“Foi uma enorme surpresa ser indicada. Primeiro, pelo peso que o prêmio tem; e depois, por eu estar numa startup. Normalmente, a gente vê [no prêmio] pessoas que estão em grandes empresas. Então fiquei super honrada com a indicação.”
É assim que Stella Brant, sócia e Chief Marketing Officer da Liv Up, descreve sua reação à indicação ao Prêmio Caboré 2020 como Profissional de Inovação do ano (a premiação será anunciada no começo de dezembro).
Por duas décadas, Stella traçou uma carreira na área de marketing e de inovação da Ambev. Na entrevista a seguir, conta que se surpreendeu também, na época, ao ser promovida mesmo estando grávida — achou que seu chefe tinha esquecido desse “detalhe”.
Há três anos, movida pela inquietude, ela deixou a zona de conforto corporativa e mergulhou no mundo das startups. Primeiro, no mercado de mobilidade, como diretora de marketing da 99.
Mais recentemente, Stella criou sua própria edtech e, desde abril, é também a CMO e nova sócia da Liv Up, startup de alimentação saudável que hoje vende 400 mil refeições por mês (e já foi pauta aqui no Draft).
Você teve uma longa passagem na Ambev. Pode contar como isso moldou sua visão de mundo e de negócios?
Fiquei 21 anos entre Brahma, Ambev, Interbrew, ABInBev… Passei por todas as fases da empresa. Trabalhei com as principais marcas, as mais valiosas do Brasil, lancei Budweiser aqui no país… Projetos que me orgulham muito, e que traçaram a forma como vejo o mundo e o trabalho, uma “visão de dono” muito próxima e genuína.
Intraempreendedorismo faz toda diferença para trazer resultados consistentes. Isso faz parte da cultura da Ambev, e veio forte em mim.
O último [projeto] que fiz lá acho que foi o mais disruptivo, por repensar a forma de construir não uma marca, mas a categoria. A cerveja tem um lado divertido, mas faltava um pouco [trazer] o lado de ingredientes, e meu trabalho era construir uma reputação, de forma que notícias positivas fossem contadas sobre o que estava dentro do líquido, do produto…
Com isso, inovamos muito nos processos, na forma de fazer construção desse trabalho, gerando inovação do ponto de vista de abordagem, e também impacto na cultura interna, trazendo colaboradores para serem sommeliers de cerveja… Influenciando desde o posicionamento de marcas até a própria cultura da empresa.
Também liderei a área de inovação da Ambev. Foi uma surpresa quando fui promovida, grávida; achei que meu chefe tinha esquecido, ainda era um momento de empresas mais machistas… Então, quando ele me convidou, eu disse: “Mas você lembra que estou grávida?”. E ele: você tem oito meses para resgatar o time, fazer uma relação com o global e tocar 40 projetos…
Acho que não existe “bicho” mais eficiente do que mulher grávida. Você precisa deixar tudo muito bem azeitado, porque tem uma data para parar: não tem jeito, o filho vai nascer. Foi superdesafiador tocar esses 40 projetos . Aprendi muito trazendo inovações relevantes não só para o negócio, mas para pessoas e a construção de uma estratégia da marca.
E o que te motivou a deixar a empresa?
Saí muito pela inquietude de ver onde conseguiria gerar impacto maior não só para a empresa, mas para a vida das pessoas. Convivo muito com ambiente de inovação, South by Southwest sempre foi uma enorme inspiração, palestrei uma vez, iria palestrar este ano de novo [a edição foi cancelada devido à Covid-19]… O que as startups estavam fazendo me brilhava muito os olhos.
Queria me inserir nesse mundo e fazer parte dessa transformação através de soluções reais para problemas reais. Fui para a 99 com esse objetivo e de aprender muito sobre tecnologia. A empresa estava fazendo aquele turning point da dor de crescimento, de passar de 200 para 1 000 pessoas, e dar continuidade à cultura dos empreendedores num momento de escalonagem muito grande…
Fiquei dois anos e meio, foi um aprendizado gigante. Em paralelo, sou apaixonada por educação (além de alimentação), e abri uma startup com meu marido, a Explore Aprendizagem Criativa. Ele estudou diversas metodologias, desde montessoriano juntando Singularity, cultura maker, e desenvolveu uma metodologia para trabalhar a educação através da aprendizagem criativa, um método focado numa cultura de fazer, errar, aprender, e conseguir com isso desenvolver habilidades socioemocionais.
Conta um pouco da sua chegada à Liv Up. Começar em uma nova empresa nesse contexto de pandemia, aliás, deve ser uma experiência meio maluca…
Bem maluca… Estou na Liv Up há seis meses, e muito feliz, me sinto como se estivesse desde o primeiro dia, praticamente uma fundadora. Mas entrei já na pandemia, então não conheço ainda meu time pessoalmente, só quem me entrevistou.
E taí uma coisa que incorporei: o home office. A Ambev tem uma cultura de não ter paredes, as coisas acontecem onde tem que acontecer, no chão de fábrica… E eu achava que home office podia funcionar pra muita gente — para mim, não.
Sempre tento me dividir nesse papéis de profissional, mãe, mulher… E me sentia culpada, às vezes não conseguir almoçar com minha família, ou colocar meus filhos para dormir… O home office não só diminuiu muito a minha culpa, mostrou também que essa flexibilidade claramente não interfere em produtividade
Agora, obviamente o home office full time interfere muito na construção da relação [com o time], então isso a gente precisa ajustar, e o modelo híbrido talvez faça mais sentido.
Quais são os principais desafios que você tem hoje, na Liv Up?
Temos um produto muito bom, uma cadeia absolutamente virtuosa, e um valor percebido muito grande, tanto que nosso NPS gira em torno de 78, 80, uma satisfação grande dos clientes. Um dos meus grandes desafios é fazer com que mais pessoa conheçam a Liv Up, para que ela continue inovando, colocando o consumidor no centro, e fazendo isso de forma escalonável.
Nossa inspiração é a Glossier, uma marca de beleza totalmente centrada em cocriação com o consumidor. A Liv Up já faz isso muito bem, mas nossa expectativa nos próximos anos é multiplicar nossa escala por dez, então estamos estruturando muito bem isso para que a gente consiga criar esse ambiente de troca e de comunidade cada vez mais forte com nossos clientes
Outro desafio é ter um portfólio ideal para cada vez mais pessoas. Hoje temos cerca de 150 itens no cardápio e vamos expandir isso muito pra frente, trazer mais opções para mais pessoas e mais ocasiões, para sermos mais relevantes por mais tempo.
Pode dar um exemplo dos conteúdos que vocês constroem para aproximar os clientes da marca?
Acabamos de fazer uma parceria com a Laerte para contar um pouco da história dos agricultores e dos ingredientes por trás do nosso produto. Obviamente estou falando de liv Up, mas também contando a história da Maria Margarida, de como ela começou a cultivar couve kale, o que é a couve kale — que ainda é pouco conhecida no Brasil…
Eu sempre desafio o time com provocações. Como toda startup, toda empresa digital, a gente investe muito em performance, então eu brinco com eles, tá bom, a gente vai fazer conteúdo de performance, mas eu quero revolucionar o conteúdo de performance com coisas que de fato vão ser relevantes para as pessoas
No caso do projeto com a Laerte, a provocação foi: tá bom, vamos fazer uma sacola. Mas a nossa sacola não pode ser uma sacola qualquer, tem que trazer uma inovação, algo que mostre a Liv Up através de uma sacola. Se for só uma embalagem, é só uma embalagem…
Daí, quando pintou a ideia de fazer esses quadrinhos e contar a história dos agricultores e ter um QR Code com um filminho que a própria Maria Margarida fez com o celular dela, contando o que ela faz no dia a dia, foi incrível.
Mas quem poderíamos trazer para contar essas histórias com a gente? E aí o nome da Laerte chegou muito fácil. Antes, porém, queríamos entender como era a relação dela como alimentação, mostrar o que é a Liv Up…. Os influenciadores com quem a gente trabalha realmente se encantam com a proposta, e é isso que dá liga… Senão vira merchan.
Conversamos, ela se encantou muito, ficou apaixonada pela salada, pela kale, está doida pra conhecer [pessoalmente] a Maria Margarida… Foi um processo superfluido, mega rápido. Começamos com a história da Maria Margarida, e a gente vai na sequência contando cada vez a história de um dos 25 agricultores que trabalham com a gente hoje.
Quando você faz um projeto com a Laerte, de alguma forma está se associando a uma bandeira de diversidade. Esse é um tema que hoje aparece no discurso das grandes empresas, mas nem tanto das startups. Como a diversidade é trabalhada internamente?
Sem diversidade a gente não tem inovação. Esse é um tema com o qual a gente se preocupa muito e tem endereçado, e sempre pode melhorar.
Em termos de gênero, fizemos um trabalho — muito antes de eu entrar, inclusive, — de aumentar o número de mulheres e de lideranças femininas. E a gente vem buscando solidificar isso cada vez mais para ter uma representatividade forte.
A Liv Up foi fundada por quatro engenheiros da Poli, tinha tudo para não ser uma empresa diversa por muito tempo… Mas o drive deles e o foco que deram nisso garantiram que hoje, depois de quatro anos, a gente já tenha um quadro com mais de 50% da liderança feminina
Também buscamos uma diversidade maior em etnia. Hoje, estamos com 27% do quadro formado por negros; só de janeiro para outubro, [essa presença] cresceu 18%.
A gente busca é uma diversidade de experiências, para compor um time realmente diverso e trazer preocupações, olhares e experiências que vão nos ajudar a continuar inovando.
Como os dados sobre as preferências e consumo dos clientes são usados pela Liv Up para gerar valor e incrementar seu cardápio?
Somos hoje uma empresa “direto ao consumidor”, não tem ninguém intermediando nossas operações. Então, conhecemos a fundo quem hoje compra com a gente, o que eles querem ou o que não estão gostando e por aí vai…
Fazemos pesquisa constante com o consumidor, além disso tem toda uma revisão de cardápio, a gente analisa o que está e o que não está vendendo e aprofunda pra entender o porquê… Trabalhamos nessas receitas para termos pelo menos uma novidade por semana.
O processo de criação [das receitas] foi revisto pela empresa antes mesmo da minha entrada, pensando assim: “se na criação de um produto digital a gente consegue ser mais ágil, olhando profundamente os dados e trazendo as solução, por que não conseguimos fazer isso com um produto físico?”
Então, a mesma metodologia agile é aplicada para desenvolver o produto físico, a comida em si. E a gente consegue ter com isso um ciclo muito mais rápido e profundo de validação…
Temos uma fase inicial de mapeamento do problema, depois a parte do discovery, de desenvolver o MVP, daí mandamos [o protótipo do produto] para a casa das pessoas , perguntamos “você que gosta tanto do bolinho de cenoura, temos uma nova receita, o que achou dela?”.
Depois a gente refina essa receita e escalona na cozinha. E como temos rastreabilidade da cadeia inteira, eu consigo saber até a cenoura que foi usada naquele bolinho, de que parceiro ela veio… Para entender que qualidade ela tem de diferente.
O dado é muito usado na cadeia como um todo e na cocriação com o consumidor. Acabamos de relançar o nosso bolinho de banana. Era um bolinho de banana com nozes, e alguns consumidores diziam que tinha muita nozes, que podia reduzir um pouco… Refizemos a receita, cocriando com eles, e relançamos o bolinho.
Quais foram os seus principais aprendizados nessa transição entre uma carreira corporativa na Ambev e um mergulho dos últimos anos no mundo das startups?
Tenho vinte anos de indústria grande e agora três de startups. Mas a gente brinca que em startups são “dog years”, então posso já considerar que tenho vinte anos porque cada ano vale por sete [risos].
Acho que o grande aprendizado nessa transição foi que você precisa ter, primeiro, skills muito relevantes de visão de dono, de encarar o problema como sendo parte dele. E parte dessa solução, porque ela não virá nem vai depender de uma grande estrutura ou de um grande processo…
A inquietude sempre esteve muito presente na minha vida. E em startups ela faz parte do DNA: qualquer pessoa poder trazer uma solução; não é a “área de criação” que é criativa, todo mundo é criativo.
A velocidade do mundo de startups é tão grande que ou você se reinventa todo dia, estando aberto tanto a errar quanto a aprender, ou você vai ser engolido, porque não vai sobreviver
Sempre trabalhei muito, a empresa por onde passei não é realmente reconhecida por ser um lugar “supertranquilo”. Mas nunca trabalhei tanto como trabalho em startup. Porque a gente vai de corpo e alma, é um processo muito intenso na velocidade — não na pressão pelo resultado em si, mas na pressão da sobrevivência.
As startups têm recursos mais limitados e com isso uma necessidade [maior] de pensar no curtíssimo prazo, mas também construir o longo prazo. E o longo prazo depende de você, não vai vir [sozinho], porque não tem uma máquina rodando, fazendo isso acontecer.
Isso estimula a criatividade, o dinamismo do “feito é melhor do que o perfeito”. Você não leva um ano pesquisando, lapidando um negócio, porque senão quando você vai lançar já passou até o timing.
Esse dinamismo, essa tolerância ao erro, essa criatividade e senso crítico muito forte fazem com que o mundo de startups seja algo que eu definitivamente não pretendo largar. Porque fomentam na gente uma capacidade de produzir e gerar impacto muito maior
Sigo as palavras de um dos meus ídolos, o Jorge Paulo [Lemann]. Hoje, se eu fosse recomeçar, sem dúvida seria numa startup.
Movida pelo lema “siga sua paixão”, Letícia Schwartz foi viver nos EUA e fez sucesso com livros sobre gastronomia. Até que se apaixonou pela educação e fundou uma consultoria que ajuda alunos a ingressar em faculdades americanas.
A falência do pai marcou a infância e mudou a vida de Edu Paraske. Ele conta os perrengues que superou até decolar na carreira – e por que largou a estabilidade corporativa para empreender uma consultoria e uma startup de educação.
Na faculdade, Marcos Valeta fez grandes amigos, mas depois cada um foi viver num canto do planeta. O publicitário conta como o vínculo resistiu ao tempo e à distância – até que a decisão de fundar sua própria empresa reuniu o grupo novamente.