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Portinari na ponta dos dedos: tornando a arte “visível” para quem não enxerga

Daniel Schneider - 23 maio 2017
O painel "Civilização Mineira” foi recriado em escala reduzida para favorecer a percepção tátil dos visitantes
Daniel Schneider - 23 maio 2017
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Como parte de suas atividades para a 15ª edição da Semana de Museus, promovida pelo IBRAM, a Casa Fiat de Cultura lançou na última quarta-feira (17) três peças multissensoriais que traduzem o clássico painel “Civilização Mineira”, de Candido Portinari, ao público com deficiência visual parcial ou total.

A obra em exposição permanente no hall de entrada da Casa Fiat de Cultura, é composta por 12 placas de madeira e tem 2,34 metros de altura por 8,14 de comprimento. Para representá-la às pessoas com deficiência visual, as três peças foram produzidas também em madeira, em escala gráfica reduzida, num tamanho aproximadamente 180 vezes menor. Tudo feito em parceria com o Fab Lab do ISVOR, a Universidade Corporativa da FCA, numa máquina a laser que esculpe as peças com precisão. A máquina cortou a madeira e também fez baixos relevos, que auxiliam a percepção tátil dos detalhes da pintura, como os contornos de igrejas, pessoas e fios de postes de luz. As peças ampliam a acessibilidade da obra ao materializá-la para a percepção tátil e com isso estender ao público com deficiência visual os conceitos da composição do quadro, que é a maior obra de Portinari em Minas Gerais.

A inovação foi uma proposta do Núcleo de Acessibilidade da Casa Fiat de Cultura e passa a ser oferecida de forma permanente a todos os interessados, com ou sem deficiência visual. Profissionais da instituição estarão à disposição para mediar as percepções.

A peça feita para o público com deficiência visual parcial realça a composição de cores da tela original, que tem predomínio de tons azuis e laranjas e suas variações e combinações. Nela, as cores da tela aparecem supersaturadas, permitindo que o visitante possa visualizar as intenções do artista. Pessoas com visão normal também podem utilizar a peça para facilitar a compreensão de como as cores dialogam na obra.

Há uma outra peça reproduzindo a montagem do painel, com as 12 placas em escala, que podem ser retiradas e encaixadas, estimulando a percepção tátil do baixo relevo, que traz as principais linhas do desenho. A terceira peça atraiu a maior parte das atenções no lançamento do serviço, porque, além do baixo relevo que reproduz as linhas essenciais da obra, ela traz sete camadas de madeira sobrepostas, que também podem ser livremente manipuladas e encaixadas, permitindo a percepção de diversos planos da composição da paisagem e oferecendo uma solução para experimentar a perspectiva da obra sem usar a visão.

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Peças esculpidas numa máquina a laser ajudam os deficientes visuais a tomar contato com a obra

A 15ª Semana de Museus, que terminou no domingo (21) teve como tema “Museus e histórias controversas: dizer o indizível em museus”. Dentro dele, a Casa Fiat de Cultura assumiu como desafio “fazer ver o invisível”, segundo o presidente da instituição, José Eduardo de Lima Pereira. “E é curioso termos constatado, ao finalizarmos nosso projeto, que os dispositivos serão muito úteis também para o público em geral, na medida em que terão a oportunidade de se aprofundar nos aspectos estruturais de composição da obra e da arte de pintura”, destacou. “É indizível o sentimento de quem não vê o visível. Foi esta a proposta, de trazer o impossível para esse público. É uma analogia entre dizer e ver. Fiz essa experiência de olhos fechados e consegui ver com as mãos mesmo já tendo antes visto com os olhos. Foi reveladora”, conta.

A coordenadora do Programa Educativo da Casa Fiat de Cultura, Clarita Gonzaga, destaca a amplitude democrática do projeto. “Como falamos sobre a obra para uma pessoa que enxerga? Falamos das perspectivas. E para as pessoas com deficiência? Também. Para que essas pessoas também pudessem visualizar a perspectiva, só precisávamos materializá-la. O que fizemos foi um esforço para promover a sensibilidade no sentido amplo, tanto para o público com deficiência visual quanto para quem consegue ver”, explica. “Queremos dizer o indizível sobre algumas questões relativas à acessibilidade. O que se ganha ou se perde na mediação acessível? Até onde a experiência estética é contemplada? O que, de fato, a pessoa com deficiência espera quando visita um espaço de exposição? Tentamos mostrar, por meio das peças multissensoriais, que é possível criar um espaço adaptado e democrático, que dialogue com qualquer tipo de público, com deficiência ou não”, completa.

O consultor em acessibilidade cultural Flávio Oliveira foi uma das pessoas com deficiência visual convidadas a participar do lançamento das peças. Doutor em educação, ele avalia que “a iniciativa é interessante e muito importante. O baixo relevo não é o ideal para a percepção tátil, mas se faz necessário neste painel que mostra a perspectiva. Estou satisfeito com o resultado. Com mediação, é de fato possível sentir a perspectiva da obra. Isso é algo abstrato, mas aqui foi traduzido para o lado tátil. Foi uma boa solução, que realmente se aproxima das necessidades das pessoas”. Outro convidado, o servidor da UFMG Abel Passos concorda com Flávio. “Achei muito interessantes as partes do painel, porque desta forma, com as camadas, a gente realmente consegue perceber as texturas, a perspectiva e a profundidade da obra”.

Carlito Sá, formando em Letras da UFMG, também aceitou o convite e gostou da experiência. “Procuro sempre ir a museus e exposições e achei incrível esta iniciativa da Casa Fiat de Cultura, essa questão de procurar uma dinâmica para transmitir algo que é visual para o concreto com a ideia de profundidade da pintura. Foi a primeira tentativa de transmitir imagens planas para o tato com que eu tive contato”, elogia.

O painel original, feito em 1959 por Portinari, foi restaurado pela Casa Fiat de Cultura em 2013, após 16 etapas de trabalho e mais de 500 horas de pesquisa e intervenções minuciosas. É o maior quadro do artista modernista em Minas Gerais e representa a mudança da capital, de Ouro Preto para Belo Horizonte, ocorrida em 12 de dezembro de 1897. Portinari é considerado um dos maiores nomes da pintura brasileira do século 20 e o painel “Civilização Mineira” tem valor simbólico e material incalculável para a cultura nacional.

Além das peças multissensoriais do Painel de Portinari, a Casa Fiat preparou também outras duas ações para a Semana de Museus. Uma delas é a Roda de Bordados, que oferece aos visitantes a oportunidade de realizar bordados livres em peça única de tecido, com objetivo de incentivar as pessoas a expressarem seus sentimentos, ideias e conflitos do cotidiano por meio do traçado das linhas, buscando “dizer o indizível”. Outra ação é um bate-papo com os artistas visuais Leo Brizola e Miguel Gontijo e a psicanalista Maria Theresza Waisberg. Intitulada “Arte e inconsciente: caminhos incomuns para a criatividade”, a conversa tem o objetivo de revelar as confluências dos campos da arte e da psique, buscando tangenciar a manifestação do inconsciente do artista em suas obras, que podem revelar o indizível.

Localizada no Circuito Liberdade (Praça da Liberdade, 10, em Belo Horizonte, MG), a Casa Fiat de Cultura está aberta a visitação gratuita de terça a domingo. Nos dias de semana, o horário de visitação é de 10h às 21h. Nos fins-de-semana e feriados, de 10h às 18h. As peças multissensoriais continuam no acervo da Casa Fiat mesmo depois da Semana de Museus, e podem ser utilizadas sob solicitação.

 

Esta matéria pode ser encontrada no Mundo FCA, um portal para quem se interessa por tecnologia, mobilidade, sustentabilidade, lifestyle e o universo da indústria automotiva.

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