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“Praticar o desapego foi doloroso, mas aprendemos que o ser em abundância é mais importante do que o ter”

Aline Fujikawa - 30 nov 2018 Aline e Paulo largaram São Paulo para empreender uma pousada de praia na Bahia.
Aline e Paulo largaram São Paulo para empreender uma pousada de praia na Bahia.
Aline Fujikawa - 30 nov 2018
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por Aline Fujikawa

Sempre sonhei morar na praia. A distância entre o sonho e a vida insana em São Paulo só foi encurtada quando meu marido teve um surto de estresse que o paralisou completamente e nos obrigou a repensarmos o modo como estávamos levando nossas vidas. Nesta época, eu e o Paulo trabalhávamos na empresa de sua família, especializada em tratamento de água. Ele estava sendo preparado para assumir a direção. Iria substituir seu pai, que se aposentaria em cinco anos.

Paulo não estava feliz com essa perspectiva, mas também não tinha coragem de assumir isso para sua família. Além de tudo, não sabia que rumo tomar caso saísse da empresa, já que praticamente a vida inteira tinha trabalhado no mesmo ramo.

A pressão no trabalho, aliada à frustração, afetou a saúde do meu marido: úlcera no estômago, depressão e síndrome do pânico eram sinais de que seu corpo pedia socorro

Quando ele estava mal, eu só pensava em encontrar uma forma de reverter a situação. Nessa época, recebi um e-mail com anúncios de casas à venda no litoral sul da Paraíba. E se largássemos tudo em São Paulo e nos mudássemos para lá? Teríamos qualidade de vida, mas viveríamos de que? O Paulo já havia comentado algumas vezes que queria ter uma pousada. Então, naquele mesmo site de venda de imóveis, busquei um estabelecimento do tipo, e encontrei! Na semana seguinte, estávamos embarcando para a Paraíba para conhecer a tal da pousada.

Tudo o que tínhamos de patrimônio era a nossa casa. Fizemos uma oferta considerando o seu valor, mas como estava muito abaixo do preço de venda da pousada, foi recusada. Ficamos arrasados! Decidimos, então, mudar a estratégia: já que não tínhamos o suficiente para comprar, que tal arrendar? Começamos uma busca frenética de pousadas pelo Brasil. Os pré-requisitos eram somente caber no nosso bolso e estar localizada em alguma praia no Nordeste, mas as oportunidades de arrendamento eram raras.

Praia de Taipú de Fora, onde fica a pousada Velas e Vento.

Quatro meses depois, quando conseguimos quatro oportunidades em um mesmo Estado, Paulo pegou o avião e voou para a Bahia para conhecer as pousadas pessoalmente, mesmo sem sabermos de onde tiraríamos o dinheiro. Quando ele estava no aeroporto, o telefone tocou e nossa advogada disse que tínhamos ganhado uma ação que se arrastava há mais de três anos. Pronto! O destino tinha acabado de providenciar, no momento exato, o dinheiro que precisávamos!

Quando chegamos de lancha no píer de Barra Grande, na Península de Maraú, meu marido se deslumbrou com o visual. Não teve a menor dúvida de que tinha encontrado o nosso cantinho assim que pisou na Pousada Velas e Vento. Era aconchegante, com muito verde, espaço para os nossos cachorros, pertinho do mar, na paradisíaca Praia de Taipú de Fora, com direito a uma piscina natural ótima para snorkeling.

Ao chegar, tive a mesma certeza, mesmo sem nunca ter vindo antes para a Península. Decidimos, então, que era ali que queríamos morar. Prontamente fechamos o negócio e hoje agradecemos por termos tomado essa decisão. Um mês e meio depois, e sem nenhuma experiência no ramo, estávamos assumindo a administração de uma pousada na Península do Maraú.

Contratamos um consultor para nos ajudar na implantação e nos meses iniciais de gestão. Os primeiros meses foram bem complicados, porque começamos na baixa temporada, em maio de 2017, e sem capital de giro. Foi preciso fazer empréstimos.

No primeiro ano administrando uma pousada, ficamos no zero a zero financeiro, mas a nossa qualidade de vida deu um salto gigantesco

O Paulo agora está completamente curado da depressão e nós conseguimos conciliar o trabalho com a curtição de viver na praia. Trabalhamos bastante aqui, de domingo a domingo, e as coisas ficam ainda mais puxadas nos feriados e no verão, mas ainda assim conseguimos ir para a praia todos os dias.

O dia a dia gerindo uma pousada me surpreendeu positivamente. É muito gostoso poder conhecer tanta gente, de tantos lugares e com experiências de vida tão distintas. A maior parte das pessoas chega aqui com um astral ótimo por estarem de férias, o que contribui bastante para o prazer do nosso trabalho. É muito gratificante! Claro que de vez em quando aparecem uns perrengues, mas nem se comparam aos problemas que enfrentávamos no trabalho anterior.

O desafio de empreender envolve alta burocracia, impostos abusivos, decisões de gastos e investimentos, estratégias de vendas, gestão de pessoas etc.

Como a pousada é um negócio pequeno, acabo participando de todas as etapas e processos. Já tive que limpar apartamento, fazer café-da-manhã, fechar a folha de pagamento e negociar com fornecedor no mesmo dia. Enfim, o aprendizado é diário e o gostinho de superação, também.

Aqui na pousada fica muito claro como as pessoas podem escolher o modo como enxergam o mundo. Todos ficam hospedados sob as mesmas condições, chegam pelo mesmo caminho e fazem os mesmos passeios. Há aqueles que amam tudo, acham tudo lindo e maravilhoso, e há aqueles que enfatizam somente o lado ruim das coisas e só reclamam. Isso tem sido um exercício para mim também: escolher o lado bom da vida.

Outro aprendizado é que, na verdade, precisamos de muito pouco para viver. Quando nos mudamos, deixamos a nossa casa com todos os móveis e utensílios para trás. Tínhamos investido todo o nosso dinheiro naquele imóvel e em tudo o que tinha dentro dele. Muito suor estava ali e praticar o desapego foi doloroso. Agora vemos que nada daquilo era importante para a nossa felicidade. Há caixas que trouxemos e estão fechadas até hoje. Ou seja, são mesmo desnecessárias!

Hoje moramos em um quarto da pousada, temos somente o essencial e estamos muito bem, obrigada!

Tem uma frase que li em um livro e assumi como meu objetivo de vida: “Ser em tanta abundância que o ter se torne totalmente irrelevante”. Ela resume o que buscamos agora. E o mais legal de tudo é que toda essa mudança nos deu força para acreditarmos que podemos realizar tudo o que quisermos, basta correr atrás.

Continuamos sonhando… Os próximos planos são: um mochilão de volta ao mundo e a compra de um veleiro para morarmos a bordo viajando pelo Caribe, Mediterrâneo e Polinésia. Logo mais estaremos de volta por aqui para contar. Imagine só quanta aventura. Não vemos a hora de viver essas novas experiências!

 

Aline Fujikawa, 34, é bióloga e atuava como gerente técnica de uma empresa privada de tratamento de água. Decidiu largar tudo em São Paulo para viver com o marido Paulo Steinmeyer e os cachorros perto do mar. Atualmente, administra a Pousada Velas e Vento, em Taipú de Fora (BA).

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