais especificamente o montanhismo.
Hoje, seu maior compromisso é levar adiante o legado do fundador Yvon Chouinard, que recentemente fez uma reorganização societária na empresa para tornar o planeta Terra o maior acionista da marca
Gellert é sério, direto e contundente na forma como critica o modelo de negócios que impera no mundo hoje. Mas acima de tudo, ele é coerente: a Patagonia não faz anúncios nas redes sociais da Meta por acreditar que contribuem para a disseminação de fake news e para comprometer a democracia.
Por fim, Kevin Systrom — cofundador do Instagram, vendido ao Facebook em 2012 — veio ao palco para falar da sua nova startup, a Artifact, uma plataforma de notícias personalizadas que alguns já consideram “o próximo Twitter”.
Systrom criticou o ambiente atual do Silicon Valley, comparando-o a uma dança das cadeiras: “todos estão tentando encontrar um assento antes que tudo desabe”
Segundo ele, esta mentalidade foi responsável por criar na Bay Area uma desigualdade social sem precedentes.
Systrom contou que sua nova empresa será pautada por princípios editoriais éticos e que veículos de comunicação que propaguem desinformação estão sendo banidos da plataforma.
Estes três CEOs resgataram minha esperança no futuro.
Para o otimismo ser completo, só faltava ter visto mais mulheres nessas posições em empresas desse porte… mas isso é assunto para outro artigo.
Voltei a acreditar que é possível, sim, ver líderes empáticos e sensíveis pilotando negócios bilionários
Precisamos de mais CEOs comprometidos com a criação de valor no longo prazo, coerentes com valores e princípios humanos, e sobretudo conectados com os problemas do mundo — e não só de suas empresas.
Andrea Janér é fundadora e CEO da Oxygen (leia a reportagem sobre a empresa aqui no Draft).
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